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De palitos, esferográficas e grampos

O Brasil tem produtos bons e ruins, mas alguns independem de preços ou de onde se compra; têm baixa qualidade e acabam direto no lixo.

13 de janeiro de 2011 · 14 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Toda vez que tenho de fazer um bife enrolado, ou prender meus cabelos, ou acender um fósforo ou, ainda, usar uma esferográfica, fico furiosa. Porque será que vivendo em um país como o Brasil, com tanta indústria de ponta de alta qualidade, com tanta tecnologia exportável, que fabrica carros bons e bonitos e até aviões de fama mundial, a gente não pode fazer uma comida que precisa usar palitos de dente, pois os mesmos foram feitos para quebrar até antes de usá-los? Quantos fósforos a gente tem de quebrar para conseguir acender uma vela? Quantos grampos de cabelo a gente compra para usar uma única vez, pois os mesmos ficam abertos após o primeiro e único uso?

O Brasil tem produtos bons e ruins, dependendo do preço, mas os produtos que mencionei acima independem de preços ou de onde se compra. Pode ser até em lojas chiques ou supermercados famosos. A última vez em que comprei uma caixa de grampos totalmente inúteis, que foram diretamente ao lixo, eu pensei: onde estão os ambientalistas ou melhor as ambientalistas que não reclamam destes desperdícios? Chego a pedir a amigos que vão aos Estados Unidos para me trazerem grampos de cabelos. Pedi poucas vezes na vida, pois eles duram pelo menos 10 anos. Já palitos de dentes, eu compro no Peru, país do meu marido, para poder fazer meus bifes rolé que ficam deliciosos. Com os palitos nacionais não consigo rechear os bifes e prende-los com os próprios. Se com falta de etiqueta se usar para limpar os dentes é pior, pois podem furar a gengiva ou se precisar fórceps para retirar os restos incrustados do palito. Os grampos de cabelo penso que são importados do Haiti ou do Afeganistão, pois não há outra explicação par tão baixa qualidade.

Tudo isso pode parecer brincadeira, mas não é. Compra-se objetos que gastam água, energia, minérios, madeiras, plásticos para serem produzidos e que vão diretamente ao lixo.

Os fósforos são cômicos. Não são feitos para acender nada, além de nos queimar os dedos quando rompem ainda acesos, o que é corriqueiro. Bem como a maioria das canetas esferográficas, que não escrevem. Quando estou na minha cama para dormir tenho, por hábito, fazer palavras cruzadas. Devo ter mais de 20 canetas esferográficas no meu criado mudo. Fico então escolhendo e descartando as que não são feitas para escrever, pois não escrevem, por mais que a gente rabisque as margens das revistas. Nestes dias ganhei de uma amiga uma esferográfica que funciona. Ela me trouxe da Europa. Eu a guardo com mais carinho que minha aliança de ouro. Também não a empresto para ninguém. É para mim mais importante que uma joia rara, pois, milagre dos milagres, eu posso fazer palavras cruzadas, quando deitada.

Tudo isso pode parecer brincadeira, mas não é. Compra-se objetos que gastam água, energia, minérios, madeiras, plásticos para serem produzidos e que vão diretamente ao lixo, ou que têm uma vida útil ridícula. Onde estão os órgãos fiscalizadores da qualidade destes produtos, que não percebem como são ruins e desnecessários? E vejam bem que não é uma questão de preços, pois da minha parte sempre procuro os melhores e fico tentando todas as marcas disponíveis no mercado brasileiro e até hoje, já beirando os setenta anos, não consegui nada que funcione bem nestes produtos.

Até me recordo de quando trabalhei na Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, que havia comprado como é de praxe, através de licitação, canetas esferográficas e lápis, que não se podia usar para o fim que são feitos, pois não escreviam. Nem mesmo quando a gente esquentava o recipiente com nossos fajutos fósforos. Fui ao chefe de gabinete do secretário e protestei veementemente. Não havia nada a fazer, pois a Secretaria, como é óbvio, não podia importar produtos melhores. Em geral quando se está sentado as canetas até que escrevem. Elas demoram a escrever, mas se a gente rabiscar com força acaba escrevendo, ou se esquentá-las com um fósforo. Quando se está deitado, impossível. Aquelas da Secretaria teimavam em não escrever nunca, mesmo com a fricção e mesmo se a gente estivesse sentada na posição usual de trabalho.

Assim vamos avolumando nossos lixos com estes produtos de péssima qualidade e ninguém se atreve a tomar providências, como se o lixo que produzimos não fosse um sério problema para o país. Como se para produzir estes produtos não se estivesse usando recursos naturais, cada vez mais escassos.

Perdoem-me os leitores por eu não poder dar dados mais atuais sobre os mesmos, pois não entendo nada desta industrialização, mas como ambientalista me revolto e até concordo com algo, que no passado, me deixou intrigada, quando foi criada no Congresso Nacional a Câmara Técnica do Direito do Consumidor e Meio Ambiente. Hoje consigo entender que realmente os assuntos podem eventualmente estar juntos.

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