A proposta tem a cara, e o espírito, de meia-dúzia de alemães, moradores de Neukölln, que resolveram investir na melhoria da qualidade de vida do bairro em meados dos anos 90. Um grupo formado por ativistas e ambientalistas, gente de esquerda que tentava trazer a política dos gabinetes para a realidade das ruas. Nem que para isso fosse preciso se meter na burocracia oficial.
Cafuné em carpa
Presidente da instituição Grün für Kinder (verde para as crianças, em alemão), que detém a concessão da área até 2010, Johannes explica que a prioridade é das crianças. E que tudo funciona com base numa rede de grupos: “Os usuários são os grandes responsáveis pela preservação do espaço”. Não são aceitas inscrições individuais.
O esquema de adesões é organizado pela Elele, associação de integração e apoio educacional a jovens imigrantes. Mesmo assim, os alemães ainda estão em maioria no ‘jardim’. “Não é um espelho do bairro, onde cerca de 30% são turcos”, admite Johannes.
Arquiteto paisagista, esse alemão de 48 anos é tão tarado pelo jardim que, na seca de abril deste ano, madrugava às cinco da manhã para regar planta por planta. Ele jura que na calmaria das manhãs também conseguia fazer carinho nas carpas que vivem no lago.
Johannes lamenta que o projeto não possa ser aberto para um número maior de pessoas. Mas diz que há outras formas de se promover a integração. Cita como exemplo projetos que vem sendo organizados pelo Kids’ Garden com artistas e jovens imigrantes do bairro. Entre eles, a pintura dos muros do jardim e a produção de mosaicos com motivos da natureza.
Segundo Johannes, não colocar brinquedos tradicionais no espaço foi uma escolha deliberada: “A brincadeira ali é descobrir a natureza, acompanhar a mudança das estações. As crianças jogam a semente e assistem à colheita, por exemplo. O objetivo é a educação ambiental”, lembra.
Para as crianças, o espaço – um corredor verde em meio a um paredão de prédios cinzentos – é realmente uma espécie de parque de diversões natural. Ali elas brincam e têm “aulas” entre flores e árvores frutíferas.
É tudo meio improvisado, porque falta dinheiro para pagar um professor que domine o tema. Mas, volta e meia, a performance dos educadores das creches sai melhor do que encomenda.
O comunismo era verde
O ‘jardim das crianças’ têm ainda pequenas plantações de tomate, cebola, pepino, abóbora, cenoura e abobrinha. Cada creche associada mantém um canteiro próprio. Os organizadores criaram também um composto para transformar lixo orgânico em adubo.
Com idades entre um e quatro anos, as crianças do Kinderladen Kreuzbören -creche de Kreuzberg, bairro vizinho a Neukölln – têm a sorte de contar com Annett Onisseit, uma educadora que entende tudo de jardins e hortas.
Annett, de 44 anos, freqüenta o Kidsgarden há exatos dez anos e tem se saído uma bela professora de meio ambiente. Nascida em Weimar, a educadora cresceu na ex-Alemanha Oriental. “A gente não aprendia inglês, mas aprendia tudo sobre plantas e flores”, diz Annett, que distingue com facilidade as diversas ervas e temperos.
Com uma folhinha de menta na mão, ela estimula as crianças alemãs e turcas da creche a cheirar a plantinha. “Não parece chicletes?”, pergunta. “Sim!!!”, gritam as crianças. Pronto, está criada a intimidade com a natureza.
Neste jardim também sensorial, há muito para ser provado, como folhas de estragão ou capim limão. “Isso aqui é perfeito. Não temos problemas como pontas de cigarros, cacos de vidro, cocô de cachorro ou seringas deixadas por drogados”, diz Annett, enumerando as principais pragas encontradas em parques públicos das redondezas.
A também educadora, Ulrike Gädke, de 20 anos, parceira de Annett na creche, acha fundamental um lugar assim: “Aqui elas podem conviver com a natureza e aprender muito sem sair da cidade”.
Muro baixo
“Nas ruas, os pais ficam o tempo todo dizendo ‘não toque nisso’, ‘não mexa naquilo’. Aqui elas ficam soltas e podem brincar com materiais e aprender o seu valor”, diz o alemão. “Onde mais elas poderiam fazer uma fogueira e descobrir que as cinzas servem para adubar a terra?”, indaga.
A cientista social Tina Kleiber, de 40 anos, mãe de Ricardo, de 3, concorda. Para Tina, o importante ali é permitir que o filho descubra por si mesmo a importância e o prazer de estar na natureza.
Ambientalista, ela também é contra a abertura geral do jardim. “Seria o fim do lugar”, decreta. Para a cientista social, a carência de espaço verde no bairro estimularia uma ‘invasão’ de pessoas sem o devido respeito pelo lugar.
Um dos “grandes problemas” do jardim, segundo Johannes, é a invasão de adolescentes que entram para roubar frutas. Mas ele se recusa a ampliar a proteção do espaço – já fechado por portões nas duas extremidades.
“Acho bom ter um muro baixo. Assim todo mundo sabe que aqui não tem nada de valor. Aliás, de valor tem só o verde, o silêncio, as flores. Mas isso ninguém pode roubar”, diz Johannes, antes de se despedir debaixo de chuva, com o filho de quatro anos pendurado no cangote. “Adoro esses temporais de Berlim. Me sinto como num barco, no Mar Báltico, onde cresci”.
* Cristiane Ramalho é jornalista free-lancer em Berlim
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