Amostras medindo 25x25cm em pilares e paredões foram coletadas nos portos de Natal (RN), Cabedelo (PB) e no Recife (PE). Estas foram analisadas com ajuda de um estereomicroscópio para o diferenciar entre as espécies introduzidas e as nativas. O destaque foram as exóticas e de origem desconhecida. No segundo momento, as espécies introduzidas foram classificadas em invasoras ou estabelecidas (pela ocorrência ou não de competição com as espécies dominantes).
A pesquisa realizada por Cristiane Farrapeira chegou à conclusão que espécies com origem distante do litoral nordestino foram as mais frequentes. Foram registradas as seguintes introduções, como primeiras ocorrências para o Brasil o nemertino Zygonemertes virescens, o nudibrânquio Doto rosea e o pantópodo Pigrogromitus timsanus, a popular aranha-do-mar.
As espécies invasoras encontradas foram classificadas por porto. Em Natal, destaque para Cliona cellata, Dynamena crisioides, D. disticha, Nolella stipata, Zoobotryon verticillatum, Botrylloides nigrum, Didemnum perlucidum e Symplegma rubra. Em Cabedelo, Isognomon alatus, Striatobalanus amaryllis, Herdmania pallida e Didemnum psammatodes. No Recife, Clytia linearis, Haliplanella lineata, Obelia dichotoma, O. geniculata, Mytilopsis leucophaeta, Sinelobus stanfordi e Bowerbankia gracilis.
Invasoras, por definição, trazem dano à biota, à comunidade e às vezes, prejuízos econômicos. “Esse processo é dinâmico e se dá ao longo do tempo, a depender dos elos ecológicos que fará com a fauna nativa”, esclarece Cristiane Farrapeira. As invasoras chegam a um território livre dos seus predadores e parasitas, no entanto estes surgirão com o tempo. “Se a espécie for uma invasora euribiótica (que tolera variações ambientais, tais como salinidade, temperatura e poluentes) ela pode iniciar uma explosão populacional em um ambiente que passou por uma agressão natural (tempestade, tsunami, furacão) ou de origem humana (poluição, dragagem, aterro)”, detalha a pesquisadora da UFRPE.
Em Natal, invasoras em quantidade
O porto de Natal apresentou a maior quantidade de espécies introduzidas. Cristiane Farrapeira explica que isso deve-se a característica exportadora do entreposto e pela sua salinidade (quase marinha, que propicia uma maior diversidade de espécies). O porto do Recife, importador, teve registrada a menor quantidade, pelo mesmo motivo e pela sua condição da água, com baixa salinidade e grande nível de poluição por esgotos domésticos, apontou a pesquisadora. A quantidade de registros de espécie foi mediana no porto de Cabedelo.
Outro fator importante verificado depois do cruzamento sobre a movimentação portuária na análise da biota portuária estuarina é a salinidade e a qualidade da água naquele ambiente. “O porto do Recife, por exemplo, com maior movimentação de cargas entre os três, é também o que apresentou o menor número de espécies bentônicas (no total, incluindo nativas e introduzidas), devido à qualidade da água”, comenta.
As espécies representam um perigo real constatado ao longo da história e no dia a dia, como a epidemia de cólera e o caso do mexilhão dourado (Limnoperna fortunei) no Sul do país. “Há casos em que a espécie introduzida compete no mesmo nicho ecológico de uma espécie nativa, provocando a redução dos estoques, como o siri do Indo-Pacífico Charybdis helleri, que concorre com os siris nativos do gênero Callinectes, consumidos pela população”, exemplifica Cristiane.
Desrespeito às normas
O resultado da pesquisa faz uma constatação colateral. A introdução das espécies exóticas é evidência do desrespeito da norma técnica Norman-20/ DPC (2005), para gerenciamento da água de lastro no Brasil, que determina às embarcações a descarga da água do lastro, o deslastre, em locais com ao menos 200m de profundidade. A informação do procedimento é feita pelo capitão do navio à Capitania dos Portos e a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) pode verificar as condições do navio. “Anvisa realiza uma fiscalização efetiva apenas quando a embarcação vem de regiões que passam por epidemias”, comenta Cristiane Farrapeira. “O problema é que os tanques de lastro não transportam apenas bactérias e vírus. Também dão carona para todas as larvas dos invertebrados e peixes”.
O controle não é eficiente mesmo com os levantamentos biológicos que estão sendo feitos, com a vigilância de Capitania dos Portos e sob a vigência do Programa Globallast. “As invasões biológicas têm ocorrido em proporções globais e expansões de distribuição biogeográfica de espécies invasoras são fartamente registradas, como o caso do mexilhão zebra Dreissena polymorpha na região dos Grandes Lagos nos Estados Unidos”, afirma Cristiane Farrapeira.
Além da ameaça embarcada na água do lastro, que chega sem ser vista e de difícil fiscalização, há outra que viaja de navio e chega ao Brasil incrustada no casco das embarcações, aponta a pesquisadora do departamento de Biologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco. São espécies que não possuem larvas ou que têm vida curta na água, logo não poderiam ser transportadas em tanques de lastro. “Está provado que os cascos de embarcações são, lamentavelmente, um transporte antropogênico eficiente das espécies no ambiente marítimo e costeiro”, analisa Cristiane. Com seu trabalho, adquiriu o conhecimento de que alguns países com economias mais desenvolvidas determinaram que as embarcações estrangeiras só aportem se o casco estiver limpo. Eles também proíbem a limpeza do casco em áreas costeiras. “No Brasil, não temos nenhuma regra quanto a isso”, alerta.
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Vídeo demonstra checagem de salinidade nos navios que entram na região dos Grandes Lagos, entre Estados Unidos e Canadá, como medida de controle de troca de água de lastro em alto mar (em inglês)
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