Colunas

Segue a polêmica sobre os carecas

A indústria de importação de pneus usados quer tirar de circulação a cartilha ambiental que ensina ao povo o mau negócio que é receber, de braços abertos, o lixo alheio.

27 de setembro de 2006 · 18 anos atrás

A ABIP – Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados – e a BS Colway Pneus Ltda entraram com ação na justiça paranaense (processo nº 2006.70.00.016480-3, para quem quiser consultar os dados do processo no site da Justiça Federal do Paraná para tirar de circulação, e do ar, a cartilha editada pelo Ibama e pelo Ministério do Meio Ambiente que traz informações sobre os males e perigos trazidos para o país pelos pneus velhos importados. A justificativa seria a de que a cartilha contém dados errados sobre alguns números da indústria. Há até um pedido de liminar, para que a divulgação pare imediatamente, que foi indeferido pela Juíza Federal Pepita Durski Tramontini Mazini, substituta da Vara Ambiental, Agrária e Residual de Curitiba, sob o argumento de que o Poder Público possui a liberdade e a obrigação de divulgar informações relativas à proteção ambiental, “em atendimento aos princípios da publicidade e transparência dos atos administrativos e à eliminação de segredos públicos”.

A discussão é velha. Há muito tempo os países desenvolvidos tentam se livrar do seu passivo ambiental composto de pneus carecas e reformados. Segundo dados da própria cartilha do MMA, somente a União Européia gera anualmente 300 milhões de carcaças de pneus. No mundo todo, esse número chega a um bilhão de carcaças. Com o enrijecimento das normas ambientais, os países têm tido que inventar novas formas de se livrar desse problema que não as velhas alternativas de jogá-los em aterros sanitários ou incinerá-los em fábricas de cimento. A solução brilhante criada pelo primeiro mundo foi jogar o lixo para debaixo do tapete, ou seja, nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos.

A solução é porca. Para os exportadores, só serve como um paliativo, já que os problemas ambientais, por mais que pareçam momentaneamente localizados, tendem a ter efeitos globalizados no decorrer do tempo. Para quem recebe esse lixo, surge, imediatamente, uma miríade de problemas sem solução fácil. Apenas para citar um exemplo – que também consta da cartilha do MMA e do Ibama –, acredita-se que a dengue, que se pensava erradicada do Brasil desde 1973, quando se eliminou o último foco de aedes aegypti em Belém(PA), voltou com força total por causa de ovos do mosquito que vieram parar no país dentro de pneus velhos importados. Isso sem falar na dificuldade de disposição desses pneus. Em 2005, o Brasil importou 10,5 milhões de pneus usados que – ainda segundo o MMA –, se fossem dispostos em linha reta, iriam do Oiapoque ao Chuí e ainda entrariam um pouquinho no Uruguai.

O Uruguai, aliás, é um dos maiores responsáveis por toda essa confusão. Foi ele que, em 2002, entrou com uma ação no Tribunal Arbitral do Mercosul e conseguiu a derrubada da proibição brasileira de importação de pneus reformados produzidos em países pertencentes ao bloco. Reza a lenda que o Brasil, naquela ocasião, quis manter a proibição com base em argumentos puramente econômicos, sem trazer à discussão a questão ambiental. Se deu mal. Agora é obrigado a engolir um produto que, de tão ruim, nem o Uruguai quer.

Desde então, na velha filosofia de que onde passa boi, passa boiada, as empresas que arranjaram um jeito de ganhar dinheiro com essa idéia cretina de importar o lixo tóxico alheio têm conseguido importar pneus velhos e reformados de diversos países com base em liminares judiciais que, na maioria das vezes, acabam caindo por terra quando batem nas mãos de algum membro mais esclarecido do Judiciário.

Mas isso tudo, como já dito, é história antiga. O que há de novo é essa idéia de impedir o governo de informar a população sobre os problemas causados pela importação de pneus. Do meu ponto de vista – que compartilho com a Dra. Juíza que indeferiu a liminar na ação – a cartilha do MMA e do Ibama não apresenta qualquer irregularidade. Nem mesmo diante dos argumentos da indústria “borracheira”. Muito pelo contrário, me pareceu muito bem elaborada e clara – até mesmo para quem, como eu, andava meio alienado sobre a questão. A leitura, aliás, é recomendável e nada enfadonha e dá uma boa idéia da legislação que rege a matéria atualmente.

Se houver, de fato, alguma incorreção, que seja reparada pontualmente, mas não há qualquer justificativa para tirar o texto de circulação. Muito pelo contrário, ele deveria ser até mais divulgado. A população tem o direito de saber que tipo de porcaria tem sido forçada a permitir que joguem no seu quintal. Convenhamos que, antes de começar a importar lixo, o Brasil deveria dar conta do que produz aqui dentro e parar de jogar seus próprios pneus — e sofás, geladeiras, garrafas pet — no primeiro córrego ou terreno baldio que encontra pela frente. Só do rio Tietê — tudo bem, ele não é exatamente um bom exemplo — foram retirados 120 pneus na última dragagem (de novo a cartilha MMA/Ibama).

Leia também

Podcast
22 de novembro de 2024

Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina

A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar.

Manguezal na maré baixa na Ponta do Tubarão, em Macau (RN). Foto: Alex LN / Creative Commons
Salada Verde
22 de novembro de 2024

Supremo garante a proteção de manguezais no país todo

Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono

Reportagens
22 de novembro de 2024

A Floresta vista da favela

Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.