“Eu acho que você é meu companheiro de quarto”, disse Lucas Viano.
Sua voz era amigável e confiante. Mas assim que ele me disse que era da Argentina, lembranças desagradáveis inundaram minha mente. Eram lembranças de partidas de futebol perdidas, todas religiosamente assistidas na Nigéria, de onde eu venho.
Em Lucas, vi os rostos de grandes jogadores argentinos, incluindo o lendário Diego Armando Maradona e o inimitável Lionel Messi. Estes nomes fizeram os nigerianos perderem noites de sono, e chorarem sempre que a equipe nigeriana, conhecida como as Super Águias, enfrentou os argentinos na Copa do Mundo. A rivalidade de futebol entre a Nigéria e Argentina é tão feroz que às vezes beira a inimizade.
Entretanto, no Rio de Janeiro, onde a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável ocorreu, Lucas e eu colocamos a rivalidade de lado para nos concentrarmos nas questões do desenvolvimento sustentável. Cobrindo a conferência como jornalistas da bolsa Internews/O Eco, nós dividimos um quarto em um hotel no Centro do Rio. Isso implicou que tínhamos de nos entender para tornar a estadia agradável.
Nossa relação correu bem e acompanhamos e escrevemos sobre a Rio+20 no contexto de nossas próprias angústias. Embora, como jornalistas, devêssemos ser neutros e objetivos nas nossas matérias, éramos sobrepujados pelo sentimento de que a cúpula era sobre nós e nosso planeta. Como tal, seguimos as negociações com ceticismo e com a percepção de que os políticos não seriam capazes de acordar sobre “o futuro que precisamos”.
Nossos temores se confirmaram quando surgiu o documento final fraco e aguado. Era, porém, aquele que permitiu os negociadores baterem o martelo. Vimos como os representantes das mulheres, crianças e jovens, bem como os grupos da sociedade civil se opuseram ao documento. Estava ali o sentimento de que a diplomacia multilateral tornou-se o cemitério das grandes esperanças. Aceitando-se a argumentação que a delegação brasileira usou para angariar apoio ao texto, a conclusão é de que os políticos sentados na sala de negociação foram vítimas das expectativas do resto do mundo.
Lucas me contou, com medo nos olhos, sobre o problema duplo da poluição e do desmatamento urbano que a Argentina enfrenta. Através dele aprendi que, na Argentina, a última rodada de expansão da soja avançou sobre mais terras agricultáveis, e que há metas agressivas para continuar a expandir a área de cultivo em função da demanda de exportações para a China. Fui informado que esse movimento tem impactos extensos sobre o meio ambiente.
“O desmatamento no meu país é pior do que o desmatamento na Amazônia porque a Argentina é um país agrícola e, por isso, o desmatamento causa mais dano. Não vi nada sobre o assunto no texto da Rio +20”, disse ele.
Seus lamentos sobre o desmatamento ressaltam as semelhanças entre Argentina e Nigéria neste problema específico. Na Nigéria, mais de 70% da cobertura florestal desapareceu. Vazamentos de petróleo devastadores combinados a horrendos incêndios em poços de gás deixaram, especialmente no Delta do Níger, o meio ambiente em um estado lastimável. De novo, errei ao pensar que era só na Nigéria que maus políticos conspiraram para destruir o “futuro que queremos”.
“Os políticos do meu país, acredito, quase todos, não se preocupam com questões ambientais”, angustiou-se meu colega argentino. “Mas acredito que as pessoas na Argentina se importam com o meio ambiente. Ano após ano, a pressão dos argentinos está obrigando os políticos a tomarem decisões para proteger a natureza”, continuou.
Por outro lado, houve uma percepção de que um progresso fenomenal aconteceu fora das salas da travada negociação oficial. Mesmo os críticos mais ferozes das ONGs e de movimentos da sociedade civil conseguiram respirar um ar fresco e otimista. Eles lembraram que havia um consolo, a Rio +20 deveria ser vista como uma reunião de pessoas, onde, através de comunidades e empresas, um grande número de compromissos voluntários foi gerado. Eles serão monitorados para garantir que se realizem.
Também aos olhos de Lucas, a maior parte do que foi triunfo não teve nada a ver com as 49 páginas de intenções opacas do texto oficial.
“Nas reuniões paralelas, prefeitos das cidades [da Argentina] estão prometendo melhorar os sistemas de transporte para aumentar a eficiência no uso de energia, e também no tratamento de lixo… Tudo isso está acontecendo fora do conferência principal”. Ele disse que o setor privado e os governos de cidades e províncias estão mais interessados, estão mostrando mais vontade e coragem para lidar com os problemas que o planeta enfrenta.
Enquanto nos preparávamos para deixar a Rio+20, desejei o melhor ao Lucas e à Argentina na exploração dos caminhos para inventar o futuro que seu país precisa. Cheguei a esquecer de falar da vitória da Nigéria sobre a Argentina, em 1996, nas Olimpíadas de Atlanta. Rezei fervorosamente para que a humanidade reúna a coragem para superar os perigos enfrentados pelo planeta Terra.
A página (o)eco Rio+20
http://www.oeco.com.br/rio20
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