Reportagens

APA Cairuçu, quando a proteção gera atentados à bomba

((o))eco foi a Paraty para tentar entender as razões da violência nessa Unidade de Conservação que é também um badalado destino de veraneio.

Daniele Bragança ·
9 de maio de 2013 · 12 anos atrás
APA de Cairuçu: Foto: Daniele Bragança.

Fazer valer o plano de manejo e zoneamento custou à atual administração da Área de Proteção Ambiental de Cairuçu, em Paraty, no sul fluminense, uma série de conflitos e violências, o último deles um atentado contra uma servidora, ocorrido no começo de abril. No muro da sua casa foi colocado uma bomba que estraçalhou telhas e fez estragos na instalação elétrica. Não houve feridos. Se o objetivo do ataque era causar medo, conseguiu. A analista ambiental, que trabalhava na unidade desde 2007, pediu transferência.

Intimidações são comuns aos funcionários da APA Cairuçu e este não foi o primeiro atentado contra os servidores. Outra analista ambiental teve o carro incendiado criminalmente duas vezes, uma em 2008 e a última em 2012. Com medo, ela pediu transferência de unidade.

Em 2007, o então gestor da unidade, Marcelo Pessanha, teve a casa invadida de madrugada, mas nenhum objeto foi levado. Tratava-se de intimidação.

Formada por 63 ilhas na Baia de Ilha Grande, com pouco mais de 33 mil hectares de grande valor turístico, a APA Cairuçu é uma unidade de conservação federal criada em 1983 e administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Administração conflituosa

“A personificação é o nosso principal problema. O cumprimento do nosso dever está associado a esse ou aquele servidor, e não ao ICMBio como instituição. Quando se personifica em uma pessoa, essa pessoa acaba virando alvo”, afirmou Eduardo Godoy, chefe da APA Cairuçu, que recebeu a reportagem de ((o))eco na última semana de abril (26). “Estamos trabalhando em defesa do interesse público, não é o interesse de uma só pessoa, de um só servidor, que está “implicando com alguém”.

O objetivo da visita era entender o quadro de conflitos que culminou em um ataque.

“A causa é o trabalho que fazemos. De tentar fazer valer nosso zoneamento, tentar fazer valer a legislação que criou a APA Cairuçu. Resgatando uma ocupação, deixando claro que aquela ocupação é irregular, que a pessoa tem todo um caminho para se regularizar e às vezes essa propriedade não é ‘regularizável’. Neste caminho, a gente acaba desagradando os interesses particulares dos usuários”.

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Parcerias e mudança de regras

Na tentativa de tornar melhor a gestão, a revisão do plano de manejo da APA está nas prioridades. Outra proposta é casar o plano de manejo com o plano diretor do município, para evitar que as duas regras se conflitem.

“Os dois planos têm que se complementar. No plano diretor atual, a regra diz que, dentro da APA Cairuçu, quem define as regras é o plano de manejo da APA. O que acontece é que a prefeitura lava as mãos, (…) como se dentro da APA não fosse o município de Paraty”.

Atualmente, há um diálogo entre a APA e a Prefeitura, mas na gestão anterior, o ICMBio era usado como alvo quando alguma obra não era realizada. Godoy conta o caso de uma estrada que estava sendo pavimentada sem a devida licença ambiental e foi embargada pelo INEA, com parecer favorável ao embargo pelo ICMBio. O prefeito mandou colocar uma faixa dizendo que a obra tinha sido embargada pelos órgãos ambientais. “A faixa não esclarecia que a obra estava sendo feita sem licença, ele justificou não fazer a obra colocando a culpa nos órgãos ambientais, lavando as mãos. O relacionamento com a antiga gestão do município era bem complicada”, afirmou.

Na guerra de informações, o antigo prefeito também usava o único jornal impresso local. “Vinha uma matéria enorme, cheio de mentiras, a gente ia e escrevia a resposta, eles publicavam, na edição seguinte, outra matéria caluniosa e lá vamos nós de novo, era um ciclo”. O jornal fechou após a mudança de prefeito.

Uma semana após o atentado do dia 19 de abril, Roberto Vizentin, presidente do ICMBio, visitou a unidade. Criou-se uma agenda de trabalho que busca o fortalecimento de parcerias com a prefeitura, o Instituto do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

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Explosão imobiliária

Do barco, olhando o topo das ilhas que formam a Área de Proteção Ambiental de Cairuçu, em Paraty, no sul fluminense, vemos a vegetação se recuperando, esverdeando outra vez o que antes era roça. O que pode parecer uma boa noticia para o meio ambiente esconde uma mudança social que interfere diretamente na paisagem da Área de Proteção Ambiental Cairuçu: o abandono, de parte dos caiçaras, da vida de subsistência que levavam para se transformarem em empregados domésticos dos veranistas ricos que ali construíram suas casas.

O abandono da atividade de roça e de pesca faz parte da nova configuração da Costa Verde, um fenômeno que ganhou força na primeira década dos anos 2000, com o boom imobiliário que agora se estabiliza. Para a direção da APA, sobraram as construções irregulares, praias privatizadas, restaurantes em ilhas destinadas à proteção silvestre e outros passivos ambientais que precisam ser enfrentados.

A população cresceu de 23.928 (1991) para 29.544 (2000) e, em 2010, saltou para 37.533 habitantes. O crescimento dos núcleos urbanos é um dos principais problemas de Cairuçu, uma Área de Proteção Ambiental (APA) que também está inserida dentro da área de expansão urbana do município de Paraty.

 

Cada ilha, um desafio

A APA não tem barco para fiscalizar as 63 ilhas sob sua administração. A lancha que utiliza é custeado pela ONG SOS Mata Atlântica, que tem um convênio antigo com a unidade. Nela, partimos com o objetivo de mostrar a ((o))eco a situação das ilhas. A bordo estão Antônio, o barqueiro, Bruno de Brito Gueiros Souza, Analista ambiental recém-transferido para a APA Cairuçu e Eduardo Godoy, chefe da APA Cairuçu.

A ilha Pescaria, por exemplo, tem uma situação fundiária diferenciada das outras: ela tem dono. O proprietário comprou o terreno em 1946, portanto, antes da lei que tornou as ilhas propriedade da união. Ele ficou impedido de fazer novas construções após 1983, quando a APA foi criada, sem a autorização da unidade de conservação.

A ilha do Catimbau, bem próxima a da Pescaria, tinha um restaurante famoso na região, o Eh-Lahôxxx, que foi embargado. Catimbau fica dentro da Estação Ecológica (Esec) de Tamoios, que se sobrepõem a APA Cairuçu. Nessa parte, o plano de manejo segue a regra mais restritiva, que é da Esec, de proteção integral. Restaurantes e propriedades privadas são proibidos.

A população local e os turistas protestaram contra o fechamento do restaurante. Até um vídeo em solidariedade aos donos foi postado na internet. Não adiantou. A lei ambiental foi seguida e o proprietário está retirando a construção da ilha.

Já perto da Praia Vermelha, está localizada uma luxuosa casa dos herdeiros do Roberto Marinho. Na praia, um segurança armado protege a propriedade e se aproxima com olhar ameaçador, quando o barco do ICMBio passa perto. Construída fora dos parâmetros do plano de manejo, a mansão foi questionada na Justiça. O processo já dura anos. Segurança impedindo ou intimidando banhista é apenas um dos exemplos de privatização de praia, que são bens da união.

A mesma privatização acontece nas praias de Gragoatá, no Saco do Mamanguá, e na Praia de Santa Rita.

“A nossa ideia é entrar com uma ação no Ministério Público para obrigar esses proprietários a colocar uma placa dizendo: área pública, acesso garantido a banhistas e tal”, afirma Godoy.

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Em ação

A próxima parada foi a Ilha do Algodão. Ali fica o restaurante do Hiltinho, que não está regularizado junto ao ICMBio, embora a propriedade esteja localizado num local passível de regularização.

Eram 11h40 da manhã. O proprietário não estava lá. No lugar encontramos Moura, uma caseira, que cuida da cozinha do restaurante. As filhas, uma de 13 e outra de 15, estavam na escola naquele momento. A rotina de quem mora nas ilhas é acordar cedo. As crianças no Algodão devem estar prontas às 5h da manhã, quando passa o barco que as leva ao continente. Lá, em uma estrada, esperam o ônibus para ir à escola. Estudam até o meio-dia e voltam para casa às 14h, refazendo o trajeto. A nossa visita deveria ser curta: deixar o cartão, ver a construção, descer e voltar para o barco. Mas uma peça do motor do barco quebrou. Esperamos 3 horas pela troca da peça. Deu tempo de ver o retorno das filhas de Moura do colégio.

Serviços Ambientais

Enquanto ficamos presos na Ilha do Algodão, Bruno Gueiros explicou o projeto de pagamentos por serviços ambientais na APA Cairuçu, ainda em fase embrionária. “Está desatualizada essa visão que Unidade de Conservação é um atraso. A história já vem mostrando que é possível ganhar dinheiro com floresta em pé. É possível ganhar dinheiro com conservação. Costa Rica é o maior exemplo”, disse.

Gueiros é um entusiasta no assunto e acredita que o trabalho de gestão de uma APA deve beneficiar também os seus usuários, e não apenas punir o mau uso. “Se você só entrar com um instrumento de comando e controle sem ter construído algo é muito danoso. A sociedade não entende e acaba que fica essa situação de falta de respeito. Acho que a gente não deveria ter deixado chegar esse tipo de tensão sendo uma APA. Em um parque é outra abordagem, mas a APA é um campo onde você tem que trazer a sociedade para perto de ti”.

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  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

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