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É a política…

Um ensaio agita, como um furacão, o ambientalismo no EUA. Diz que o ambientalismo morreu e deixou a extrema-direita dominar o debate sobre aquecimento global.

18 de fevereiro de 2005 · 20 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Um ensaio está agitando, como um furacão o ambientalismo nos Estados Unidos. Ele não faz por menos: decreta que o ambientalismo morreu, vítima de seus erros, de sua visão estreita e de sua ineficácia. E proclama que, para enfrentar o aquecimento global, precisamos passar ao pós-ambientalismo. O furacão crítico provocou respostas iradas. Não era para menos. Os autores exageraram nas ênfases e nos termos com que criticaram o ambientalismo e fizeram mais adversários que aliados. Mas eles fazem vários pontos relevantes e corretos a respeito do fracasso na luta contra o aquecimento global, nos EUA, e sobre a maneira ultrapassada pela qual os ambientalistas advogam seus pontos de vista. Persuadir, não persuadiram, mas criar um acalorado debate que força um exame autocrítico do ambientalismo, eles criaram.

O ensaio se chama “A Morte do Ambientalismo: A Política do Aquecimento Global em um Mundo Pós-ambiental” foi escrito por Michael Schellenberger e Ted Nordhaus e apresentado à reunião anual da Associação dos Financiadores Ambientais (Environmental Grantmakers Association), uma espécie de associação das Ongs financeiras ambientais. Difícil encontrar melhor ambiente para chocar o mundo ambientalista com a declaração de sua morte e da causa mortis. Ambos são marqueteiros profissionais e têm folha de serviços na área ambiental. O ponto central de seu argumento é que o ambientalismo conceitua de forma equivocada o ambiente e, ao vê-lo como uma “coisa”, perde a visão sistêmica, não consegue associá-lo a valores fundamentais da sociedade estadunidense, nem logra formar as alianças amplas e poderosas que precisam para fazer diferença na política. Preferem a técnica à política, a razão científica à ética dos valores. Enquanto isso, dizem, a extrema-direita arrasa os quarteirões da política estadunidense, tornando-se hegemônica, exatamente porque politiza tudo, refere todos os temas a uma estreita ética de valores pátrios e defende uma estratégia geral de ação, ao invés de um pacote de medidas para cada questão que julgam relevante.

Eles afirmam não pretender acabar com a militância ambiental, mas reconceituá-la radicalmente, à luz de uma avaliação realista de seu desempenho efetivo nos últimos 30 anos. A epígrafe de Jann Arden que abre a nota introdutória do ensaio tem o propósito de sintetizar essa idéia: “não pensar em morrer é não pensar em viver”. Convenhamos, serve para qualquer coisa.

Eles conversaram com 25 importantes lideranças do ambientalismo dos EUA e chegaram à conclusão de que quase todos incorriam nos mesmos erros. Dão importância demais às políticas, sem cuidar do processo político da qual dependem para ser viáveis. Ao “coisificar” o ambiente, adotam uma atitude tecnicista, superfocalizada, que reduz o ambientalismo ao status de um grupo de interesse especial, como tantos outros. Se estivessem no Congresso brasileiro, diriam uma bancada ambientalista, no mesmo plano das bancadas ruralista e evangélica. Qual o problema? É que os grupos de pressão são eficazes para vencer batalhas políticas em torno de temas específicos e delimitados, mas impotentes para lidar com problemas de natureza sistêmica, abrangente ou global. Portanto, como grupo de interesse, o ambientalismo é capaz de influenciar a aprovação de leis que regulam questões específicas – ar limpo, água limpa, proteção de animais silvestres – mas fracassa ao lidar com questões como o aquecimento global.

A situação política também mudou. A extrema direita conseguiu deslocar o centro de gravitação ideológica nos EUA em sua direção, insistindo numa disputa em torno de valores e não de políticas. Venceu e está se tornando hegemônica. O EUA é “um país brutalmente mais direitista do que era há três décadas. A dominação da política americana pela extrema-direita é o obstáculo central a que se consiga lograr ações efetivas em relação ao aquecimento global”, escrevem. Pesquisa de opinião pública com 1500 cidadãos do EUA, da empresa Environics, mostrou que cresceu de 17% para 26%, entre 1996 e 2000, o percentual daqueles que concordam que “para preservar o emprego das pessoas será preciso aceitar índices mais elevados de poluição no futuro”. A idéia de que os ambientalistas são extremistas, pessoas pouco razoáveis, foi aprovada por 41%, em 2000, contra 32%, em 1996. A conclusão dos dois é que “para a vasta maioria dos americanos, o ambiente nunca está na lista dos 10 problemas que mais os preocupam. A proteção do ambiente tem o apoio de ampla maioria – apenas não apóiam muito fortemente”.

O ambientalismo precisa mudar, para enfrentar os problemas de hoje, que são gerais, sistêmicos, globais. Para isso talvez precise morrer, para que nasça um novo ambientalismo. É essa defesa do neo-ambientalismo, que metaforicamente teria que nascer das cinzas do ambientalismo atual, que criou as maiores reações. Embora quase todos os críticos do ensaio concordem com seus pontos mais importantes, são também unânimes em dizer que a argumentação é “injusto, confuso e divisivo”, como definiu, Carl Pope diretor executivo do Sierra Club, uma das organizações ambientalistas de maior prestígio no país. Para ele, os dois autores empantanaram a discussão e tornaram ainda mais difícil a tarefa de conceber um conjunto abrangente e efetivo de estratégias para lidar com os desafios ambientais de hoje. Schellenberger e Nordhaus repetem várias vezes que é necessário reenquadrar conceitualmente as teses ambientalistas, para que elas ganhem as mentes e corações da maioria, que é mais conservadora agora. As estratégias e a comunicação estratégica do ambientalismo estão erradas, dizem eles, e por isso o movimento não consegue mais as vitórias que obteve no passado. Pela reação irada que provocaram em quem queriam persuadir, tudo indica que eles também erraram na estratégia de comunicação. É o que afirma Carl Pope. Para ele, se o ensaio oferecesse um caminho para o avanço do movimento, claro e construtivo, as contradições internas da análise teriam menos importância. “Mas, ao invés do quê fazer, estão apenas dizendo quem pode fazer: eles mesmos”.

A forma que escolheram para chamar atenção gerou revolta, reações defensivas e desconfiança. Mau negócio para quem vive de consultoria na área de estratégias de ação e comunicação. Mesmo um crítico amigável, que se sentiu tratado com justiça pelos autores, como o diretor do Sierra Club, diz que muita gente acha que, ao fazerem essas críticas em uma platéia de financiadores estavam apenas advogando em causa própria tipo: “financiem a gente, não eles”.

Apesar de tudo, eles têm razão em muita coisa. Independentemente da discussão sobre se o movimento ambientalista deve ou não ser substituído por um movimento progressista mais amplo. Em entrevista à revista Grist, após a reação crítica pesada que sofreram, Schellenberger diz que se considera um progressista, não um ambientalista. Mas, por outro lado, reconceitualiza a metáfora da morte do ambientalismo. Perguntado se eles queriam dizer que todas as organizações ambientalistas deveriam ser fechadas ou se elas deveriam apenas reorientar a direção de suas estratégias, ele diz: “nenhuma das duas coisas. Precisamos criar um conjunto diferente de instituições, e, ao mesmo tempo, não apenas reorientar, mas transformar as instituições hoje existentes em algo mais poderoso.” Não é para fechar as grandes organizações ambientalistas, diz, “é para atualizar, para dar mais relevância, à identidade ambientalista. O que precisa morrer é uma particular concepção do que é o ambientalismo e de como a pressão e as campanhas ambientalistas são organizadas e postas em prática”.

Talvez o ponto mais fraco do argumento seja o que procura associar os retrocessos no campo do aquecimento global nos EUA às características deficientes do ambientalismo atual. Está claro que o aquecimento global é diferente dos problemas que foram enfrentados com sucesso até agora, como por exemplo, o uso de CFCs ou a poluição que gera chuva ácida. O esforço de reduzir a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera atinge o próprio coração dos modos de produção e consumo vigentes. Portanto é uma luta política, econômica e social. Não adianta obter ganhos incrementais, no consumo de combustíveis fósseis, no uso de energia eólica ou no aumento do seqüestro incentivado de carbono. O Protocolo de Quioto não é uma reposta à altura da magnitude do problema. Todos os importantes ambientalistas dos EUA concordam que o aquecimento global é um problema mais amplo, abstrato e distante, mais difícil de sensibilizar a opinião pública, que permite desmentidos críveis – como vem fazendo o governo Bush e os comentaristas ambientais da extrema-direita – e requer mudanças econômicas de muito mais amplo escopo. Não dá para falar a sério de enfrentamento efetivo do aquecimento global, sem imaginar uma nova ordem econômica, que supere a “economia do petróleo”.

Frances Beinecke, do Natural Resources Defense Council, outra voz crítica ácida do ensaio, diz que concorda com o ponto sobre aquecimento global: “é uma macroquestão, que requer uma reposta em larga escala, um novo tipo de estratégia e nós não temos sido eficazes até agora em obter políticas públicas adequadas”. Mas discorda sobre não ter havido avanço algum: “em escala global, empresarial, no EUA e fora, em Capitol Hill, o clima é, hoje, um tema mais presente, óbvio e inevitável, do que há cinco anos atrás. Nós estivemos lá, a cada rodada, forçando para que fosse posto na mesa”.

Schellenberger e Nordhaus afirmam que o ponto não é apenas que o aquecimento global tem muitas causas, mas também “que as soluções com que sonhamos dependem de como estruturamos o problema”. Na sua visão, a maneira pela qual o ambientalismo vem expondo o tema está errada. Ela não ganha adeptos, nem ameaça a população. É preciso apresentar as políticas como algo que cria novas oportunidades para as pessoas e não como algo que fecha indústrias e reduz emprego. Ao invés de enfatizar “regulações do tipo comando-e-controle”, ponham maior ênfase na necessidade de mais investimentos públicos e privados. Para eles, o foco no investimento, representa uma nova linha para o ambientalismo. No passado, o ambientalismo se estruturou, primeiro, em torno da conservação. Em seguida, da regulação. Agora é a hora do investimento. Nesse sentido, ao contrário do que pensam os dois, Quioto pode ser, na verdade, um primeiro passo.

Sobretudo no contexto da chamada “nova economia” digital, que destrói milhões de empregos, antes de criar novas frentes de trabalho, o pânico do desemprego domina o mundo. Campanhas ambientalistas que ameacem o emprego têm mais chance de provocar a rejeição do público, quando precisam ganhar a maioria da opinião pública, antes, para poder avançar no campo política. Nesse sentido, defendem que se trata de uma “guerra cultural” e se o ambientalismo não propuser um conjunto de valores que seja competitivo àquele conjunto que deu a hegemonia moral e política à extrema-direita, vai fracassar mais fragorosamente ainda.

No plano global, dizem, a ameaça de carbono representada pela China, que cresce vertiginosamente, e de outros países emergentes, como Índia, Rússia e África do Sul, requer uma estratégia que tem a ver com uma série de políticas que não são consideradas ambientais pelo ambientalismo, da política industrial à política comercial. “O desafio dos ambientalistas não é apenas conseguir que o EUA reforme dramaticamente sua estratégia energética, mas também que ajude os países em desenvolvimento… a fazer o mesmo. Isso significa que os grupos ambientalistas terão que advogar acordos comerciais éticos e joint-ventures em que ambos os lados ganhem”.

Os dois não são amadores e militam há mais de uma década no ambientalismo. Erraram na estratégia de comunicação, o que é uma curiosa falha em se tratando de quem se trata. Schellenberger é antropólogo, fluente em português e presidente da Lumina Strategies, uma empresa de consultoria política, especializada em desenvolver estratégias para fundações, organizações e candidatos. Escreveu sua tese de mestrado sobre o MST no Maranhão. Também é diretor executivo do think tank “progressista”, Breakthrough Institute. É, também, co-fundador da Business Ethics Network, que organizou uma campanha nacional para responsabilizar a Wal-Mart por suas práticas trabalhistas e ambientais. Em 1996, deu publicidade, por meio da Communication Works, da Califórnia, à demanda dos trabalhadores da Nike contra a Global Exchange. Ele coordenou a comunicação estratégica da campanha para proteger a floresta de sequóias de Headwaters e, em 1997, ajudou a derrotar iniciativa do Executivo federal que ampliaria a prisão de crianças em presídios para adultos. Nordhaus, formado em história pela Universidade da Califórnia, Berkeley, é vice-presidente de uma importante empresa de opinião pública dos EUA, a Evans/McDonough, e se especializou em desenhar iniciativas estratégicas para empresas e reconceituar velhos debates de maneira que dêem mais influência a seus clientes. Seu foco de pesquisa de opinião tem sido uso da terra e questões ligadas aos transportes. É consultor do programa Alameda County Safe Passages, que se destina a manter jovens na escola e longe de complicações, a Alameda County Waste Management Authority, e a San Francisco Water Transit Authority.

Muitas das críticas que fazem ao ambientalismo no Eua valem para nós. Disputas faccionais, por exemplo, que enfraquecem o movimento, que se perde em competições internas por prestígio, recursos e espaço, enquanto as outras forças avançam e bloqueiam as iniciativas ambientais. A despolitização da questão ambiental produz uma agenda fracionada e segmentada e o que entra nela, porque é considerado “ambiental”, e o que não entra é definido arbitrariamente. Estratégias erradas de comunicação ou falta absoluta de estratégias. Ausência de planos estratégicos de ação. Foco no curto prazo, sem por a devida ênfase nas estratégias de longo prazo e em soluções estruturais. Para perder a pecha de excêntricos a agitadores, os ambientalistas se tornaram tecnicistas, voltados para políticas públicas focadas e perderam a visão de conjunto e das conexões sistêmicas das questões ambientais com os “outros temas”. O que eles insinuam, muitas vezes, é que o ambientalismo perdeu o charme, a utopia e, sem eles, não conquistará a opinião pública e perderá para os contra-ambientalistas.

Insistem, também, com razão, que as alianças que os ambientalistas têm feito, na sua maioria, ou não são amplas o suficiente para ganhar, ou são feitas com as forças sociais erradas. Não aumentam o poder de pressão do movimento, reduzem. Com a hegemonia absoluta do capitalismo global, é claro que, se não ganhar aliados no meio do grande capital e do sindicalismo de massa, não há como avançar. E para fazer isto, é preciso ter estratégias que “vendam” suas teses de modo que essas forças queiram “comprá-las”.

Parece claro, por exemplo, que, se a aliança contra o desmatamento da Amazônia não contar com o apoio de grandes pecuaristas, “sojeiros” e madeireiros, preocupados em reduzir o risco de barreiras ambientalistas nos seus mercados estrangeiros e dispostos a respeitar regras ambientais, não há muita chance de avanço real. A aliança política contra-ambientalista no Brasil, hoje, é muito mais poderosa do que seria, se as estratégias adequadas estivessem sendo postas em prática. Se as demandas ambientais são vistas como contrárias ao progresso, serão rejeitadas e as preferências recairão na idéia de que é preferível devastação com progresso, a preservação com estagnação.

O caso da Amazônia nem se compara ao do aquecimento global. Mas, a estratégia usada contra o desmatamento, até hoje, está claramente errada também. Primeiro, porque ele é invisível para a opinião pública do “sul”. Segundo, porque tem sido enfrentado de forma segmentada. Não se trata de desmatamento, trata-se de um conjunto articulado de crimes e transgressões que une grilagem, prostituição infantil, trabalho escravo, banditismo, lavagem de dinheiro, contrabando e corrupção. Portanto, não basta, mesmo, criar reservas, nem ações exclusivamente de vigilância e punição. O ambientalismo brasileiro é dramaticamente carente de boas estratégias de ação e comunicação.

Além disso, há uma tese mais geral no texto de Schellenberger e Nordhaus, que se aplica integralmente ao Brasil. Se adotarmos uma visão sistêmica correta, se chegarmos a uma conceituação abrangente dos problemas estruturais que estão na raiz das principais questões ambientais no Brasil, chegaremos aos macrodesafios que ameaçam nosso futuro, em todos os campos, não apenas no campo ambiental. Não farei uma lista exaustiva, mas vou mencionar cinco questões, que afetam a causa ambiental, no Brasil, da mesma maneira que afetam nossa deficiência educacional, científica e tecnológica, entre outras.

Primeiro, a crise fiscal do estado, sobre a qual já falei aqui. O estado gasta muito e mal. Não consegue manter, quanto mais ampliar as ações essenciais, que não podem ou não devem ser transferidas ao mercado. Parte significativa do gasto público financia ou incentiva atividades que contribuem para agravar problemas sistêmicos, como os danos ao meio ambiente derivados de ação econômica desregrada e predatória. Contribui para a concentração da renda, espacial e funcional, com gastos altamente regressivos. Precisa fazer continuado superávit primário (e nominal), a longo prazo, enquanto setores essenciais vivem em situação de penúria. Sem uma reforma radical de nossas práticas orçamentárias, da estrutura e lógica do gasto público e da estrutura tributária, nenhuma prioridade é real, nenhuma política viável, nenhuma ação efetiva.

Segundo, uma verdadeira reforma fiscal e tributária, não é possível, se não se basear em uma revisão institucional profunda de nosso regime federativo. Para descentralizá-lo e não para concentrá-lo mais. O problema do federalismo brasileiro está na hegemonia da União e não no que os estados podem fazer.

Terceiro, a reforma federativa é condição necessária, mas não suficiente, para a descentralização da atividade econômica, que permita o desenvolvimento mais equilibrado de todas as unidades da federação, segundo suas vocações e aspirações. A reforma fiscal e tributária é outra condição necessária, mas não suficiente, da descentralização econômica, porque esta não é possível, sem uma adequada estrutura de incentivos e sem investimento público em certas áreas em que não há, ainda, atratividade para o investimento privado.

Quarto, além dessas reformas, o país precisa de uma ampla reforma de sua estrutura legal, institucional e judiciária, de modo que a lei seja corretamente definida, legitimamente criada e aplicada e tenha força. Que “pegue”, porque, ademais de legítima, está apoiada em instituições estáveis, igualmente legítimas e eficazes, e assegurada por um aparato judiciário e repressivo, que garante a punição equânime de todo tipo de transgressor, grande e pequeno.

Quinto, a própria viabilidade dessas reformas pressupõe um sistema de governança amplamente democrático, suficientemente formalizado, institucionalizado e transparente, de modo a evitar as “soluções informais”, os compromissos de corredor e a alienação da opinião pública do processo decisório. Imprensa livre e plena publicidade do processo político são condições necessárias a que se implante um sistema de governança dessa natureza. A reforma política que se insiste em aprovar, sem sucesso, é tópica, voltada para os sintomas, por isso mexe na legislação eleitoral, que é um epifenômeno. É moralista, cuida mais de punir quem não segue o partido ou a reduzir o escopo de escolha do eleitor, eliminando a proporcionalidade do voto, do que das causas que instalam o paroquialismo fisiológico e a amorfia partidária na Praça dos Três Poderes, em Brasília. O que se deveria buscar é uma reforma estrutural, que dê mais voz à opinião pública e retorne o paroquialismo ao local onde é legítimo e necessário. Pra fazer isto, seria necessário descentralizar a política brasileira, dando mais poder decisório e autonomia financeira às instâncias federativas. Esse movimento permitira redefinir estrategicamente o papel das instituições legislativas nacionais, fixando o escopo de sua legislação nas temáticas efetivamente nacionais, como as de política e comércio exterior, de segurança nacional, de macroregulação e de preservação do patrimônio ambiental nacional.

Fora da estrutura partidária, pode-se democratizar e tornar reais e efetivas as consultas públicas. Criar mecanismos institucionalizados para o contencioso entre as partes, no quadro das agências reguladoras. Da mesma forma a revisão constitucional deveria estabelecer competência definida e ampla, no seu escopo, para a ação do Supremo, estritamente voltada para as questões constitucionais e institucionais. Essa reforma implicaria, também, “desconstitucionalizar” a maior parte das questões hoje na Constituição, mas que pertencem, de fato e de bom direito, à legislação ordinária, dita infraconstitucional. Ao mesmo tempo, parte considerável dessa legislação infraconstitucional, hoje atribuída à União, deveria ser devolvida aos estados, eliminando-se ao máximo possível as áreas de “competência concorrente”, fonte de confusão, omissão e erro. Haverá quem grite “loucura!”, entregar essas prerrogativas às assembléias estaduais e à justiça local? Mas a questão é que as assembléias são o que são e a justiça local é o que é, porque esvaziadas de poder. Mais poderosas, suscitarão maior interesse das forças sociais e serão compelidas a ter melhor comportamento. E são mais fáceis de submeter ao controle social, que as instâncias federais, em Brasília, isoladas do povo. Da mesma forma, o deputado federal será esvaziado dos meios para praticar o paroquialismo fiscal, pelas reformas política e fiscal e, portanto, muita gente deixará de desejar o cargo.

São exercícios desse tipo, naturalmente polêmicos e abertamente utópicos, que Schellenberger e Nordhaus parecem estar a advogar. O ponto central é que problemas sistêmicos e estruturais não têm solução boa que não seja igualmente sistêmica e estrutural. Nesse sentido, a advocacia que questões definidas como exclusivamente ambientais, além de não ter a força suficiente e não criar o consenso necessário à sua solução, termina por propor alternativas que não são efetivas. Não adianta criar cotas de emissão de carbono ou cercar a floresta amazônica de reservas fechadas, se não há condições políticas, econômicas e sociais, para fazer valer essas medidas. Creio que a mensagem é que megaproblemas demandam ousadia nas respostas, o que não se confunde com extremismos fundamentalistas. A magnitude das soluções deve ser proporcional à dos problemas. Ousadia de propor medidas de grande alcance e de tentar demonstrar sempre, que as soluções de compromisso não fazem mais que adiar o desastre.

Hoje em dia, quando alguém parece utópico, a tendência é considerar essa pessoa niilista ou exageradamente ambiciosa. Há um encurtamento das aspirações, uma tolerância excessiva com o desempenho deficiente, uma premissa hiperrealista da fraqueza política das causas de grande fôlego e da impotência das forças do bem, diante das hostes do mal, que estiola a criatividade, empobrece o pensamento e imobiliza a militância. Acho que é este tipo de coisa que Schellenberger e Nordhaus querem matar. Se for isso, me inscrevo para o pelotão de execução.

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