O Governo Federal anunciou no dia 25 de julho mudanças no marco regulatório da mineração, através de Medidas Provisórias (MPs) . Dentre essas mudanças, anunciou a extinção do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM). Ao todo, foram três MPs que começaram a valer de modo imediato, mas que precisam passar pelo crivo do Congresso Nacional em até 120 dias para não perderem a validade. Pressente-se aqui, mais uma vez, o mesmo jogo de compra de votos dos políticos, que se arrasta no atual sistema político-partidário.
Em contrapartida, a população, as ONGs, Universidades e Ministério Público vêm debatendo desde fevereiro do corrente ano alternativas à gestão da água mineral. Esses debates que buscam repensar os aspectos histórico-culturais, medicamentosos e jurídicos relacionados à água mineral, embora antigos, acirraram-se recentemente por conta da consulta número 01/2017, proposta pela CODEMIG (Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais), prevendo exploração em Parceria Público-Privada do engarrafamento das águas de Cambuquira e Caxambu.
O Edital não chegou a ser lançado, graças à ação conjunta e firme da sociedade civil organizada, especialmente pela ONG Nova Cambuquira e Ampara (Caxambu), em conjunto com o Ministério Público de Minas Gerais, que expediu através do Promotor de Justiça Bergson Cardoso Guimarães, representante da Coordenadoria da Bacia do Rio Grande, recomendação ministerial para que se suspendesse a publicação do Edital.
Um dos objetivos principais desse movimento ligado à defesa da água é questionar o seu enquadramento como minério na legislação brasileira em vigor, bem como a gestão deficiente do DNPM, que desconsidera o valor terapêutico e sociocultural desse recurso hídrico.
Antes mesmo do anúncio pelo Governo Federal das referidas MPs, foi montado Grupo de Trabalho envolvendo todo o Circuito Mineiro das Águas com o intuito de elaborar um relatório multidisciplinar que visa propor alterações no tratamento da água mineral e desenvolvimento sustentável das respectivas estâncias hidrominerais que dela dependem.
Esse pretenso programa do Governo Federal de revitalização da indústria mineral desconsidera todo o trabalho, pesquisa e conquistas alcançados pelos agentes locais, além de se configurar uma tentativa de desmonte da democracia, ressaltando seus aspectos meramente econômicos e fiscais, que tem sido o único viés das ações públicas, tanto federais quanto estaduais.
A transformação do DNPM em uma Agência Reguladora do setor reforça o já praticado. É continuar insistindo no erro, com o agravante de que fragiliza ainda mais a fiscalização dos bens minerários, expondo as populações que vivem ao redor da ação minerária a maiores riscos e não devolvendo, como prometido, o desenvolvimento que elas merecem e precisam.
A tentativa com as MPs é evitar ao máximo a atuação da sociedade nos atos de governança pública, deixando o controle e as decisões nas mãos de poucos privilegiados, que têm uma agenda própria e interesses nem sempre claros. Como exemplo dessa exclusão, há a proibição de integrar a Diretoria Colegiada qualquer pessoa que tenha histórico de participação em organização sindical, constante no artigo 12º, inciso III, da MP 791/2017.
As ações do DNPM eram insatisfatórias para as estâncias hidrominerais, uma vez que considerando essa água um minério e não um recurso hídrico diferenciado, relegava as necessidades locais ao descaso. Com a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM), fica evidente o interesse de favorecer o mercado de mineração, ampliando esse descaso com a água mineral que já era patente. O discurso do Governo Federal pretende favorecer as empresas que lidam com a mineração, com foco em investimento estrangeiro. Ao buscar competitividade em relação a esse bem, fragiliza o aspecto sustentável da água mineral, pois favorece a administração dessa atividade por agentes externos, corporativistas e estrangeiros, que visam a privatização desse recurso natural para atender apenas à sua ganância desmedida.
Os temas apresentados pelas MPs estão na contramão do caráter múltiplo deste recurso hídrico, tão caro à identidade das comunidades locais. A ideia daquele Grupo de Trabalho mencionado linhas acima, é que seja feita a reclassificação legal da água, tornando-a como de fato é, um recurso hídrico especialíssimo, com uma gestão conjunta entre Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Saúde.
A Agência Nacional de Mineração favorecerá ainda mais a exploração predatória das águas minerais, perpetuando a não contribuição para o desenvolvimento socioeconômico dos municípios que integram o Circuito. Como a história demonstra, a valorização da água em um único aspecto como produto causou profundo declínio das estâncias. A água, para a população local, é muito mais que um mero produto, mas sim um bem difuso, com propriedades curativas, cujo acesso deve ser garantido para a atual e futuras gerações.
O anúncio das Medidas Provisórias pelo Governo Federal e o profundo silêncio que paira sobre as manifestações e reivindicações das estâncias hidrominerais fragiliza ainda mais a democracia e aprofunda a lógica exploratória praticada até o momento.
Fica óbvia a eloquência desse silêncio que, além de intencional, muito comunica.
Saiba Mais
MP 789/2017 – aumenta compensação financeira (CEFEM).
MP 790/2017 – cria novas regras para pesquisa no setor minerário.
MP 791/2017 – cria a ANM e extingue o DNPM.
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Uma dúvida: A criação da Agência por Medida Provisória não contraria o acordão da ADIN 4029, que criou o Instituto Chico Mendes?
Sei que a MP366 foi julgada inconstitucional, mas daí voltaram atrás pra não ferrar outras MPs! Esse país é um lixo
Voltaram atrás pra não atrapalhar o que já estava valendo, mas o acórdão vale para as decisões futuras
Ou seja, foi falta grave, maaaas…segue o jogo e ninguém leva cartão!?