Análises

Fogo: tolerância zero

Governo Lula não se preparou para lidar com incêndios. Falta de fiscalização, incentivos à queima e efeito Aldo Rebelo provocaram tragédias no Cerrado e na Amazônia.

Vitória Da Riva Carvalho ·
27 de setembro de 2010 · 15 anos atrás
Queimada no norte de Mato Grosso (foto: Rodrigo Falleiro/IBAMA)
Queimada no norte de Mato Grosso (foto: Rodrigo Falleiro/IBAMA)

O fogo que assola o sul da Amazônia e o Cerrado brasileiros representa o maior desastre ambiental jamais visto neste país. A Amazônia – a  maior floresta tropical contínua contida em um único país –  detem os mais altos índices de biodiversidade do mundo. E o Cerrado, a segunda maior vegetação brasileira, hoje reduzida à 20% e berço das maiores  bacias hidrográficas da América do Sul, está sofrendo o descaso dos governantes e da sociedade brasileira.

Só o estado de Mato Grosso teve um aumento de 840% no índice de queimadas se compararmos os dados de agosto de 2009 com agosto de 2010.

Enquanto isso, a propaganda eleitoral do governo Lula corre solta, pintando o progresso alcançado em seu governo de “cor de rosa” e de grandes feitos. Nenhuma providência de longo prazo e de efetivo alcance é tomada para fazer frente ao desastre do fogo.

As conseqüências que estamos assistindo compreendem o envenenamento por gases tóxicos, comprometendo a saúde de milhares de pessoas, que lotam os postos de saúde;  as mortes causadas por  acidentes com trabalhadores despreparados e patrões irresponsáveis; a paralisação da economia de cidades inteiras, como Marcelândia/MT e o conseqüente gasto governamental para a recuperação destas cidades; a  perda da fertilidade do solo, que mata os microorganismos, responsáveis pela fertilização.

A revolta dos cidadãos de bem que habitam o sul da  região amazônica e o Cerrado é simplesmente ignorada pelo governo deste país.

Alguns fatores explicam este desastre. Os órgãos governamentais continuam emitindo licença para a queimada depois da primeira chuva. Isso deveria ser terminantemente abolido, como o é em alguns estados brasileiros, pois esta atitude gera a idéia de que o fogo é aceito pelas autoridades, quando os governantes deveriam acabar com o uso do fogo e educar a população. Temos também o efeito Aldo Rebelo – o chamado “ruralista comunista” – que deseja criar um clima de lassidão das regras ambientais e de que no final se dará um “jeitinho” para as leis que eles desejam mudar.

Há ainda os que usam o fogo, criminoso ou com “licença” para limpeza de pastagens, de canaviais, assentamentos, derrubada de florestas, além de quintais domésticos. Os incendiários e ruralistas, inimigos dos parques e de áreas protegidas, que aproveitaram o ano eleitoral para descarregar toda a sua raiva contra as unidades de conservação, sejam elas federais, estaduais ou Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), com um simples acender de um fósforo. Para piorar, este tem sido o ano mais seco dos últimos tempos, já previsto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e para o qual o governo não se preparou, impedindo as contratações de brigadas,  por ser um ano eleitoral. Soma-se a tudo isso a ausência de polícia e fiscalização nos municípios; a ausência de brigada florestal. As unidades de Corpo de Bombeiro atendem somente as cidades, isto quando existem no interior do Brasil.

Vitória da Riva Carvalho (foto: Divulgação)
Vitória da Riva Carvalho (foto: Divulgação)

A utilidade das áreas de preservação permanentes (APPs), reservas legais das propriedades, nascentes e principalmente as unidades de conservação que protegem nascentes, rios, cerrados e florestas é simplesmente ignorada. Sem falar da fauna, e cuja existência permite a regularização do clima e outros serviços ambientais para que a produção agropecuária possa existir.

A crise ambiental que vivemos é em última instância, uma crise da educação. Nós falhamos, o governo falhou, a sociedade falhou, a escola falhou.

Nós preconizamos a única solução duradoura e possível, qual seja uma campanha massiva de alfabetização ecológica no rádio e na TV, a única mídia brasileira que alcança todas as camadas sociais. Além da campanha na TV, o aprimoramento de cursos intensivos, com todos os recursos multimídia, além de cartilhas e outras ferramentas pedagógicas envolvendo os sindicatos patronais, sindicato de trabalhadores, empresários do agronegócio, pecuaristas, assentados, donas de casa, além das escolas, pois é sabido que os filhos educam os pais.

Esta campanha de alfabetização ecológica precisa ser estendida para todos os nossos governantes, com exame e testes de aprovação,  pois eles têm o poder de mudança em todos os níveis, alcançando vereadores, prefeitos, deputados estaduais, federais, governadores, senadores, ministros de estado, presidente e vice-presidente da República, extensivos à Policia Federal, Exército Brasileiro e Corpo de Bombeiros florestal em todos os estados do Brasil, especialmente na região amazônica e no Cerrado brasileiros. É necessário promover a preparação de milhares de brigadistas para a emergência do fogo, ter a Polícia Federal atuante no interior do Brasil, em especial na região amazônica; transferir funcionários dos órgãos ambientais dos grandes centros, no conforto de escritórios com ar condicionado, para colaborar com a realidade do interior do Brasil.

Todas as camadas da população devem ser conhecedoras dos malefícios do fogo e de outros problemas ambientais advindos desta prática, a começar pelos donos do poder. Acredito que a crise relacionada ao fogo que vivemos é a maior que já existiu neste país e que vem contribuir para o desmatamento crescente de nossas florestas e de nossas riquezas.

  • Vitória Da Riva Carvalho

    Vitoria Da Riva Carvalho é empresária conservacionista, presidente da Fundação Ecológica Cristalino, administradora da RPPN C...

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