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O impacto ambiental do governo Lula II

Há um ano, estreando como colunista do O Eco, fiz um diagnóstico negativo da política ambiental do governo. Hoje, vejo que subestimei sua capacidade destrutiva.

20 de outubro de 2005 · 19 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Meu primeiro artigo escrito para O Eco, há pouco mais de um ano, teve este mesmo título e eu já ressaltava os projetos ou atitudes do governo que estavam refletindo em impactos negativos para o meio ambiente. Àquela altura, assustada com o rumo da política ambiental do Brasil, já dava para perceber que o assunto ia de mal a pior. Mas, mesmo assim, devo afiançar que subestimei a capacidade do governo como um todo, bem como de muitos governos estaduais de destruírem o que de bom na área ambiental se tinha conseguido no país.

Mais um ano se passou e quem trabalhou a vida toda na área, além de ficar boquiaberto com a desfaçatez com que o assunto é tratado, pode antever o quão árduo vai ser tentar recuperar o que foi destruído, degradado ou degenerado. Quantos recursos e tempo serão necessários, se alguém vai realmente querer começar de novo ou reparar o desastre?

É até difícil listar tudo de ruim que vem acontecendo e, pior ainda, é tentar priorizar a vasta lista de atentados ao meio ambiente. Desde os grandes incêndios florestais, o abandono dos Parques Nacionais e demais áreas protegidas, a transposição do rio São Francisco, até as leis defendidas pelo Executivo com forte pressão que, por não aportarem nada de novo, cheiram a busca de facilidades para certos setores ou pessoas.

As taxas de desmatamento e incêndios florestais foram recordes e a tal ponto danosas que sequer podemos inferir ou calcular o seu prejuízo para a biodiversidade, recursos hídricos, os índices pluviométricos e o efeito estufa, ou aquecimento global. E quem vai pagar esta conta? Pior ainda, quem vai sofrer as conseqüências ou quem já está sofrendo? As evidências encontradas todos os dias na mídia parece que sequer preocupam os políticos e autoridades do país. Fala-se com até certo desdém: queimou-se uma área do tamanho do Estado de Rio Grande do Norte. Para quê? Para plantar soja ou colocar gado, que certamente enriquecem uns poucos e dão alguns empregos, mas, em contrapartida tiram de muitos água, peixes, fauna silvestre, oportunidades de ecoturismo e trarão climas piores com o agravamento do efeito estufa, menos chuvas, mais pobreza. Parece até que os responsáveis não têm filhos ou netos e não se preocupam com as condições em que os mesmos terão de viver.

Conama

Seguramente outra grande ameaça é a perda constante e rápida da nossa biodiversidade, a maior do mundo, a mesma que a própria agricultura tanto precisa, bem como a biomedicina e muitas outras atividades ou ciências. Os Parques Nacionais estão abandonados, sem recursos (passou-se de cerca de 20 milhões de dólares anuais, na última década, para quase nada na atualidade), sem manejo, sem recursos humanos e sem que nosso povo perceba sequer sua utilidade e importância. A exemplo dos Parques, estão na mesma péssima situação as outras áreas protegidas onde o uso direto dos recursos naturais é proibido. O governo cria então uma enorme quantidade de “unidades de conservação” como Reservas Extrativistas, Reservas de Desenvolvimento Sustentável, Florestas Nacionais e, ainda pior, Áreas de Proteção Ambiental, com uso direto dos recursos naturais ou com qualquer uso, só para inglês ver. Também, não as implementa, mas deixa que as populações tradicionais acreditem que algo de bom vai acontecer. E, ainda, as usa para limpar a barra ao longo de estradas que vêm causando enormes danos como a BR-163 que vai de Cuiabá (MT) a Santarém (PA). Nestes dias já se confirma que as unidades de conservação de uso direto poderão ser criadas ao longo da BR-163, mas que o Parque Nacional proposto não sairá, como eu já dissera em outra coluna de O Eco.

Este governo criou somente um Parque Nacional, como consta na lista ora disponível no site do Ibama ou do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Não consta nenhuma Estação Ecológica e apenas uma Reserva Biológica, que são as áreas protegidas ou unidades de conservação de uso indireto dos recursos naturais, ou seja, as mais importantes e fundamentais para a conservação da biodiversidade. Em contrapartida, foram estabelecidas quatro Reservas Extrativistas e três Florestas Nacionais. Assim o Brasil continua celeremente criando áreas protegidas que não são verdadeiras unidades de conservação, pois o uso dos recursos naturais nelas é facultado por lei. Pior ainda é que estão à deriva, sem funcionários, sem recursos, sem uso. No momento 25,58% das unidades de conservação estabelecidas por lei pertencem à categoria de Floresta Nacional versus 20,54% de Parques Nacionais. Depois, a maior percentagem (como é esperado neste governo com este ministério) é de Reservas Extrativistas com honrosos 13,56%.

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) perdeu sua aura de instituição séria onde os assuntos mais importantes e polêmicos da área ambiental eram decididos. Desde a autorização de pneus usados, contra uma resolução do órgão, sua efetividade foi posta à prova. A resolução sobre as famosas Áreas de Preservação Permanente (APPs) abre uma série de facilidades para se destruir matas ciliares, nascentes, topos de morros, entorno de corpos de água, mangues e restingas, com o pretexto de interesse social ou utilidade pública. As conseqüências são para lá de previsíveis: inundações, assoreamento dos leitos dos rios e demais corpos de água, erosão, desmoronamentos, diminuição de água potável, perda de biodiversidade, mais doenças e pobreza. Mesmo a famosa transposição do rio São Francisco, atacada por muitos especialistas e pelo próprio Comitê da Bacia, não foi devidamente rechaçada pelo Conama. Onde ficam, neste afã de construírem-se obras de infra-estrutura, os comitês de bacia hidrográfica, ou ainda mais importante, onde estão funcionando?

O repasse das responsabilidades de fiscalização e licenciamento de atividades florestais e ambientais pelo MMA ao governo de Mato Grosso, que já demonstrou a que veio, é no mínimo desanimador.

Biopirataria

Os programas com financiamento internacional do BID ou BIRD foram totalmente abandonados ou estão estáticos, como o do Pantanal, Proecotur, o do Fundo Nacional do Meio Ambiente, o PNMA e o PPG7. São milhões ou bilhões de dólares para a área ambiental, que foram perdidos, após anos ou décadas de negociações. Onde foram aplicados os recursos de 1 bilhão de dólares do BIRD, para que o Brasil se comportasse bem na área ambiental?

E seguem as liberações de licenças para a construção de hidroelétricas por toda a parte, sem o necessário zelo com os aspectos sociais e ambientais. Construir grandes obras significa movimentar vultosas quantias e votos para o próximo round eleitoral.

E o governo luta desbragadamente para passar o PL de concessões florestais com o argumento que só uma nova lei vai resolver as mazelas da Amazônia. Como, sem fiscalização adequada e recursos necessários? Ao mesmo tempo se aprovam leis encaminhadas pelo Executivo, que na prática vão ser inócuas, mas que na aparência parece que vão impedir os “ladrões de nossa biodiversidade” do crime de biopirataria. Esta mesma biodiversidade que é comida pelos incêndios ou pelos correntões da soja, com o beneplácito do próprio e mesmo governo. Na verdade, o que têm conseguido é afastar pesquisas e cientistas de seu fundamental trabalho.

Além do mais lá vamos nós com o mesmo comportamento imperialista, tão combatido no passado pelo governo do PT, fazer obras de infra-estrutura em países vizinhos, como Equador, Peru e Bolívia, sem os mais primários cuidados ambientais, poluindo e destruindo até áreas de Parques Nacionais.

A lista, como já falado é tão extensa que não pode ser feita em uma simples coluna, mas fato é que o abandono da causa ambiental por este governo vai ser sentido por todos os brasileiros por muitas décadas, no bolso e na qualidade de vida.

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