Reportagens

O fim da precaução

O plantio de transgênicos, inclusive no entorno de áreas preservadas, se tornou mais fácil com lei sancionada por Lula. Faltam estudos sobre impactos nos biomas brasileiros.

Gustavo Faleiros ·
22 de março de 2007 · 18 anos atrás

A regulamentação do plantio comercial de espécies transgênicas acaba de passar por uma nova reviravolta. Nesta quarta-feira, o presidente Lula sancionou a Medida Provisória (MP 327) que altera a Lei de Biossegurança (11.105/95) , reduzindo o número de votos necessários no plenário da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para a aprovação comercial de transgênicos. A decisão ocorre no momento em que pesquisadores debatem fervorosamente quais os riscos da liberação do plantio de milho transgênico em solo brasileiro.

A discussão acalorada em torno do milho se deve ao temor de que, por ser uma espécie originária do continente americano, o grão possa representar alterações mais profundas na biodiversidade brasileira do que a soja, que não possui parentes silvestres. Membros da CTNBio contrários à liberação comercial de variedades de milho transgênico, como o Liberty Link da Bayer, sustentam em seus pareceres que não existem estudos de impactos de plantações em larga escala sobre os ecossistemas nacionais.

O representante do Ministério do Meio Ambiente (MMA) na CTNBio, Rubens Nodari, critica em sua análise o fato da Bayer usar estudos feitos em campos de prova na Inglaterra e nos Estados Unidos para embasar argumentos de segurança ambiental. No processo da empresa, aponta Nodari, não há qualquer medida para criar faixas de isolamento que impeçam a dispersão de pólen que poderia causar a contaminação genética de espécies crioulas de milho. O princípio da precaução, adotado no Protocolo de Cartagena e ratificado pelo Brasil não é respeitado, diz o parecer.

Além de facilitar a aprovação comercial de transgênicos com a redução do quórum da CTNBio, a lei sancionada por Lula liberou o plantio de soja geneticamente modificada em zonas de amortecimento de unidades de conservação e também nas áreas de proteção ambiental (APAs). No caso de espécies com parentes silvestres, como o milho e o algodão, o plantio no entorno das unidades de conservação só será aceito com estudos de impacto ambiental. Este ponto foi apoiado pelo MMA, pois até então não havia regulamentação para transgênicos nas proximidades de áreas conservadas. Contudo, a avaliação de organizações não-governamentais (ONGs) é de que a nova norma aumenta o risco de plantações transgênicas sobre regiões preservadas no país. “Atividades com grande impacto e uso de agrotóxicos serão atraídas para o entorno das unidades de conservação”, pondera Gabriela Vuolo, do Greenpeace.

Apesar de apoiar a regulamentação para as áreas protegidas, o MMA havia proposto a Lula o veto no artigo da MP 327 que diminui o quórum da CTNBio. Como não foi atendido, o ministério acumula mais uma derrota no debate da biossegurança. Em 2005 havia proposto que a liberação comercial de transgênicos fosse feita apenas com estudos de impacto ambiental. A idéia foi rejeitada no Congresso, mas ficou estabelecido que seria preciso dois terços dos 27 membros da CTNBio para aprovar os plantios de larga escala. Agora, Lula acabou por acatar emendas do Congresso que facilitam a liberação comercial ao exigerem maioria absoluta, 14 votos, no plenário da comissão.

Os próximos rounds

Durante a audiência pública, realizada esta semana em Brasília, para discutir a liberação do milho transgênico, as empresas Bayer e Syngenta, apresentaram pesquisas que sustentam que, ao contrário das críticas, o impacto de seus produtos sobre o meio ambiente é positivo. O Liberty Link da Bayer é uma espécie que resiste ao herbecida glufosinato e o argumento da empresa é de que é possível usar menor teor de tóxicos no milho graças à introdução do gene PAT no DNA da espécie.

A Syngenta, por sua vez, sustenta que o milho BT, que resiste a pragas através da proteína Cry presente na bactéria Bacillus thuringiensis, também reduz a aplicação de defensivos agrícolas. O BT, garante a empresa, só age no intestino do inseto-praga (leptópteras), sem dano a outros indíviduos da fauna. “A melhor prova de que é uma tecnologia segura é que ela está sendo usada há dez anos na Europa”, diz o pesquisador da Syngenta Gloverson Mouro.

Entretanto, alguns técnicos da CTNBio e representantes de ONGs cobram das empresas estudos que provem que no longo prazo as pragas e plantas daninhas não se tornarão resistentes aos defensivos. No Brasil, por exemplo, ainda não há qualquer avaliação sobre a aplicação de herbicidas na lavoura de soja transgênica para garantir que houve realmente uma queda no uso. A instituição Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) tem usado dados de pesquisas feitas nos Estados Unidos e Argentina que mostram que após quatro anos de aplicação, os herbicidas menos tóxicos deixam de surtir efeito e maiores quantidades voltam a ser aplicadas.

Com a flexibilização do quórum da CTNBio, esperava-se que nesta quinta-feira já fosse aprovado o plantio comercial do milho transgênico da Bayer, o Liberty Link. A sessão da comissão no entanto foi cancelada depois de uma discussão entre conselheiros e integrantes do Greenpeace. Além do pedido de liberação da Bayer, o milho transgênico da Monsanto é o próximo na lista de deliberações na CTNBio.

Na opinião do pesquisador Gabriel Fernandes, da AS-PTA, a decisão do governo confirmou que a pauta do agronegócio brasileiro superou o debate sobre impactos dos transgênicos no meio ambiente e na saúde humana. Segundo ele, a secretaria-executiva da CTNBio criou um “factóide político” ao dizer que não conseguia aprovar nada em plenário, afinal, em 2006, ela mesma programou apenas uma reunião para deliberar sobre autorização comercial.

O produtor de soja transgênica e membro da Associação Brasileira de Produtores de Sementes e Mudas (Abrasem), Almir Rebelo, julgou a decisão de Lula “coerente”. “É um grande passo na consolidação do Brasil como grande produtor mundial de alimentos”, comemorou.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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