Reportagens

Aquecimento local

Cientistas entregam ao Ministério do Meio Ambiente relatórios que mapeiam mudanças climáticas no Brasil. É a primeira vez que aquecimento é quantificado por regiões.

Eric Macedo ·
27 de fevereiro de 2007 · 18 anos atrás

Se você mora no Sudeste do Brasil e acha que as noites estão cada vez mais quentes, seja verão ou inverno, você está certo. Se a sua intuição culpa o aquecimento global, os cientistas brasileiros garantem: ela não falhou. Nesta terça-feira, um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FDBS) e da USP entrega ao Ministério do Meio Ambiente o resultado de um estudo sobre as alterações climáticas que estão em curso no Brasil e as previsões para o século XXI.

Uma das constatações é que dias e noites quentes têm sido mais comuns ao longo das últimas décadas, enquanto dias e noites frios têm diminuído. No Sudeste especificamente, o número de noites abafadas aumentou de 5% para 35% entre a década de 1950 e a virada do século. “Isso reafirma que o aquecimento global está em curso”, diz José Antonio Marengo, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Inpe e um dos autores do estudo.

Segundo ele, essa é a primeira vez que se calcula os efeitos das mudanças climáticas para as diferentes regiões brasileiras. “Esse tipo de dado é fundamental para traçar qualquer imagem do Brasil no futuro. Serve para diferentes tipos de projeção. Querendo-se desenhar mapas para dengue ou malária, por exemplo, será preciso levar em conta também as mudanças do clima”, diz. O estudo é composto por seis relatórios que começaram a ser elaborados em 2004.

Vai esquentar

Utilizando modelos matemáticos, os pesquisadores projetaram aumentos de temperatura até o fim deste século por região, levando em conta dois cenários propostos nos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas). No cenário B2, em que o mundo arregaça as mangas para combater o problema agora, a região Norte aquecerá de 3 a 5 graus Celsius, a Centro-Oeste de 2º C a 4º C, a Sudeste de 2º C a 3º C e Nordeste e Sul de 1º C a 3º C. O cenário A2, mais pessimista, prevê um aumento ainda maior das emissões carbônicas nas próximas décadas. Nele há aumento de 4º C a 8° C na região Norte, 3°C a 6°C nas regiões Sudeste e Centro-Oeste e 2°C a 4°C nas regiões Sul e Nordeste.

Com a elevação das temperaturas, os biomas brasileiros perderiam biodiversidade. Na Amazônia, o nível dos rios deve diminuir – no cenário mais crítico, haverá redução entre 15% e 20% no volume de chuvas da região. E uma Amazônia menos úmida, dizem os cientistas, pode resultar em secas também no Sul e Sudeste, afetando a geração de energia elétrica, entre outras coisas. No Sul, entretanto, a tendência é que o clima se torne mais chuvoso, ainda que a região sofra ocasionalmente com fortes secas.

Dados colhidos pelos pesquisadores entre os anos de 1961 e 2000 mostram também que há uma tendência de chuvas mais intensas em boa parte do Sudeste da América do Sul. Os episódios de chuva forte têm ocorrido com mais freqüência, principalmente, ao que se sabe até o momento, nos estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Para o futuro, o que os cientistas sabem é que mesmo que não haja mudança radical na sua distribuição ao longo do ano, as chuvas isoladas serão mais violentas.

Quanto às dificuldades que as mudanças podem causar à agricultura, por exemplo, os pesquisadores dizem que ainda não há muita informação disponível. Poucos estudos foram feitos nesse campo até agora. No entanto, eles citam um estudo anterior, de 2001, que mostra uma redução drástica da área apta a ser cultivada com café no estado de São Paulo. Hoje é possível o cultivo de café em 39,4% do estado. Com 5,8°C a mais na temperatura e 15% mais de chuvas (o cenário mais crítico do IPCC), a área apta passa a ser apenas 1,1% do estado.

Vulnerabilidade

Segundo os pesquisadores, o Nordeste é a região brasileira mais vulnerável ao aquecimento. Uma das projeções, levando em conta o cenário mais crítico e o modelo mais rigoroso, aponta para a desertificação do semi-árido nordestino até o fim do século. A curta estação chuvosa presente hoje pode desaparecer. Se o problema se confirmar, será impossível praticar agricultura na região sem o uso de irrigação e o acesso à água será muito dificultado. Com isso, uma legião de “refugiados do clima” deve migrar para cidades próximas ou outras regiões.

Isso não é tudo. Um dos temores dos pesquisadores é que, com o aumento da concentração de gases do efeito estufa, as florestas tropicais tenham sua capacidade de absorção de carbono reduzida com o tempo. A partir daí, elas podem deixar de funcionar como eliminadores de carbono – pelo contrário, passariam a liberá-lo para a atmosfera. No pior dos cenários, a Amazônia vira cerrado até 2100.

O sumário executivo entregue a ministra Marina Silva deixa claro que não é possível impedir as alterações climáticas que estão a caminho, elas podem no máximo ser atenuadas. O que se deve fazer, na opinião dos cientistas, é tomar medidas para preparar o país para amortecer os impactos irreversíveis. Num ambiente mais quente, os insetos que transmitem malária, dengue e febre amarela têm condições mais fáceis de reprodução. Doenças transmissíveis pela água, como cólera, também se tornarão mais comuns uma vez que o acesso ao mineral deverá se tornar mais escasso, principalmente no Nordeste. Segundo relatório divulgado pela Agência Nacional de Águas no ano passado, mais de 70% das cidades com população acima de 5 mil habitantes do semi-árido nordestino enfrentarão crise no abastecimento de água para consumo humano até 2025.

No último século, a temperatura média no Brasil aumentou cerca de 0,75º Celsius enquanto o nível do mar subiu cerca de 40cm em cem anos. Uma nova elevação desse porte equivaleria a perder 100 metros de praia no Norte e no Nordeste. O Rio de Janeiro, uma das cidades brasileiras mais vulneráveis às mudanças do clima, poderia acabar com seus famosos calçadões submersos. Portanto, o Brasil, que amarga a quarta posição entre os países que mais contribuem para o efeito estufa graças a desmates e queimadas, deve acordar para os problemas que começarão a ferver na agenda nacional.

Leia também

Colunas
13 de dezembro de 2024

A divulgação é o remédio

Na década de 1940, a farmacêutica Roche editou as Coleções Artísticas Roche, 210 prospectos com gravuras e textos de divulgação científica que acompanhavam os informes publicitários da marca

Reportagens
13 de dezembro de 2024

Entrevista: ‘É do interesse da China apoiar os planos ambientais do Brasil’

Brasil pode ampliar a cooperação com a China para impulsionar sustentabilidade na diplomacia global, afirma Maiara Folly, da Plataforma CIPÓ

Salada Verde
13 de dezembro de 2024

Área de infraestrutura quer em janeiro a licença para explodir Pedral do Lourenço 

Indígenas, quilombolas, ribeirinhos, peixes endêmicos e ameaçados de extinção serão afetadas pela obra, ligada à hidrovia exportadora

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.