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O exemplo vem de baixo

Diante de Níger, um país pobre e desértico da África, o semiárido do Nordeste brasileiro parece um oásis. Mas é de lá, e não daqui, que vem uma grande notícia do front ambiental.

14 de fevereiro de 2007 · 18 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Esta teria tudo para ser uma boa história sobre o semiárido nordestino. Mas veio de Níger, país estatisticamente tão inviável que, lá, os jovens em idade de procurar emprego escapam clandestinamente para a Nigéria, como aqui se migra para os Estados Unidos. Níger tem 86% de analfabetos, elite nômade, um dos piores índices de desenvolvimento humano do planeta e dois terços de seu território enterrados nos areais do Saara. Mas foi ali que a repórter Lydia Polgreen colheu uma reportagem sobre os pequenos agricultores que, plantando árvores por conta própria, tiraram do deserto 300 quilômetros quadrados de terrenos condenados à esterilidade pela escassez de chuva e excesso de erosão.

Eles fizeram sozinhos, gastando pouco e realizando muito, o que a política africana dificilmente faria, transpondo rios de dinheiro desviados dos programas de ajuda internacional. Primeiro, perceberam há 20 anos que estavam fadados, pela imprevidência ambiental, a virar sem-terra. “Nós olhamos em volta, todas as árvores estavam distantes da aldeia”, lembra o lavrador Ibrahim Danjimo, citado pela jornalista.

Espécies estratégicas

No chão gasto e queimado, os ventos levavam embora o que ainda lhes restava de solo agricultável. As dunas ameaçavam engolir suas choupanas. Seus poços secavam. Em resumo, aquela nesga de área mais ou menos fértil chamada Sahel minguava a olhos vistos. Sintoma de desastre certo, num país onde 90% da população vivem do que extraem de 12% do território.

Foi assim que gente como Danjimo decidiu rearborizar o delta do rio Níger. Para isso, os agricultores abandonaram os métodos tradicionais e predatórios de plantio. Deixaram de limpar os campos antes de semeá-los. E aprenderam a desviar a lâmina do arado das mudas nativas que teimavam em brotar espontaneamente em suas propriedades, entre as colheitas. Sobretudo, plantaram espécies estratégicas para a recomposição do solo, como a Faidherbia albida, cujas raízes fixam melhor o nitrogênio e cujas folhas sempre estiveram na dieta de girafas e elefantes – logo, alimentam o gado.

De lá para cá, a população do Níger duplicou, embora ainda hoje, com menos de 14 milhões de habitantes, caiba com poucas sobras num programa social do tamanho do Bolsa-Família ou na conta dos nordestinos que o governo Lula promete atender pela transposição do rio São Francisco. Enquanto a pressão demográfica aumentava, “contrariando a sabedoria convencional de que o crescimento populacional leva à perda de árvores e acelera a degradação do solo”, segundo Polgreen, o delta do Níger está mais verde hoje do que na década de 70. Mesmo depois de enfrentar as estiagens devastadoras trazidas pela mudança climática na virada do milênio. Aliás, os pesquisadores constaram que a vegetação é mais densa nos lugares mais povoados.

“O Níger foi uma enorme surpresa para nós”, admitiu Chris Reij, um especialista em conservação do solo que visita regularmente o Sahel há mais de três décadas. Pudera. Ali havia agricultores habituados a arrancar tudo o que podiam do terreno, até esgotá-lo. E depois seguir em frente, à procura de novas terras para arruinar.

Eles mudaram. E estão ganhando com isso. O quê? Cerca de 300 dólares por ano, no caso de Ibrahim Idy, dono de vinte baobás no Dahiru. Ter árvores em Níger significa renda extra, pela venda de galhos secos para fogões, sementes, frutas e folhas. Tudo isso, somado, a médio prazo vale bem mais do que uma árvore inteira reduzida a lenha. Idy, por exemplo, empregou o lucro de seus baobás numa bomba hidráulica, para irrigar a horta. Seus vizinhos usam para isso os próprios filhos. Mas os filhos de Idy vão à escola.

Chão de pedra

Na aldeia de Dansaga, onde a rearborização também deu certo, o chefe Moussa Bara afirma que nenhuma criança morreu de desnutrição na fome que assolou o Níger em 2005. Atribui o milagre ao reforço dos orçamentos domésticos pelo comércio de lenha. Dito assim, parece fácil. Mas esta é a saga do trabalho duro. Em Tahoua, na borda do Saara, um movimento de viúvas recuperou 2,5 quilômetros quadrados de deserto, cavando buracos para incrustar estrume no chão duro como asfalto.

É pouco? Talvez seja mesmo insuficiente para enfrentar as secas que o futuro próximo está cozinhando para Níger. Mas essa notícia, publicada na segunda-feira passada pelo New York Times, foi um dos assuntos mais replicados por e-mails no site do jornal. O que é pelo menos uma prova de que o público reconhece uma autêntica novidade, quando ela fura a crosta do atraso ambiental.

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