Análises

Gestão Bolsonaro não piorou a transparência ambiental… Mas vai melhorar?

Cenários ainda não estão claros para saber se governo imitará Trump ou priorizará o acesso da população às informações públicas ambientais

Gustavo Faleiros ·
10 de abril de 2019 · 5 anos atrás
Transparência na política ambiental. Arte: Márcio Lázaro.

Nos últimos dez anos, tomou corpo a ideia de que, graças às tecnologias de informação, os governos se tornariam mais ‘transparentes’. Por ora, no entanto, essa é uma verdade parcial ou, talvez, um desejo não realizado.

Parece trivial pedir aos representantes públicos que prestem contas de seus gastos e ações através da internet, mas a resistência demonstra que esta abertura atemoriza os poderosos.

Na Câmara e no Senado, por exemplo, a livre consulta dos salários de servidores públicos foi uma batalha. Especialmente na nossa ‘câmara dos lords’, em anos de José Sarney e Renan Calheiros, dificultou-se a transparência.

No campo ambiental, entretanto, há uma cultura de dados abertos. Basta lembrar que antes mesmo da Lei de Acesso à Informação, já existia uma lei de acesso à informação ambiental (Lei nº 10.650/2003).

Foi através desta lei, por exemplo, que o presidente do Ibama em 2007 concedeu acesso a este mesmo O Eco ao parecer dos técnicos do órgão que recomendava a não concessão das licenças às hidrelétricas do rio Madeira. O acesso esclareceu a sociedade sobre os problemas daquelas obras. Mas não mudou nada. O parecer contrariou Lula e hoje as usinas estão funcionando bem ali em Porto Velho.

Ainda sobre os bons precedentes na transparência ambiental, vale dizer que as políticas públicas de combate ao desmatamento deram provas ao longo dos anos de uma cultura de livre circulação de conhecimento .

Hoje as metodologias, softwares e dados dos programas de monitoramento por satélite da Amazônia (Prodes e Deter) inspiram ações de transparência em outros países da bacia amazônica e também na África.

Passados 100 dias do governo Bolsonaro, algo com relação a esta situação mudou? Melhorou ou piorou? Ficou na mesma?

Bem, apesar das notícias sobre a ‘circular’ do ministro Ricardo Salles que proíbe os servidores ambientais a manifestarem-se sem a prévia anuência, não foi possível identificar ações diretas para coibir o acesso a dados e informações.

“Ainda sobre os bons precedentes na transparência ambiental, vale dizer que as políticas públicas de combate ao desmatamento deram provas ao longo dos anos de uma cultura de livre circulação de conhecimento”.

O que salta aos olhos logo nestes três primeiro meses é a perda da consistência na informação.

Por exemplo, não se encontra mais menção às áreas prioritárias para conservação da biodiversidade. Os mapas e bases de dados que estavam no ar sumiram do site do Ministério do Meio Ambiente.

Na gestão de Bolsonaro a informação ambiental pode ter tratamento similar ao que ocorreu no EUA de Trump. Lá, páginas do governo e bases de dados que não são do interesse (ou ideologia) vigente vão lentamente desaparecendo.

Alguns exemplos: página de download de dados do Ministério do Meio Ambiente está parada, não há atualização. O Centro de Sensoriamento Remoto do Ibama até poucos dias estava fora do ar. Parecia que alguém havia esquecido de pagar a conta da hospedagem do site. Voltou ao ar, mas os dados que estão ali são bem antigos.

Por ora, as bases de dados sobre embargos e autuações do Ibama seguem acessíveis. Os registros voltam a 1980 e permitem ver muito bem quem já pagou ou deixou de pagar as multas por infração ambiental.  Os dados referentes às emissões de Documentos de Origem Florestal (DOF) que por anos ficaram guardados continuam completos e prontinhos para uma análise cuidadosa . O site de dados abertos do Ibama continua de pé

Mas obviamente existem caixas-pretas. E não são poucas. Menciono aqui aquela que no momento mais consternação me causa: os planos de manejo florestal aprovados pelos Estados.

Recentemente em uma viagem à Rondônia, foi simplesmente impossível obter estas informações juntos aos servidores da Secretaria de Desenvolvimento Ambiental (SEDAM). O cenário não é diferente no Pará e no Mato Grosso, os estados com maior desmatamento da Amazônia.

Esse cenário não foi causado por Bolsonaro ou Ricardo Salles, mas sim por governos anteriores que resolveram descentralizar a gestão florestal sem estruturar o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama). Mas quem sabe não sejam eles, os novos governantes, quem consigam mais transparência dos estados na gestão de nossas florestas.

As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.

 

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  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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Comentários 5

  1. Flávio Zen diz:

    Gustavo Faleiros, na boa! Sei que é dificil fazer jornalismo sem o compromisso militante de omitir informações e fabricar narrativas para influenciar o público, normalmente tratado como um especie de gado imbecil.
    Qual a razão da manchete: "Gestão Bolsonaro não piorou a transparência ambiental… Mas vai melhorar?" Pergunto: Em 100 dias de governo? O Não piorou é apenas para tirar qualquer crédito? Baseado em quê têm a duvida se vai melhorar? E os conteúdos que sairam dos sites? Teve o cuidado de perguntar a razão ou inferiu que há algo ilegal ou suspeito?
    Se há, porque coloca que "Gestão Bolsonaro não piorou a transparência ambiental"?
    Sugestão: Quando não houver nada para falar, não publique ou o adequado trabalho de jornalismo.


  2. Analista Ambiental diz:

    O sumiço das áreas prioritárias para conservação da biodiversidade do site não pode ser tratado como uma inconsistência de informação. É, na prática, uma revogação tácita do instrumento. Parece que o governo não quer ter o ônus formal de desacreditar um processo tecnicamente robusto, com a participação de centenas de especialistas, e que fundamenta ações de gerenciamento e planejamento ambiental em todo país.
    O governo foi eleito com uma mensagem claramente anti-ambientalista. Não faz sentido ficar em cima do muro, como o artigo tenta fazer. Concordo que a obscuridade da informação não foi inventada pelo governo Bolsonaro, mas não faz nenhum sentido passar pano e dar o benefício da dúvida a uma gestão claramente focada no desmonte da agenda de conservação.


    1. Flávio Zen diz:

      Olha, está supondo no padrão Gustavo Faleiros de subjornalismo militante! Se o brilhante jornalista tivesse feito jornalismo e não achismo, talvez sua conclusão fosse mais próxima da realidade do que apenas uma declaração opinativa. Complicado isso…


  3. Michelle diz:

    "Por exemplo, não se encontra mais menção às áreas prioritárias para conservação da biodiversidade. Os mapas e bases de dados que estavam no ar sumiram do site do Ministério do Meio Ambiente."
    Não da pra inferir que sumiram por ideologia como o autor cita posteriormente. Os mapas das áreas prioritárias é um trabalho muito mal feito, sem embasamento técnico consistente, que no fim das contas não serve pra nada.


  4. Wallace diz:

    O Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) pretende resolver esse problema de falta de transparência nos planos de manejo florestais. O Sinaflor integra o controle da origem da madeira, do carvão e de outros produtos ou subprodutos florestais, sob coordenação, fiscalização e regulamentação do Ibama. Dêem uma olhadinha no http://www.ibama.gov.br/flora-e-madeira/sinaflor