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Lixo urbano, desafios e tecnologias

Enquanto a montanha de lixo cresce, o Brasil segue sem uma política de resíduos sólidos. Outros países têm exemplos práticos para se resolver o problema. Por aqui, falta ação.

3 de novembro de 2008 · 15 anos atrás
  • Carlos Gabaglia Penna

    Professor de Engenharia Ambiental da PUC-Rio, pós-graduado em Gerenciamento Ambiental pela Universidade de Tufts (EUA) e mest...

Lixão da Estrutural, em Brasília. Foto: Wilson Dias/ABr.

As grandes causas das problemáticas ambientais que ameaçam a qualidade de vida das pessoas são o crescimento demográfico e o da produção de bens e serviços, ou seja, da economia. Contudo, desde a primeira metade do Século XX, mais acentuadamente de meados deste século, as atividades econômicas crescem a taxas significativamente maiores do que as da população humana. Esse consumo material não acontece impunemente e suas consequências são óbvias.

A quantidade de resíduos sólidos urbanos (RSU), ou simplesmente lixo, encontrado no Planeta é de tal magnitude que um simples exemplo ilustra a lixeira a céu aberto em que se transformou o mundo: uma “sopa” de resíduos, predominantemente plásticos (em torno de 90%), foi recentemente descoberta flutuando no Oceano Pacífico, entre o Japão e os Estados Unidos. Com uma área possivelmente maior que a dos EUA continental, essa ilha de lixo tem aproximadamente 10 metros de espessura e, estima-se, cerca de 100 milhões de toneladas. Como somente a parte flutuante é visível, assusta imaginar a massa de lixo que repousa no fundo dos mares…

O volume de materiais permanentemente manejado pelo homem é fora do alcance da imaginação da maioria das pessoas. Por exemplo, o fluxo de materiais movidos pela economia dos países mais ricos variava, em 1996, entre 20 t/per capita/ano e 87 t/per capita/ano (EUA, o maior consumista de todos). Notem que esses números dizem respeito a cada cidadão desses países, em apenas um ano!

Menos de 10% da massa de materiais fica imobilizada em bens usados pelos humanos, o restante vira resíduos. No final da década de 1990, 200 milhões de toneladas de resíduos saíam dos países ricos para reprocessamento nos continentes mais pobres. Em 2005, apenas de material eletrônico, foram descartados mais de 45 milhões de toneladas no mundo inteiro, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

É óbvio que os custos sociais e ambientais das sociedade de consumo estão cada vez mais difíceis de serem ignorados. Já existe, contudo, tecnologias e métodos de tratamento que minimizam expressivamente os efeitos dessa extraordinária massa de resíduos. Vou abordar, agora, a forma como a Alemanha gerencia seus resíduos sólidos urbanos.

Em 1990, 87% do lixo recolhido nas cidades alemãs era destinado a aterros sanitários. Quatorze anos depois (2004), essa fração tinha sido reduzida à metade (44%). A diferença expressa a massa de resíduos que é reciclada (inorgânicos) e a parcela de rejeitos orgânicos que é tratada, inclusive para a geração de energia.

“O volume de materiais permanentemente manejado pelo homem é fora do alcance da imaginação da maioria das pessoas.”

Desde 2005, é proibida a disposição final de resíduos não-tratados no país. Nem mesmo um quilograma de RSU não-tratado é destinado aos aterros. Somente os restos da incineração e uma pequena porcentagem de materiais não aproveitados na reciclagem são encaminhados à disposição final.

Entre 1990 e 2002, o peso de lixo total gerado na Alemanha subiu em torno de 8%, mas em 2004 voltou ao nível de 1990. Nesse período, contudo, a economia do país cresceu 20,4%. De 1990 a 2005, a geração de lixo domiciliar e de sucata reduziu-se em 52,2% e a de lixo comercial em 72,4%. Nesse último ano, a quantidade de RSU destinada aos aterros sanitários foi um pouco acima de 9% (versus 78% em 1990). O restante dos resíduos de 2005 foi reciclado, inclusive o componente orgânico, tratado pelo sistema de “tratamento mecânico-biológico”, incinerado e co-incinerado.

Entre 1990 e 2006, a liberação total de gases tóxicos decorrente da incineração de lixo reduziu-se entre 83% e 99,9%, conforme o composto, embora a massa de resíduos incinerados tenha crescido 70% no período. Parte do calor produzido na incineração é utilizado para gerar energia elétrica e para aquecer residências. Na década de 1990, 85% do aquecimento de imóveis alemães decorria do uso de petróleo; em 2020 apenas 30% do aquecimento terá o petróleo como fonte energética.

O tratamento mecânico-biológico de resíduos combina o tratamento mecânico, principalmente a triagem mecânica dos resíduos, com o tratamento biológico da matéria orgânica (compostagem ou digestão anaeróbia, visando a estabilização do composto), o aproveitamento dos materiais não-orgânicos para reciclagem e dos subprodutos do tratamento biológico (biogás e adubo orgânico), e, sempre que possível, a valorização energética dos materiais não tratados.

Como a matéria orgânica é toda tratada, o volume de gases do efeito estufa (GEEs) liberado na atmosfera é, hoje em dia, inexistente. Em 1990, a gestão de RSU produziu, na Alemanha, quase 80 milhões de toneladas de GEEs; em 2005, esse balanço foi negativo, uma vez que o consumo energético do biogás poupou o uso de combustíveis fósseis.

Como se vê, há um enorme espaço para a melhoria do quase incipiente sistema de gestão de lixo no Brasil. Essas tecnologias estão disponíveis e são praticamente gratuitas. Além da sua importância econômica, através do (re)aproveitamento de materiais e da geração de energia, a gestão correta de RSU é igualmente importante do ponto de vista social, pela oferta de empregos, pois é uma atividade altamente demandadora de mão-de-obra, e pelos claros benefícios à saúde pública. Isso sem considerar os insofismáveis ganhos ambientais, paisagísticos e da economia de espaços para a formação de aterros sanitários.

Está na hora do Brasil dar a devida importância aos graves problemas do lixo nos meios urbano e também rural.

*Editado às 01h06, do dia 24/04/2019, para melhoria da diagramação e recorte de fotografias. O texto não foi alterado.

 

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