Estacionadas nas gavetas da Casa Civil, nove propostas de criação de reservas extrativistas (Resex) em diversos cantos do território nacional aguardam pela assinatura do Presidente da República. Entre elas, a Resex marinha de Cassurubá, situada entre os municípios de Caravelas e Nova Viçosa, na Bahia. Sua situação é crítica: chegou a ser anunciada há mais de três meses pelo governo federal, mas ainda não saiu do papel. A crise de áreas marinhas protegidas no país, infelizmente, não pára por aí. Em Arraial do Cabo (RJ), uma extensão do litoral que deveria ser bem fiscalizada sofre com a pesca predatória e a ocupação desordenada do solo.
De acordo com informações do site do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICBio), o Brasil possui apenas onze unidades de conservação em sua vasta porção do Oceano Atlântico. No total, cerca de 146 mil hectares são teoricamente protegidos da sobrepesca feita por grandes embarcações.
Nos últimos dois anos, nenhuma UC foi criada em águas nacionais. A expectativa é que este jejum acabe em Cassurubá. A história da reserva baiana começou há mais de uma década. Em 1997, pescadores e empresas de outras regiões começaram a explorar o amplo potencial econômico da Ilha de Cassurubá, localizada dentro do maior berçário de biodiversidade do Atlântico Sul – o Banco de Abrolhos. Ao perceber que os estoques de caranguejos começavam a diminuir, os pescadores do entorno pensaram em medidas para impedir a entrada de visitantes interessados em retirar espécies do vasto espaço composto por manguezais.
“O pleito formal para a criação da reserva foi feito em 2006. Foram realizadas três audiências públicas e houve muita polêmica, já que existia um grande projeto de carcinicultura que pretendia se instalar ali”, explica Guilherme Dutra, da ONG Conservação Internacional e que participou ativamente de todo o processo. O empreendimento em questão foi proposto pela Cooperativa de Criadores de Camarões de Extremo Sul da Bahia (COOPEX) em 2005 e se tornou uma ameaça à criação da unidade de conservação. Trata-se de um dos interesses comerciais que impediram, até agora, a publicação de decreto no Diário Oficial da União para legitimar a área de uso sustentável.
Os manguezais também sofrem com a sobrepesca e a utilização de redes de arrasto, o que impede o crescimento de muitas espécies que fazem do estuário o seu local de crescimento e reprodução. “Com a Resex, além de ordenar melhor o uso de recursos, pode-se coibir práticas que fazem mal ao ecossistema”, garante Dutra, que aproveita para lembrar sobre outro grande adversário da criação da unidade de conservação: o setor petroleiro. Os limites da reserva são vizinhos a blocos de exploração do óleo, o que gera grande pressão por parte do Ministério de Minas e Energia, como lembra o pesquisador da CI.
Confusão
Apesar das inúmeras discussões para encontrar um meio termo entre o território da Resex e a atuação das máquinas em busca do ouro negro, a solução já parece ter sido encontrada. De acordo com Dutra, apenas um bloco marinho teve a licença negada. Mesmo assim, a pressão para impedir que a área protegida de Cassurubá seja criada continua, já que a licença para as plataformas de petróleo no entorno só serão dadas com a anuência da unidade de conservação. “O problema é que este consentimento só pode ser feito uma vez que a reserva for criada. Mas não deve ter nenhum risco da resposta ser negativa, então não entendo essa preocupação”, diz Dutra.
Essa história, no entanto, não pára por aí. No último dia 21 de dezembro, o governo federal assinou um decreto que aumentava em 151.263 mil hectares o território destinado a unidades de conservação no Brasil. Dentro deles, estavam os 100.462 de Cassurubá. No mesmo dia, o Diário Oficial da União publicou a criação de todas as áreas, menos a da resex baiana. A reportagem de O Eco apurou que a matéria continua embargada dentro da Casa Civil em virtude das pressões exercidas pelo MME.
Mas não é o que diz a assessoria de imprensa da Secretaria-Geral da Presidência da República. De acordo com seu comunicado, o documento voltou “para o Ministério do Meio Ambiente para que este, juntamente com o Ibama, trabalhem na definição dos limites da Reserva e reapresentem a minuta de decreto para as devidas análises constitucional e técnica”. Há um pequeno porém: a comunicação da pasta de Marina Silva disse exatamente o contrário: “A matéria está na Casa Civil”. Pelo visto, o decreto assinado pelo mandatário do país criou asas e saiu voando do Palácio do Planalto sem ninguém notar.
Mas as suposições de que o assunto está mesmo nas mãos de Dilma Roussef e seus funcionários ganham força. “Nunca vi, na minha vida, terem nove Reservas Extrativistas paradas na Casa Civil. Elas estão lá há um ano. É uma surpresa para nós”, afirmou Alexandre Cordeiro, analista ambiental do Instituto Chico Mendes e um dos responsáveis por estudos de criação de reservas de uso sustentável.
Arraial do Cabo
Enquanto a Resex de Cassurubá continua no papel, em Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, uma área decretada há onze anos se tornou exemplo de descaso público. A Reserva Extrativista de nome homônimo ao município, criada em 1997, nunca foi regulamentada.. O local ainda não tem comitê gestor ou um planejamento de médio e longo prazo, como prevê a lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
Para tentar reverter este quadro, o Laboratório de Sistemas Avançados de Gestão da Produção (SAGE) da Coppe-UFRJ concebeu o projeto “Ressurgência”, numa tentativa de salvar a região dos muitos impactos que ainda sofre. “Há um problema sério da pesca predatória e outras atividades que prejudicam muito a reserva, como coletas de materiais inadequadas e turismo exacerbado. Ele ainda deve crescer mais e a perspectiva é de grande risco. Além disso, há um princípio de favelização na parte terrestre da reserva”, analisa Rogério Valle, coordenador-geral do SAGE.
O projeto, basicamente, pretende ajudar na formação de um modelo de co-gerenciamento dos recursos naturais da região, como orienta o SNUC. De acordo com Antônio Marcos, pesquisador do SAGE e idealizador do Ressurgência, houve invasão de espécies exóticas nos últimos anos trazida pela água de lastro dos grandes navios, já que o tráfego naval aumentou em virtude da plataforma de Campos. “Elas impactam toda a cadeia da vida marinha, pois estão na base da cadeia alimentar, como microalgas, microorganismos e etc. Gera uma alteração da biodiversidade”, diz.
Para alcançar seus objetivos, que em última análise são fazer funcionar pela primeira vez uma unidade criada há mais de dez anos, o Laboratório criou três fases. A primeira prevê um plano estratégico e estudo exploratório socioambiental da região, enquanto a segunda deve elaborar um programa de educação ecológica e outro de capacitação de profissionais no tema. Por último, a idéia é alcançar o equilíbrio da natureza do local.
No caso de áreas protegidas marinhas, o governo federal, em especial a Casa Civil de Dilma Rousseff, não se mexe para nenhum dos lados: não estabelece novas áreas e nem cuida das já existentes. Nosso mar está caótico.
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