Ainda somos perguntados por que trabalhamos para salvar animais ameaçados de extinção com tanta gente passando fome. A escolha de se dedicar à proteção da natureza é digna de crítica por pesquisadores da área social, que insistem em priorizar a humanidade em face à natureza, como se não fôssemos parte do mundo natural, e como se a sociedade não dependesse do equilíbrio ambiental. É verdade que a espécie humana parece ter se esquecido de sua essência natural e que se colocou como superior às demais, sentindo-se no direito de usar e abusar dos recursos. Hoje, a decisão de quem vai ou não sobreviver ao longo do tempo está nas mãos de uma só espécie: a nossa.
O contrário é igualmente comum. Cientistas da natureza dificilmente aceitam que se lide com a sociedade. Conservação precisa ser ‘pura’, ou seja, deve se ater às espécies encontradas nos ecossistemas naturais. E muitos creem que o ser humano atrapalha e estraga e, por isso, deve ficar longe das áreas naturais. A questão é como tornar a natureza preciosa, e que vale a pena ser protegida?
A meu ver, a beleza está na inclusão e não na exclusão das escolhas, que sempre acabam prejudicando parte do que é vivo. Nem se ater às questões meramente sociais e nem às preservacionistas. Somos natureza e precisamos redescobrir o amor pela nossa essência e, assim, reaprendermos a respeitar e nos assombrar com a beleza dos sistemas que ajudam a provocar tanta complexidade e detalhes que fazem a vida possível.
A postura de superioridade do ser humano frente a outras espécies está ligada a interpretações errôneas. A ideia de que fomos feitos à imagem e semelhança de Deus deveria ser utilizada para elevarmos nossa responsabilidade e “maravilhamento” de tudo o que existe nesse planeta e no cosmos, de modo a nos sentirmos parte dessa teia da qual somos integrantes.
Pensadores como Bacon e Descartes levaram a premissa de termos o direito de utilizar a natureza ao nosso bel prazer ao extremo. Mas, de lá para cá, o que fizemos foi colocar as ideias deles e de muitos outros que seguiram essa linha de pensamento em prática, levando o planeta a evidentes formas de insustentabilidade. Há séculos que usamos a natureza de maneira impensada, e resistimos bastante à ideia incômoda, mas imprescindível, de que somos responsáveis pelas perdas que estamos vivenciando. Se nos deparamos com falta de água é por que desmatamos e tratamos indevidamente as nascentes e os mananciais. Se estamos vivendo uma época de doenças, fomos nós que envenenamos os alimentos com produtos tóxicos e nocivos à saúde. Se os recursos estão acabando é por termos os utilizado de modo irresponsável. O fato é que o planeta é finito (ou os recursos que usamos) e o tratamos como infinito.
Pela via da motivação
“Em vez de divulgarmos o que está acontecendo de ruim, como mudanças climáticas e suas consequências, fome e má distribuição de renda, perda de diversidade biológica e cultural (…) nossa forma de comunicar deve ser de um mundo em harmonia e atraente. Algo que nos mova à ação.”
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Nosso cérebro é composto por dois lados que se integram e se completam. O desenvolvimento de nosso lado racional, que prevalece nos últimos séculos, nos levou a tecnologias e confortos que prezamos e dos quais não queremos abrir mão. No entanto, o nosso lado sensível não é valorizado pela sociedade, pois exige tempo e caminhos diferentes para aflorar. Este compreende o artístico, o intuitivo e o que diz respeito a nossos valores. O equilíbrio entre a racionalidade e a sensibilidade deveria ser a meta de um processo educacional de qualidade.
Porem, nos acostumamos com o errado, insustentável e injusto e nem nos sentimos mais incomodados com o que presenciamos. Banalizaram-se os absurdos e as atrocidades. E, com a modernização dos meios de comunicação, temos cada vez mais notícias do que acontece mundo afora. O que levava meses antigamente para sabermos, agora é imediato. Isso poderia ser uma vantagem, mas parece não surtir tantos efeitos produtivos. A razão é que nossa mente está cansada de notícias ruins e bloqueia a entrada de algo que acha não dar conta de enfrentar.
Segundo Ed Gillespie (Futerra, Inglaterra), precisamos ver o mundo de maneira diferente. Os desafios devem ser apresentados como algo factível de ser solucionado. Por exemplo, ao invés de divulgarmos o que está acontecendo de ruim, como mudanças climáticas e suas consequências, fome e má distribuição de renda, perda de diversidade biológica e cultural, finitude de recursos, e assim por diante, nossa forma de comunicar deve ser de um mundo em harmonia e atraente. Algo que nos mova à ação. Dois bons exemplos produzidos pela Futerra para a Comissão de Educação e Comunicação da IUCN são pequenos vídeos: “Love. Not Loss” e “How to Tell a Love Story“. A ideia é de compartilhar algo solucionável em um mundo que queremos, e não mais apenas os desastres que ocorrem cada vez com mais frequência.
Portanto, devemos educar para o inconformismo e para instigarmos a noção de que é possível ousar o novo, principalmente quando se quer proteger a vida do planeta. O despertar de nosso lado intuitivo, sensível e artístico precisa ser ativado junto com o racional, lógico e estruturado. Precisamos integrar o social e o ambiental de maneira indissociável, por não ser separável. Ademais, uma educação responsável e estimulante precisa ser concebida e ofertada com uma comunicação coerente, levando em conta como funciona nosso cérebro. A educação deve compreender e incluir o que é eficaz para a comunicação e vice-versa; um campo podendo se beneficiar com as lições do outro. A ideia é atrairmos mais adeptos à sustentabilidade planetária e aumentar a chance de atingirmos um maior equilíbrio entre o que queremos e o que somos capazes de fazer para chegar lá. É um estado de espírito que precisa ser disseminado, incorporado e colocado em prática.
*Artigo editado em 29/04/2014 às 14h08min.
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