Duas semanas depois que a comunidade espeleológica ficou sabendo da manobra da Casa Civil para preparar um decreto que, na prática, desprotege quase 80% das cavernas brasileiras, o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc finalmente deu alguma satisfação à sociedade. Prometeu que, no ano que vem, se empenhará na criação de um plano nacional para proteção das cavernas. Mas trocar um decreto que, desde 1990, não permite impactos aos frágeis ecossistemas subterrâneos por mais uma promessa tirada no improviso está sendo interpretado como um atestado de culpa do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Durante o período em que a notícia circulou, um manifesto contra o decreto defendido por Minc foi assinado por mais de 1.400 pessoas. Também foram feitos pedidos de audiência pública para discutir, de uma vez por todas, esse assunto com a sociedade, além de uma moção de repúdio elaborada pela Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), com apoio de mais de 120 institutições. O documento foi encaminhado hoje aos altos escalões do governo. Sem falar nas ações, que estão sendo abertas no Ministério Público.
Se num primeiro momento os espeleólogos achavam que a proposta de decreto tinha sido obra exclusiva do Ministério de Minas e Energia (MME), agora sabem que ela foi elaborada pela própria cúpula do MMA, sem qualquer avaliação de sua equipe técnica ou do Centro Nacional de Estudos, Proteção e Manejo de Cavernas (Cecav/ICMBio). E que a área responsável por mineração do MME havia concordado que as cavernas de relevância média deviam continuar tendo algum tipo de proteção.
Nos cerca de dois anos de negociações entre técnicos dos dois ministérios, a área ambiental do governo chegou a convencer o MME sobre um mecanismo de compensação mais amigável para o patrimônio espeleológico em caso de impacto. Ambos aceitaram a idéia de que, uma vez danificada alguma caverna por empreendimento devidamente licenciado, outra de importância equivalente precisaria ganhar proteção especial. O decreto defendido publicamente pelo ministro Minc, ainda em tramitação na Casa Civil, prevê que a compensação financeira é suficiente nos casos de supressão das cavernas. Ou seja, a opção do MMA foi abandonar a lógica da destruição pela conservação e trabalhar apenas com a do “poluidor-pagador”.
Nesta quinta (30), enquanto Minc recebia ambientalistas que lidam com Mata Atlântica e áreas costeiras, se disse injustiçado diante de todas as críticas que a comunidade espeleológica fez à minuta do novo decreto, que ele considera o instrumento de regulamentação do uso das cavernas. Enquanto isso, há 16 anos não é aprovada no Congresso um projeto de lei discutido e acatado pela sociedade civil para justamente regulamentar o manejo das grutas, de autoria do então deputado Fabio Feldman, com relatoria da senadora Marina Silva.
O ministro também não respondeu tecnicamente nenhum questionamento feito até então e nem abriu espaço para discussão, coisa que há anos os grupos espeleológicos e os acadêmicos têm pedido. Minc chegou a afirmar que “a atual legislação, sob a qual não pode nada, acaba por permitir tudo” e enfureceu os espeleólogos. “Como ministro, ele devia ter vergonha de dizer isso. Como responsável pela fiscalização ambiental, ele está assumindo suas próprias falhas”, considera Marcelo Rasteiro, da SBE.
De acordo com nota distribuída pelo Ministério do Meio Ambiente na manhã desta sexta (31), Carlos Minc disse que sobre esta questão não haverá mais atrasos e que “a resposta do governo para dar agilidade ao processo foi optar por editar um decreto regulamentando a exploração de cavernas”. E ponto final. Apesar da intransigência, representantes da área espeleológica, que até antes dessa confusão nutriam alguma confiança sobre a conduta do ministro, ainda não perderam a esperança de serem recebidos pelo governo antes que o decreto seja sancionado.
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