A Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) recentemente apresentaram a décima segunda edição do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, que inclui o mapeamento do território dos 17 Estados inseridos no Mapa da Área de Aplicação da Lei 11.428 de 2006, a Lei da Mata Atlântica.
O estudo aponta o desmatamento de 29.075 ha, ou 290 Km2, nos 17 Estados do bioma Mata Atlântica, representando aumento de 57,7% em relação ao período anterior (2014-2015). Há 10 anos não era registrado um desmatamento nessas proporções.
A Bahia liderou o desmatamento com decréscimo de 12.288 ha, o que representa alta de 207% em relação ao ano anterior, quando foram destruídos 3.997 ha. A vice-liderança nesse lamentável ranking do desmatamento ficou com Minas Gerais, com 7.410 ha desmatados, seguido por Paraná (3.453 ha) e Piauí (3.125 ha).
Esse cenário te surpreende?
No Paraná, os índices de desmatamento voltaram a subir pelo segundo ano consecutivo, passando de 1.988 ha destruídos entre 2014 e 2015 para 3.545 ha em 2015 a 2016, um aumento de 74%. No Estado, a destruição concentra-se na região da Floresta com Araucária, um dos ecossistemas associados à Mata Atlântica, onde vive a espécie ironicamente conhecida como “pinheiro-do-paraná” e que, desde a década de 1990, está ameaçada de extinção. A conversão da mata nativa em áreas de pastagens e silvicultura de espécies exóticas acelera a dilapidação desse patrimônio já tão comprometido.
Mas podemos, realmente, nos surpreender com esse cenário? Certamente que não. Basta uma breve análise da nossa ainda incipiente política ambiental para ver que o quadro é preocupante, contudo, altamente previsível. Tomamos, a título de exemplo, a forma como temos tratado nossas espécies ameaçadas de extinção, grande parte delas da Mata Atlântica. Analisemos a condição da araucária.
Um histórico de abuso e omissão pública
No início de 1992, a Sociedade Botânica do Brasil publicou o Centuria Plantarum Brasiliensium Exstintionis Minitata. Com base nesse trabalho, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) instituiu uma portaria em 15 de janeiro de 1992, listando 107 espécies da flora ameaçadas de extinção. Esse esforço se deu pela constatação de que a lista então existente – editada em 1968 pelo extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) – relacionava apenas 12 espécies, dentre as quais só uma arbórea. Na época, a araucária não constava em nenhuma das listas, afinal, não era do interesse do poder público considerar em extinção uma espécie que figurava como um dos principais itens de exportação num país que vivia a euforia de um “milagre” econômico.
Em abril de 1992, a partir da pressão de setores mais atentos aos abusos contra o patrimônio natural que estavam sendo cometidos, uma portaria do IBAMA incluiu a araucária na categoria “vulnerável”. Anos depois, com a edição da portaria do Ministério do Meio Ambiente (MMA) 443, de 2014, o governo federal atualizou a “Lista Oficial de Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção”. Só então que a araucária passou a figurar como espécie “Em Perigo”. Definia a portaria que “essas espécies ficam protegidas de modo integral, incluindo a proibição de coleta, corte, transporte, armazenamento, manejo, beneficiamento e comercialização”. Faltou dizer: “exceto no Paraná”, por que nesse Estado, a árvore continuou sendo o alvo preferido das motosserras. Além de afiadas, todas trabalhavam devidamente autorizadas pelo poder público.
A Araucária também foi o objeto predileto dos famigerados “Planos de Manejo Florestal Sustentável”, que defendiam a viabilidade do corte da árvore. Essa exploração violenta só cessou em 2001 com a intervenção do judiciário, a partir de decisão proferida em uma Ação Civil Pública movida por entidades conservacionistas.
Apesar da morosidade, em 2016, finalmente uma decisão judicial confirma a condenação do IBAMA pelo Superior Tribunal de Justiça, já que o mesmo IBAMA que reconhecia a araucária como espécie ameaçada de extinção não via problemas em prosseguir autorizando sua exploração insustentável e predatória.
Ecossistemas da Mata Atlântica, como a Floresta com Araucária, sofrem um abusivo ataque há mais de 500 anos, que agride e dilapida a biodiversidade, num processo histórico que conjuga desprezo e negação do natural, suportado por um Estado contraditório, relapso e conivente com a depredação da biodiversidade e do patrimônio cultural. E tudo sendo conduzido por um falso discurso que defende a insana e falaciosa ideia de “progresso”.
Nesse contexto, o aumento da degradação ambiental não surpreende. Surpreendente seria vermos a Lei da Mata Atlântica, aprovada em 22 de dezembro de 2006, sendo devidamente aplicada. É muito pedir isso?
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Artigo 7o da Lei nº 11.428/2006: “A proteção e a utilização do Bioma Mata Atlântica far-se-ão dentro de condições que assegurem: II – o estímulo à pesquisa, à difusão de tecnologias de manejo sustentável da vegetação e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de recuperação e manutenção dos ecossistemas; III – o fomento de atividades públicas e privadas compatíveis com a manutenção do equilíbrio ecológico”.
A falta de regulamentação da Lei da Mata Atlântica no sentido de restabelecer formas de manejo efetivamente sustentáveis, apresenta como consequências socioeconômicas a destruição de mercados e cadeias produtivas baseadas em espécies nativas; a premiação indireta dos cidadãos que desmataram e converteram o solo a outros usos; e a punição indireta dos cidadãos que conservaram seus remanescentes florestais, pois a estes coube apenas o ônus de manutenção desses remanescentes, sobre os quais são responsabilizados legalmente.
Obviamente, tais consequências provocam a desvalorização da biodiversidade nativa, tornando os remanescentes florestais algo indesejável, que deve ser removido para que a terra tenha valor.
O resultado disso é o aumento considerável da pressão pela conversão do uso do solo no domínio da Mata Atlântica, de forma semelhante ao que ocorre na Amazônia.
Veja mais detalhes e propostas para aumentar a cobertura florestal nativa no Brasil em:
PINTO, Gustavo Romeiro Mainardes. Estratégias para a Gestão Florestal Integrada no Brasil. Monografia apresentada ao III Prêmio Serviço Florestal Brasileiro em Estudos de Economia e Mercado Florestal. Brasília. 2016. Disponível em: http://www.florestal.gov.br/documentos/informacoe…
Na prática muitas vezes é difícil ver diferença do desmatamento ilegal para o desmatamento legal. O mínimo que os órgãos ambientais deveriam fazer é analisar as emissões de licenças como um todo e não sempre como algo isolado. Outra coisa, a Lei da Mata Atlântica prevê desmatamento em casos EXCEPCIONAIS e quando não há alternativa locacional e de forma específica; mas na prática virou rotina. Como o autor acima disse: é muito pedir que apliquem a lei?
Diagnóstico correto João.
Somente como lembrete, agora temos as "micro serraria portáteis", instalada com a maior facilidade em qualquer lugar. Comprar-se facilmente em qualquer agropecuária . Uma devastação silenciosa e rápida.
Controle destas? Com a palavra os Ibamas, Fatmas e afins deste Brasil.