Muito se tem falado sobre incentivos fiscais e econômicos para a proteção do meio ambiente, sobre a necessidade de conservar as florestas brasileiras, sobre a proteção da diversidade biológica e toda uma série de “lugares comuns politicamente corretos”, sem que a ação administrativa do estado avance em tal direção.
Na verdade, o estado permaneceu olimpicamente onde “sempre esteve”. Um bom momento para que, efetivamente, tivéssemos dado alguns passos em direção a tal sustentabilidade foi o da aprovação da lei de concessões florestais. Infelizmente, mantendo a tradição nacional, permanecemos no blá-blá-blá e pouco fizemos além de conceder um alvará para o corte indiscriminado das árvores na Amazônia, favorecendo madeireiras paraenses que, quando outubro chegar, saberão ser generosas. Não soubemos fazer do limão limonada.
A lei nº 11.284, de 2 de março de 2006, que trata da gestão de florestas públicas para a “produção sustentável”, estabelece em seu artigo 2º, I que um dos princípios por ela adotados é a “proteção dos ecossistemas”. Já o artigo 3º, VII define a concessão florestal como:
delegação onerosa, feita pelo poder concedente, do direito de praticar manejo florestal sustentável para exploração de produtos e serviços numa unidade de manejo, mediante licitação, à pessoa jurídica, em consórcio ou não, que atenda às exigências do respectivo edital de licitação e demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.
A lei, patrocinada por entidades “ambientalistas” e “sócio-ambientais” é um retrocesso e vai na contramão da moderna proteção ambiental e da tendência internacional em considerar que uma floresta em pé pode ter tantos ou mais atrativos do que as florestas na horizontal. Aqui não adianta esgrimir o discurso da sustentabilidade e tantos outros que vêm sendo apresentados como sinônimo de “modernidade” e cujo resultado prático é floresta derrubada. Aliás, nem sempre o mais moderno é melhor. Na verdade, a lei de concessões florestais não considera a hipótese de que possam haver interessados na licitação para pura e simplesmente manter a floresta em pé. De fato, o artigo 14 da lei determina o seguinte:
A concessão florestal terá como objeto a exploração de produtos e serviços florestais, contratualmente especificados, em unidade de manejo de floresta pública, com perímetro georreferenciado, registrada no respectivo cadastro de florestas públicas e incluída no lote de concessão florestal.
O sentido da norma é inequívoco.
Assim, ao que parece, o espírito da lei é que, primeiramente, se busque os chamados produtos florestais, havendo uma certa ordem de preferência a ser obedecida pela autoridade licitante. Já que o mal está feito, precisamos amenizá-lo, na medida do possível. Uma das alternativas seria uma aplicação analógica do § 6º do artigo 44 do Código Florestal (1), admitindo-se que proprietários rurais que tenham áreas degradadas possam se habilitar em licitações, com a finalidade de “compensar” as suas áreas degradadas, mantendo uma floresta nacional em pé pelo período da concessão. Uma outra possível alternativa seria a criação de uma figura que, à semelhança das Reservas Particulares do Patrimônio Nacional – RPPN, permitisse que o particular interessado pudesse se habilitar em licitações para a concessão de florestas nacionais, com o objetivo de gravá-las com intocabilidade. Assim, o particular, mediante um certame público, imporia ao próprio estado a obrigação de conservação da floresta, mediante a adoção de mecanismos contratuais, sendo-lhe assegurado o direito de fiscalização do cumprimento do contrato por parte do poder público. Os valores arrecadados deveriam ser necessariamente investidos na conservação de florestas, vedada a sua utilização como verba de custeio.
Objetivo é derrubar árvore
A lógica da lei recentemente aprovada é ruim, visto que, se analisada com mais vagar, resulta evidente que, apesar de toda a retórica “ambientalista” e “sócio-ambientalista” e do “modernoso” conceito de “serviços ambientais” e outras pérolas, o que ela visa mesmo é derrubar árvore. Não considera a lei que, atualmente, existem muitas pessoas que estão dispostas a contribuir para que florestas permaneçam em pé. Diariamente, os jornais noticiam que este ou aquele milionário adquiriu um pedaço de floresta no Chile ou em outro país qualquer, apenas para deixá-la em pé. Organizações como Greenpeace, WWF, Conservação Internacional e outras poderiam mobilizar fundos para participação nas licitações com vistas à manutenção das florestas em pé, como fazem em outros países. Acredito até que isto já esteja sendo feito, porém ainda não tive notícias.
Com efeito, o site de Conservação Internacional registra a seguinte informação: A Conservação Internacional e a The Nature Conservancy (TNC) comprometeram-se a investir US$ 6 milhões para a conservação de ilhas na Micronésia, região no Pacífico que vai do Havaí às Filipinas. O investimento é uma resposta direta ao compromisso anunciado por seis nações e territórios da Micronésia para proteger uma área marinha e terrestre que totaliza quase 20 milhões de ha, duas vezes o tamanho de Portugal (2).
A iniciativa, certamente, merece elogios. Contudo, a relevância internacional que tem sido dada à Amazônia não tem sido acompanhada dos recursos necessários. Aliás, perdemos uma ótima oportunidade para desnudar uma certa retórica internacional que prega a proteção da Amazônia e, no entanto, não quer participar do esforço financeiro necessário para tal. Lembro que a diversidade biológica é um interesse comum da humanidade e que, em função disto, todas as nações, na medida de suas possibilidades, devem contribuir para protegê-la.
Na verdade, a lei tratou as florestas nacionais como se elas fossem bens de consumo não durável. Os critérios para a concessão, conforme previstos no artigo 26, em nada diferem dos critérios tradicionalmente utilizados para o julgamento de certames licitatórios: primeiramente avalia-se o melhor preço, ainda que, timidamente, se acene com a possibilidade da inclusão de um critério técnico. Caso alguém pretendesse participar de uma licitação para obter uma concessão e manter a floresta em pé, dificilmente venceria. Talvez um bom economista como o Ronaldo Serôa pudesse fazer alguns modelos e testar hipóteses. Seria importante que o primeiro critério a ser adotado fosse o do menor impacto ambiental, o que viabilizaria a participação de quem não desejasse derrubar florestas. Aliás, no particular, o governo poderia se valer do mesmo mecanismo que já foi utilizado nas privatizações, aceitando precatórios e títulos da dívida pública, por exemplo. O ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, Nélson Jobim, chegou a sugerir que a União e os Estados somente pagassem precatórios até determinado valor e que os demais fossem a leilão. Mecanismos de compensação tributária e outros poderiam estar disponíveis para a manutenção de florestas em pé. Seria uma forma inteligente que o estado encontraria para diminuir o prejuízo de terceiros que ganham mas não levam e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente.
É interessante observar que as florestas nacionais que estiverem sendo utilizadas por “comunidades locais” devem ser transformadas em reservas extrativistas ou de desenvolvimento sustentável, sem ônus para as comunidades, conforme determinação do artigo 6º da Lei (3), o que significa a colocação das terras públicas no mercado, privilegiando um determinado tipo de cidadãos em detrimento de outros.
Penso que se deveria dar muita atenção ao tema “manter as florestas em pé”, pela via da licitação. Este seria um importante passo dado pelo governo que, seguramente, mostraria que as críticas que têm sido formuladas estão, felizmente, equivocadas.
(1) “Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus §§ 5o e 6o, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamente:…………….§ 6o O proprietário rural poderá ser desonerado, pelo período de trinta anos, das obrigações previstas neste artigo, mediante a doação, ao órgão ambiental competente, de área localizada no interior de Parque Nacional ou Estadual, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva Biológica ou Estação Ecológica pendente de regularização fundiária, respeitados os critérios previstos no inciso III deste artigo.” (NR)
(2) http://www.conservation.org.br/noticias/noticia.php?id=160, capturado aos 11.04.2006
(3) Art. 6o Antes da realização das concessões florestais, as florestas públicas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais serão identificadas para a destinação, pelos órgãos competentes, por meio de:
I – criação de reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, observados os requisitos previstos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000;
II – concessão de uso, por meio de projetos de assentamento florestal, de desenvolvimento sustentável, agroextrativistas ou outros similares, nos termos do art. 189 da Constituição Federal e das diretrizes do Programa Nacional de Reforma Agrária;
III – outras formas previstas em lei.
§ 1o A destinação de que trata o caput deste artigo será feita de forma não onerosa para o beneficiário e efetuada em ato administrativo próprio, conforme previsto em legislação específica.
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