Até agora, sobrou para a chuva – que este ano parece ter vindo mais decidida do que o normal a passar as férias de verão no Brasil – a responsabilidade pela lama que vazou de Minas e veio parar no Rio. Acostumada a levar a culpa toda vez que há um desabamento ou uma enchente, ela sequer parece ter se incomodado, prolongando a sua estada por pelo menos mais uma semana. Deve estar se acostumando. Nem Noé, confinado por 40 anos no seu zoológico flutuante, maldisse tanto a chuva quanto nós fazemos hoje em dia. Muda e inimputável, ela tem se mostrado o bode expiatório perfeito.
Mas justiça seja feita, nem sempre ela é a responsável. Construções irregulares, malfeitas e em áreas de risco; excesso de impermeabilização do solo e bueiros entupidos costumam representar a nossa parcela de culpa no problema que tanto relutamos em assumir.
Dois dias depois do rompimento da barragem da Rio Pomba Cataguazes, os responsáveis pela empresa divulgaram uma nota à imprensa afirmando que a culpa pelo desastre era, pra variar, do excesso de chuvas que havia caído na região. Convenhamos que é a pior desculpa possível. Se tem uma coisa que uma represa precisa ser, até a borda, é a prova d’água.
A explicação mais plausível para o acidente veio logo no dia seguinte, quando a imprensa mineira divulgou a informação de que, das cerca de 5 mil barragens existentes no estado, apenas 616 são, ao menos em tese, regularmente fiscalizadas. Essas, que representam míseros 12% do total, são aquelas cadastradas pela FEAM – Fundação Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais. Nesse grupo, em tese, estaria incluída a barragem da Rio Pomba.
As outras quatro mil e tantas, que seriam de responsabilidade do IEF – Instituto Estadual de Florestas, não são sequer catalogadas. Ou seja, mais uma vez, esbarramos no velho problema da falta de fiscalização, porque lei dizendo o que deve ser feito é o que não falta nesse país.
Minas Gerais, por exemplo, tem uma lei só para estabelecer diretrizes para a verificação da segurança de barragens e depósitos de resíduos tóxicos industriais (Lei Estadual 15.056, de 31.3.04), uma das razões que levaram o seu Secretário de Meio Ambiente a afirmar que “Minas toma providências que nenhum outro Estado adota”. Na teoria, pode ser. Na prática, o Estado parece igualzinho aos demais. Ou pior. Nos últimos dois anos, as notícias de vazamentos tóxicos em Minas encheram, literalmente, as manchetes.
O problema, portanto, é, e sempre foi, o cumprimento da legislação ambiental. Essa questão é tão crônica no país que merecia um estudo aprofundado do nosso inconsciente legislativo histórico. É bem provável que se descubra que, lá no fundo, nossos parlamentares só foram capazes de criar uma legislação ambiental tão completa porque sabiam que ninguém seria obrigado a cumpri-la (e nós, aqui, comemorando cada derrota da bancada ruralista no Congresso).
Agora, lambança feita, é a hora das idéias e promessas. Segundo reportagem do jornal mineiro O Tempo, de 16 de janeiro, o Secretário de Meio Ambiente do Estado declarou que, a partir de agora os projetos de futuras barragens precisarão da participação do IGAM – Instituto Mineiro de Gestão das Águas. “Muitas barragens em Minas são construídas sem outorga do IGAM, que realiza um cadastramento dos usuários, por exemplo”, informou ele ao jornal. Ele também propõe que “todos os órgãos repensem o licenciamento ambiental dado às empresas que precisam construir uma barragem”.
Acho que o caminho não é por aí. O que evidentemente precisa ser revisto, em caráter de urgência, é como será feita a fiscalização dessas obras para que elas se tornem seguras. A própria Rio Pomba, pouco antes do acidente, havia feito um comunicado às autoridades informando que não havia qualquer risco com relação à barragem da empresa. E, ao que parece, essas autoridades simplesmente aceitaram isso como verdade, num sinal ou de conivência, ou de relaxamento.
Diante desse quadro, muito me preocupa os planos de Aécio Neves de comprar o terreno da Ingá Mercantil, com a sua gigantesca e problemática piscina tóxica, para fazer o tão-sonhado entreposto mineiro junto ao mar. Até mesmo porque, ali, botar a culpa na chuva cada vez que a sujeira transborda já é hábito antigo.
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