O Ministério da Agricultura publicou na última terça-feira (21) no Diário Oficial da União a autorização para comercialização de mais 31 agrotóxicos no Brasil, dando continuidade ao objetivo do governo de Jair Bolsonaro de agilizar as análises dos pedidos de registro. Dos 31 produtos, 13 foram avaliados como altamente ou extremamente tóxicos à saúde humana e 14 como muito ou altamente perigosos ao meio ambiente.
A lista não traz novidades em termos de moléculas. Ou seja, são os mesmos princípios ativos já vendidos no Brasil, apenas sob novas marcas (genéricos) ou formulações. O que chama atenção é que um dia após o Dia Mundial das Abelhas (20 de maio), marcado por alertas sobre a mortandade destes polinizadores, o governo registrou mais dois inseticidas à base do princípio ativo Fipronil e um à base de Tiametoxam (neonicotinóide proibido na União Europeia), diretamente relacionados às mortandades de abelhas.
Osmar Malaspina, biólogo e professor da Unesp de Rio Claro (SP), afirma que os novos registros, por si só, não aumentam os riscos: “Porque se o produtor não tem esses novos [produtos] ele vai comprar os que já estão no mercado. E como a molécula é a mesma, o problema é o mesmo”. Por outro lado, a introdução de genéricos produzidos por empresas menores favorece o uso inadequado destes inseticidas: “As recomendações de uso são menos rígidas, o produto fica muito mais barato no mercado, então mais gente vai ter acesso e mais gente pode usar erroneamente”.
Um levantamento da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) calculou 770 milhões de abelhas mortas no Brasil ao longo de quatro anos. Elas estavam contaminadas por neonicotinóides e pelo fipronil, que apareceu em 92% das amostras de insetos. Como nem todos os apicultores registram as perdas, a estimativa é que o número real de insetos mortos passe de 1,5 bilhão.
“Não existe uma doença que mate as abelhas, 100 colônias ao mesmo tempo, em dois, três dias. Isso é característico do uso de agrotóxicos. Nós temos vários casos no Brasil, isso vêm acontecendo há bastante tempo. A gente tem trabalhado inclusive com os agricultores nos sistemas de aplicação para diminuir, mas inseticida é para matar inseto, e abelha é inseto”, explica Roberta Nocelli, bióloga e professora da Universidade Federal de São Carlos.
Nocelli estuda o tema desde 1999, e considera impossível um uso de inseticidas 100% seguro para as abelhas. Mas ela garante que a aplicação correta seria uma medida fundamental para reduzir as mortes: “A gente tem um problema muito grande de mal uso de inseticidas. […] No nosso projeto Colmeia Viva temos várias situações em que detectamos mortes das abelhas causadas por determinado inseticida que não está autorizado para aquela cultura, ou não está autorizado para aplicação na folha. Só pode ser utilizado no solo e as pessoas aplicam com pulverizador, com trator, e, absurdo dos absurdos, até com avião”.
A pulverização de Fipronil com avião é proibida, ao contrário do Tiametoxam. Mas o Fipronil tem outro agravante. A venda do produto para aplicação agrícola só é permitida com receita agronômica (prescrição e orientação técnica para utilização de agrotóxico, por profissional legalmente habilitado). Mas se o objetivo for combater pragas – como formigas ou baratas – no âmbito doméstico, a receita não é exigida: “Daí as pessoas vão lá comprar dizendo que vão usar pra isso [uso doméstico], e depois usam na área agrícola. E aí escapa do controle”, explica Malaspina. Com os novos registros, o Brasil soma 55 agrotóxicos à base de Fipronil.
Reavaliações prometidas em 2012 seguem inacabadas
Em 2012 o Ibama tomou medidas para proteger as abelhas dos efeitos nocivos dos agrotóxicos, e anunciou a reavaliação do Imidacloprido, Tiametoxam e Clotianidina – neonicotinóides – e do Fipronil. Os novos estudos vão dizer se há necessidade de regras mais rígidas para o uso destes agrotóxicos.
O Imidacloprido começou a ser reavaliado ainda em 2012. Segundo o Memorando 130 do Ibama (2017) os resultados seriam entregues no primeiro trimestre deste ano, o que não aconteceu. A Clotianidina e o Tiametoxam entraram em reavaliação em 2014, em processos que também não foram concluídos. ((o))eco solicitou informações sobre o andamento das reavaliações ao Ministério do Meio Ambiente, ao qual o Ibama é subordinado, mas não obteve resposta.
Outras medidas, no entanto, avançaram na proteção das abelhas. O Grupo Técnico de Trabalho criado em 2015 – do qual tanto Nocelli como Malaspina fazem parte – construiu procedimentos de avaliação de risco específicos para polinizadores, que embasaram a Instrução Normativa Nº 2, de fevereiro de 2017. A partir de então, os novos princípios ativos a serem registrados no Brasil precisam passar por uma avaliação composta por quatro fases eliminatórias, que avaliam o impacto dos produtos sobre as abelhas.
Este novo procedimento é o que será usado na reavaliação do Fipronil, que deve começar em 2020: “Então ficou muito mais difícil um produto como o Fipronil, que é altamente tóxico, passar nas quatro fases”, afirma Malaspina. “Na minha opinião, é provável que ele seja retirado do mercado ou sofra sérias restrições de uso”, completa o biólogo.
As novas regras, no entanto, só se aplicam a produtos a serem reavaliados ou a novos princípios ativos que buscam ingressar no mercado nacional. Por isso, Malaspina afirma que o governo deveria focar em avaliar novas moléculas, ao invés de aumentar o número de registros de produtos comprovadamente nocivos: “Fazer o que eles estão fazendo, simplesmente liberando os produtos velhos com nova roupagem, […] não vejo vantagem nenhuma. Era melhor não liberar. Mas isso parece que é uma política do novo governo, de atender as demandas do pessoal das indústrias”.
Para Nocelli, a Instrução Normativa aumenta muito a segurança dos produtos liberados, mas não resolve os problemas de má aplicação: “A gente continua tendo problema de mau uso, de moléculas falsificadas, […] a gente tem contrabando nas fronteiras. Então isso é um problema que precisa ser atacado por fiscalização. Não há normatização que vai resolver se não tiver fiscalização”.
Morte de abelhas silvestres é incalculável
Os registros de mortes de abelhas no Brasil levam em consideração apenas os insetos criados por apicultores, mas pouco se sabe sobre a mortandade entre as abelhas silvestres, que vivem nas matas. “Ninguém conta estas abelhas, ninguém sabe se elas estão morrendo ou não […]. E a tendência é que estejam em uma situação igual ou pior [que as abelhas dos criatórios]. Porque no manejo que o apicultor faz ele alimenta, ele fortalece as colmeias”, afirma Nocelli.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), 75% dos alimentos cultivados no mundo dependem das abelhas. O 1º Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimento no Brasil avaliou o nível de dependência de polinizadores (em especial das abelhas) de 91 plantas, e conclui que 59% delas têm total ou alta dependência destes insetos. A soja, por exemplo, tem incrementos de até 40% na produção na presença de polinizadores.
Segundo Nocelli, a redução drástica no número de abelhas vai levar à eliminação de algumas frutas como maçã e maracujá (a não ser que seja feita a polinização manual, com aumento dos custos) e à redução da oferta de muitos outros alimentos. Ou seja: menor variedade, menor oferta e preços mais altos.
Áreas nativas também serão diretamente impactadas: “A diversidade de vegetais em áreas nativas vai ser drasticamente reduzida. E isso impacta em outros animais que vivem ali, é um círculo vicioso. A tendência é acelerar o processo de diminuição e extinção de espécies, tanto vegetais quanto animais”.
Tanto Nocelli quanto Malaspina vêm com ainda mais preocupação a tramitação no Congresso do Projeto de Lei nº 6.299/02, que retira da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério do Meio Ambiente a possibilidade de vetar o registro de novos agrotóxicos, centralizando o poder de decisão no Ministério da Agricultura. ((o))eco solicitou entrevista à Confederação Nacional de Agricultura, mas não obteve retorno.
Rio Grande do Sul perde 6 mil colmeias em 8 meses
Apenas no Rio Grande do Sul, 6 mil colmeias morreram entre setembro de 2018 e maio de 2019, segundo o vice-presidente da Federação Apícola do Rio Grande do Sul e Coordenador Técnico da Câmara Setorial da Apicultura e Meliponicultura (Casam), Aldo Machado dos Santos.
O professor de Apicultura Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Aroni Sattler, costumava receber amostras de abelhas mortas de apicultores que queriam saber que tipo de doença estava atingindo seus apiários. Mas de algum tempo para cá, as mortes passaram a estar mais relacionadas aos agrotóxicos.
Após descartar a ocorrência de doenças, Sattler encaminhou 37 amostras para o laboratório Bioensaios. Destas, 22 deram positivo para a presença de algum tipo de agrotóxicos. Em 77% dos casos, este agrotóxico era o Fipronil. Para o pesquisador este número só não foi maior porque várias amostras foram colhidas muito tempo depois da morte das abelhas, dificultando a análise laboratorial: “As abelhas estavam bastante deterioradas”, afirma Sattler.
Além dos laudos, o professor se baseia nos relatos dos apicultores para concluir que a maior parte das mortes se deve aos inseticidas: “Nas doenças as abelhas vão morrendo aos poucos, as colmeias não se terminam do dia para a noite. Com o agrotóxico, conforme o tipo de aplicação, no mesmo dia morrem todas as abelhas. Muitas nem conseguem voltar para a colmeia de acordo com o tipo de agrotóxico”.
As abelhas adoecem ao colher o pólen e o néctar de flores atingidas pelos inseticidas. Se consegue voltar para a colmeia, cada abelha pode contaminar em torno de 700 companheiras. “A tendência é só piorar. […] Eu fui um dos primeiros apicultores a ter certificado orgânico. Hoje eu perdi a minha certificação. Eu não coloco uma grama de produtos agroquímicos, não utilizo nada e eu perdi a certificação porque a quantidade de produtos que está aparecendo no mel é muito grande”, lamenta Aldo Machado dos Santos.
Para Domingos Lopes, coordenador da Comissão de Meio Ambiente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), o problema tem que ser resolvido de forma técnica, com a correta aplicação dos produtos. Lopes afirma que não se pode criminalizar todos os agricultores, nem os produtos em si, e que é preciso identificar exatamente onde estão ocorrendo os problemas para agir caso a caso.
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A simples solução é criar defensivos que nao afetão as abelhas
quando o artigo foi publicado?
Tera de ser feita uma campanha *forte* para salvar as abelhas no mundo…..A comunidade científica já a tempos alerta sobre os danos dos agrotóxicos em humanos tambem….inclusive a grande incidencia de cancer em todos os continentes…a Asia liderando….
Falta gente séria neste MMA. Burrice e ganância juntos. Deve-se voar e pulverizar estes "defensivos" sobre a propriedade e casa da Ministra, e esperar.