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Na contramão do mundo

O Brasil recebe cada vez menos recursos externos para proteger a natureza nacional, que tem valor mundial. Ninguém reclama e a turma do Itamaraty não se mete.

6 de fevereiro de 2007 · 18 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

Enquanto todos assistem estarrecidos ao resultado do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que deflagra os efeitos do aquecimento global provocado pela irresponsabilidade dos modelos de desenvolvimento moderno, o Brasil se faz de surdo e mudo, insistindo em defender crescimento econômico a qualquer custo. Não parece perceber que conquistará posição soberana se nossas riquezas naturais forem mais bem protegidas e se buscar um desenvolvimento sustentável efetivo.

Na verdade, o Brasil segue os trilhos de um desenvolvimento impensado cuja origem vem de tempos remotos. Aceita-se sem muitos questionamentos a premissa da importância do crescimento econômico como o fator mais relevante de uma nação. O objetivo é atingir crescimento de muitos por cento ao ano, e há uma incansável comparação entre os índices alcançados por cada nação, sem que se faça a ligação, cada vez mais óbvia, entre crescimento insustentável e impactos ambientais, que incluem aquecimento global e afetam a integridade do planeta.

O importante, neste momento, é que em meio à deflagração do abismo das mudanças climáticas globais, o Brasil tem a chance de dar uma virada e aproveitar a situação para exigir apoio à conservação das nossas florestas, que, no final das contas, ajudam a manter o equilíbrio planetário. Trata-se de uma oportunidade imperdível que deveria ser colocada nas equações como prioridade na formulação do plano de aceleração do crescimento, conciliando as questões ambientais e econômicas nacionais às internacionais. Estamos em um momento ímpar, no qual o Brasil tem condições de se impor e exigir apoio internacional para a conservação das florestas que ainda compõem mais da metade do território nacional, e que mantêm mais de 20% da água doce do planeta, elemento que, sem dúvida, entrará na pauta da cobiça mundial nas próximas décadas.

Pode parecer pouco, mas um aquecimento de apenas 3º trará conseqüências graves para países localizados no litoral de vários continentes, muitos correndo o risco de desaparecerem. Os oceanos terão suas marés modificadas em função da mudança climática e por conta dos afluxos maiores de águas das calotas polares que agora se derretem. Enchentes, secas, furacões em locais onde nunca haviam ocorrido vão ser cada vez mais freqüentes, causando catástrofes de diversos níveis, além de perdas financeiras e mortes. As áreas agricultáveis do mundo podem sofrer avarias irreparáveis, deixando muitos sem alimentos. Os investimentos serão cada vez mais arriscados, assim como os resultados dos esforços para se sanar os imprevistos.

A hora é de um esforço conjunto. Todavia, os governos parecem adormecidos e não antenados para a gravidade da situação. No caso do Brasil, o País não protege devidamente seu patrimônio natural, sempre alocando verbas muito aquém das necessárias para cumprir os desafios que a questão demanda. O governo brasileiro também não se mostra interessado em obter cooperação externa para realizar a tarefa, e nem reclama quando há a redução de verbas internacionais para este fim. Esquecemos, inclusive, das responsabilidades assumidas por parte dos países desenvolvidos em 1992, quando anunciaram apoio à proteção das florestas tropicais. Os países ricos cortam o apoio à conservação no Brasil e aqui ninguém reclama.

Mesmo os esforços multilaterais no âmbito das Convenções da Organização das Nações Unidas não têm sido capazes de convencer os tomadores de decisão de sua importância. O melhor exemplo é o próprio Protocolo de Kyoto, documento sobre as mudanças climáticas, não ratificado pelos Estados Unidos e Austrália. Começam agora ameaças de sanções econômicas aos Estados Unidos por um país poderoso como a França. Quando isso acontecer pode ser que as coisas mudem e que mais atenção seja dada à redução das emissões de gases tóxicos. Enquanto essas medidas estiverem entre as nações ricas, os países em desenvolvimento podem não se sentir atingidos diretamente. Todavia, e se a moda pegar e as nações ricas resolverem restringir transações financeiras com países que, por omissão ou equívoco, estão destruindo seu patrimônio natural? O Brasil, que hoje, indubitavelmente, tem um papel de peso no equilíbrio do mundo no que diz respeito às suas florestas, pode ser o que mais sinta esse tipo de pressão. Será que precisamos passar por esse tipo de humilhação e receber um atestado de burrice por tamanha falta de visão quando tivemos a chance de agir na vanguarda dos acontecimentos ao invés de à deriva deles?

Estamos assistindo a uma redução drástica do apoio internacional alocado à área ambiental no Brasil. Por exemplo, o governo Norte Americano sempre destinou verbas a países menos abastados por meio da USAID (Agência de Cooperação Norte Americana). Mais de cinco milhões de dólares (US$ 5 milhões) por ano eram destinados a programas e projetos integrados de conservação da natureza e da melhoria de vida de comunidades locais por meio do desenvolvimento de alternativas sustentáveis de renda. Mas, a Secretária de Estado Norte Americana, Condoleezza Rice, indicou meses atrás, que o Brasil já não seria prioridade e ninguém reagiu. Resultado: as verbas para o Brasil estão em risco de extinção. Devem ter ido para outros destinos ou, quem sabe, para o Iraque, já que o Presidente Bush acaba de solicitar ao Congresso a liberação de mais de 250 bilhões de dólares para prosseguir com a guerra. Seja como for, a partir de 2008 os recursos da USAID podem ser um zero redondo se algo não for feito para reverter a situação.

O Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido (DFID), também reduziu os aportes que eram destinados ao Brasil. A quantia à área ambiental no Brasil já foi substancial, chegando a 12 milhões de libras até 2002 (£12 milhões), sendo que este foi um processo que durou 12 anos. Desde 2002, as prioridades mudaram e houve um corte significativo de apoio ao Brasil. Os programas aprovados foram completados até 2005, mas nenhum novo projeto foi aprovado. A Guerra do Iraque também passou a demandar mais verbas do Reino Unido, o que é uma lástima pois ao invés do apoio ser destinado à conservação do planeta passou a busca por soberania por petróleo, outra fonte de poluição para o mundo.

A União Européia, que ainda proporciona recursos substanciais em projetos bilaterais, leva muito tempo para repassar o apoio, por depender de uma série de trâmites complexos, que incluem vários órgãos governamentais do Brasil. A boa notícia é que o interesse existe em continuar a bancar conservação no Brasil, mas as dificuldades têm sido de falta de interesse por parte do governo brasileiro e falta de projetos concretos apresentados. Muitos que passam pelos primeiros estágios ficam presos na burocracia estatal.

Já o Banco Mundial, responsável por gerir os aportes do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais (US$ 250 milhões), cuja fonte advém dos países mais ricos do mundo, está agora em marcha lenta. As perspectivas de renovação não são firmes e os recursos destinados à conservação no Brasil estão cada vez mais sendo reduzidos. Enquanto no passado a prioridade era conservação, hoje se fala em rodovias e hidroelétricas para a Amazônia, tendência apoiada pelo governo brasileiro que tem, no mínimo, visão de curto prazo.

Tudo isso está acontecendo sem que nossos governantes se manifestem devidamente. Parece haver um senso de orgulho, como se o Brasil não precisasse de ajuda, como se fosse auto-suficiente. Seja por orgulho ou por descaso, precisamos tomar medidas urgentes para reverter esta situação.

Se o aquecimento global ameaça o planeta, todo o esforço dos países bem informados deveria se direcionar à manutenção dos focos que propiciam equilíbrio. Recursos internacionais investidos no Brasil precisam ser aumentados e não diminuídos para demonstrar um empenho conjunto no sentido de se manter a integridade planetária.

A esperança é que tanto o governo brasileiro quanto os países ricos e os responsáveis pelos programas de apoios bilaterais percebam a importância de se proteger as áreas naturais do mundo. E o Brasil, é claro, é uma prioridade. No caso Norte Americano, contudo, a esperança pode estar na visita do Secretário do Departamento de Estado Americano, Senhor Nicholas Burns – vice da Secretária Rice, que estará no Brasil na 5ª feira dia 8 de fevereiro. Esperamos que, como fruto das conversas diplomáticas, lhe seja dada a oportunidade de refletir sobre o papel do Brasil nas mudanças climáticas, os desafios globais que enfrentamos em nosso território, e o papel que empresas norte-americanas ainda desempenham no desequilíbrio ambiental do planeta. O mínimo que poderíamos esperar seria uma compensação, quem sabe não apenas mantendo o apoio da USAID do passado, mas aumentando-o substancialmente para que nossas florestas continuem a cumprir seu papel de esteio no equilíbrio planetário. Oxalá, a visita do Sr. Burns possa reverter o que seria uma enorme perda e, assim, reparar o possível engano que levaria ao término da presença da USAID no Brasil. Vale lembrar que vários de nossos programas ambientais em parceira com governo, sociedade civil e empresas têm se concretizado por conta dos aportes oriundos da USAID.

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