Desde a primeira vez em que, do alto da minha inexperiência jornalística, decidi aceitar o desafio de escrever uma coluna semanal aqui em O Eco, uma frase, que já não me recordo por quem foi dita, não me sai da cabeça: notícia atrai notícia. Na ocasião, era uma espécie de consolo diante do meu medo de não conseguir encontrar assunto sobre o qual escrever toda semana, significando que na medida em que eu fosse escrevendo, novos assuntos surgiriam naturalmente. Não é bem assim – pelo menos nem sempre – mas ultimamente o prenúncio tem sido cumprido à risca. Desde que fiz a primeira coluna sobre o problema da extração de rochas ornamentais das montanhas do Espírito Santo, a cada semana chega uma nova notícia ou denúncia relacionada ao assunto.
Esta semana, as denúncias vieram de longe. Mais precisamente de Aragon, região ao norte da Espanha, vizinha da Catalunha, e do Valle del Huasco, norte do Chile. Lá também a beleza das montanhas e os recursos naturais que elas abrigam andam ameaçados por ambiciosos e controvertidos projetos de exploração.
Ladeira abaixo
Em Aragon a polêmica gira em torno de um projeto levado adiante por uma companhia chamada Aramon, integrada pelo governo local e pelo banco Ibercaja, que pretende ampliar as estações de esqui da região – que abriga uma generosa porção dos Pirineus – e construir outras novas estâncias, incluindo suas respectivas estradas de acesso, hotéis e centros urbanos.
Preocupados com o impacto dos empreendimentos, alguns membros da comunidade local apontam diversas falhas em seu planejamento e em sua execução. A começar, segundo eles, pela falta de um estudos prévios para analisar a relação custo/benefício das obras que demonstrem ser o esqui, realmente, a melhor opção para a região. Além disso, supostamente não teriam sido cumpridos alguns trâmites legais obrigatórios, impedindo-se a plena apreciação pública dos projetos, o que pode paralisar o andamento das obras.
Esse grupo, chamado Plataforma en Defensa de las Montañas – ou Plataforma em Defesa das Montanhas – alega estar lutando para que os planos da Aramon não caminhem mais até que a questão seja debatida publicamente, e que se analisem todas as possibilidades de exploração econômica do local. Para isso, redigiram um manifesto no qual já constam 30.000 assinaturas de habitantes da região – de um total de pouco mais de 1 milhão. No texto, o grupo afirma que com o aquecimento global – que tende a diminuir a quantidade global de neve – e diante dos impactos que as estações de esqui trouxeram para os lugares onde a atividade é uma febre, a exploração do esporte está longe de ser uma alternativa de desenvolvimento sustentável.
Com esses argumentos em mãos, o grupo entrou com um pedido junto às Cortes de Aragon para a apreciação de uma proposta legislativa que tornaria obrigatórios a realização de um debate aberto e a uma fase de estudos mais ampla em casos como este. No último dia 16, no entanto, as Cortes se recusaram a sequer apreciar a proposta do grupo.
O grupo considerou uma ofensa que uma decisão tão importante tenha sido tomada tão rapidamente – as Cortes levaram apenas 15 minutos para decidir não apreciar a proposta de lei –, ainda mais quando trata-se de uma iniciativa que conta com o respaldo de 30 mil habitantes. Apesar disso, em alguns lugares as obras já começaram, como no vale de Espelunciecha, até então intacto, onde foram construídos edifícios, um estacionamento para 2 mil carros e diversos teleféricos.
Juan Carlos Cirera, o encarregado de apresentar a proposta às Cortes, afirmou que “o Governo de Aragon aderiu aos interesses imobiliários, condenando as montanhas de Aragon”.
Quem já viu esse tipo de comportamento antes levante a mão.
A geleira para Eldorado
Em outro caso em que a preservação ambiental e a exploração mineral têm entrado em conflito, os habitantes do Valle del Huasco, no Chile, têm protestado contra um projeto da gigante canadense Barrick Gold de extrair das montanhas da região, através de uma mina a céu aberto, mais de 480 toneladas de ouro e 18 mil toneladas de prata. O problema é que o empreendimento, chamado Pascua-Lama, para atingir seu objetivo, terá que remover 20 hectares de gelo de três geleiras da região (Toro I e II e Esperanza), com um volume entre 300 mil e 800 mil metros cúbicos. Essas três geleiras são a fonte da água utilizada por 70 mil pequenos agricultores para irrigar suas plantações.
Enquanto a Barrick Gold afirma que serão removidos não mais do que 1% dos glaciares será removido, os impactos ambientais podem ser gigantescos, especialmente se considerarmos que essas reservas de gelo já se encontram em processo de regressão, graças ao aquecimento global, e que a extração de ouro gera 79 toneladas de dejetos para cada 28 gramas de ouro extraídas – além de serem responsáveis por 96% das emissões globais de arsênico. Além disso, a contaminação das águas pela mineração pode impedir que os agricultores da região vendam seus produtos no mercado internacional, que exigem o cumprimento de normas ambientais restritas.
Rebatendo as acusações, a Barrick investiu em propaganda, afirmando que o projeto geraria 5.500 empregos para a construção da mina e 1.600 para a sua operação. A empresa afirma, ainda, que a extração seria feita de maneira sustentável, citando como exemplo um de seus projetos no Quirguistão. Para Sara Larraín, diretora do Projeto Chile Sustentável, não é bem assim. Em entrevista para o jornal eletrônico Terramérica, ela declarou que a Barrick tende a improvisar soluções inviáveis para agradar às autoridades ambientais e que “nenhum especialista em geleira, nem centro científico, nem estudo reconhecido avalia a perigosa experiência feita pela Barrick na república do Quirguistão”.
A pressão pública, nesse caso, parece estar dando certo. O órgão ambiental regional (Comissão Regional do Meio Ambiente – Corema) exigiu que a Barrick apresente um novo projeto de extração que não envolva a remoção das geleiras.
Se dá para fazer direito, por que não?
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