Reportagens

Documentário conta a história da testemunha do assassinato de Chico Mendes

Com apenas 13 anos, Genésio Ferreira da Silva mudou o rumo da própria vida ao entregar os envolvidos do assassinato do seringueiro e ativista ambiental

Sabrina Rodrigues ·
17 de janeiro de 2019 · 6 anos atrás
Genésio Ferreira da Silva ´foi testemunha-chave para a elucidação do assassinato do seringeiro e ativista ambiental Chico Mendes.

Sindicalista, líder seringueiro, defensor da floresta. Essas são palavras usadas para descrever Chico Mendes, morto a tiros nos fundos de sua casa, em Xapuri, no interior do Acre. A história de vida e de morte de Chico é bem conhecida. Mas um personagem central no último capítulo de sua existência permaneceu esquecido: a testemunha que fez com que os autores do crime fossem revelados.

Esse personagem é Genésio Ferreira da Silva, que na época tinha apenas 13 anos, quando decidiu contar às autoridades que os fazendeiros Darcy Alves da Silva e o filho, Darly Alves Ferreira, eram respectivamente, mandante e autor do assassinato de Chico Mendes. Ambos foram condenados a 19 anos de prisão. Eles fugiram da prisão em 1993, sendo presos novamente em 1996. Em 1999, Darly passou a cumprir o restante da pena em prisão domiciliar e Darcy passou a cumprir o resto da pena em regime semi-aberto.

E foi essa história, a do Genésio, que a jornalista Maria Fernanda Ribeiro resolveu contar, em documentário lançado em dezembro pela agência Amazônia Real.

“Se não fosse Genésio, talvez os assassinos nunca tivessem sido condenados. E não se fala do Genésio. Ninguém lembra do Genésio. Ele teve que aos treze anos escolher um lado. A vida dele toda foi marcada por isso. E foi então que surgiu o documentário” afirma.

Jornalista formada pela Universidade Metodista de Piracicaba, Maria Fernanda Ribeiro é autora do blog “Eu na Floresta” do jornal Estadão. Com vasta experiência em redação, em 2016 resolveu tirar um ano sabático. Deixou o emprego fixo que tinha em uma agência de comunicação e foi viajar pela Amazônia. Dessa viagem, realizada em 2018, trouxe quatro documentários. Genésio um pássaro sem rumo: a única testemunha do assassinato de Chico Mendes, é o primeiro a ficar pronto e estreia o primeiro “Três dedos de prosa” de 2019, seção de ((o))eco dedicado ao cinema ambiental.

O filme estreou em dezembro de 2018 e pode ser assistido pelo youtube.

Em “Três dedos de prosa”, Maria Fernanda Ribeiro conta como foi contar de Genésio, a testemunha-chave do assassinato de Chico Mendes.

 

((o)) eco: Por que você decidiu fazer um documentário sobre o Genésio?

A ideia do Genésio veio a partir de um encontro. É uma história que veio de outra história. O [jornalista] Elson Martins é muito ligado ao Genésio. Eles se conheceram na época do assassinato, pois o Elson cobria a história. Foi durante as nossas conversas que eu falava para o Elson: ‘Conta as histórias para mim’. Quando comecei a viajar pela Amazônia, eu fui com a cara e com a coragem, sem nenhum foco do que fazer. Eu queria ouvir histórias de quem quer que fosse. Eu queria ouvir histórias e conhecer sobre a floresta.

Quando eu cheguei em Rio Branco, no Acre, me apresentaram um dos jornalistas que aparecem no filme, o Elson Martins. E me falaram: ‘Bom, se você é jornalista e está no Acre, você tem que conhecer o Elson Martins, porque o Elson é o cara que sabe tudo de Acre, de Chico Mendes, das histórias que envolvem os seringueiros daqui. E eu fui, me encontrei com o ele várias vezes, que se tornou um grande amigo. Numa dessas conversas, ele que o Genésio tinha lançado um livro. Fui imediatamente atrás desse livro, que é o “Pássaro sem Rumo”. E eu perguntei ao Elson onde estaria Genésio, se ele toparia conversar comigo. E em Rio Branco, o Elson marcou um encontro entre nós dois. A primeira vez que nos encontramos, foi em 2016.

Cartaz do documentário Genésio – Um pássaro sem Rumo.

E quando eu conheci o Genésio, eu fiquei muito tocada com a história dele. Assim como a dele, outras histórias ficaram na minha cabeça ‘o que eu vou fazer com essas histórias?’ São histórias muito importantes e eu gostaria muito de compartilhar com outras pessoas, então, quando surgiu a oportunidade.

A Kátia Brasil [fundadora da Amazônia Real] me procurou, falando ‘ Tem como me sugerir uma pauta da Amazônia?’, pois ela tinha conseguido um  apoio financeiro de um projeto especial Olhando para dentro da Floresta (o projeto está voltado para a produção de reportagens especiais e conteúdo audiovisual sobre a realidade dos povos da Amazônia, sobretudo as populações indígenas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhas, defensores do meio ambiente, defensores dos direitos humanos, impactos ambientais dos megaempreendimentos na região Amazônica).

Então eu sugeri a história do Genésio, que era uma coisa que eu nunca esqueci. Foi muito forte saber as histórias. E a maneira como ele conversou e se comportou comigo ficou marcado.

((o)) eco: Qual a sua maior dificuldade em fazer o filme?

A dificuldade é sempre mais emocional do que obstáculos que a gente enfrenta, porque a Amazônia é um lugar difícil, mas eu estou  acostumada. Foi muito prazeroso encontrar o Genésio. A primeira vez que a gente se encontrou eu falei: “Genésio, eu volto!” Aí ele falou: “Você não vai voltar! Todo mundo fala que volta e não volta!” E eu falei: “Mas eu vou voltar e a gente vai fazer algo ainda melhor!” Ele me perguntou: “Você vai publicar no seu blog?” E eu falei: “Acho que não vou mais”. Eu fiz uma entrevista com ele, mas pensei ‘não sei se é isso’.

Da esquerda para a direita: o diretor de fotografia do documentário, Bruno Kelly, Genésio Ferreira da Silva e a diretora do documentário, a jornalista Maria Fernanda Ribeiro.

O meu reencontro com ele foi muito emocionante porque ele me olhou e falou: “Não é que você voltou, Fernanda! E não é que você voltou!”  Eu voltei em junho de 2018 e a gente fez o documentário no mesmo ano. Foram 9 ou 10 dias em que eu estive com o Bruno Kelly, que é o diretor de fotografia. O Bruno foi um parceiro incrível, sem ele nada disso [o documentário] teria acontecido. Eram só nós dois. A gente encontrou o Genésio em Rio Branco e depois viajamos para encontrar os outros personagens, que era a família dele. Mas não houve uma questão de dificuldade pra mim. Eu eu estava lá e pensei ‘Puxa, eu consegui fazer, está dando certo transformar o Genésio em uma história e relembrar esse passado, de não deixar cair no esquecimento’. O que mais me chama a atenção é isso, [o testemunho] impactou profundamente a vida dele e para muita gente isso não faz a menor diferença. Mas o Genésio é profundamente impactado por isso. Ele diz pra mim: “Fernanda, as pessoas falam ‘Genésio, você ainda não esqueceu isso? Faz trinta anos!’ Mas para mim, é como se fosse ontem”.

[Nesse momento] eu olhei para o Bruno e ele estava chorando atrás da câmera durante a entrevista.  O Genésio é um cara honesto, que abre o coração para contar as histórias. Foi forte, muito forte.

((o)) eco: E o que mudou na sua visão? O que mudou depois desse filme?

O documentário é o resultado do que mudou. Eu fui conversar com o Genésio, eu pedi um encontro com ele, eu fui conversar com ele numa expectativa de jornalista, ‘vou fazer uma entrevista com a testemunha do assassinato do Chico Mendes’. E quando eu cheguei lá, eu me deparei com uma outra pessoa, um homem frágil, que chorou bastante durante a entrevista. Então me veio um senso de responsabilidade do que fazer com essa história. Eu fui lá achando que era uma coisa pra mim. E eu fiquei pensando ‘Não é só isso, o Genésio merece mais, ele tem que ter a história dele contada, as pessoas precisam saber quem é ele’. O Genésio tinha treze anos e escolheu um lado e as pessoas precisam saber que escolher um lado impacta a sua vida profundamente.

Génesio e a diretora do documentário, Maria Fernanda Ribeiro se reencontram depois de dois anos.

 

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Genésio – um pássaro sem rumo: a única testemunha do assassinato de Chico Mendes

 

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  • Sabrina Rodrigues

    Repórter especializada na cobertura diária de política ambiental. Escreveu para o site ((o)) eco de 2015 a 2020.

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