O ano começou com nova mortandade de peixes nas lagoas do Rio. Recolheu-se 17,5 toneladas dos coitados na Lagoa Rodrigo de Freitas; outras 10 foram retiradas da lagoa de Marapendi, na Barra da Tijuca. Eu adoraria que isso tivesse acontecido na época do Natal, para deixar mais claro que aquela árvore meio pomposa, completamente cafona, estava boiando em cima de lixo.
A Superintendência Estadual de Rios e Lagoas atribuiu o novo massacre de peixes ao aquecimento da água provocado pelas altas temperaturas do verão. O que mais me arrepia os cabelos é ouvir comentários que tratam da morte dos peixinhos como se ela fosse um fato isolado, uma fatalidade que acontece todo ano. As savelhas são peixes sensíveis, que funcionam como um tipo de termômetro da qualidade da água.
São as primeiras a morrer quando ocorre qualquer tipo de desequilíbrio mais grave no ecossistema. No fundo, o clima foi apenas a gota d’água. O ambiente da Lagoa foi afetado de modo irreversível há muito tempo. As savelhas até conseguiram se adaptar ao poço de merda em que aquilo se transformou. Agora, merda com calor carioca, nem a pobre da savelha agüenta.
Me impressiona mesmo é como o ser humano agüenta. Será que somos mais adaptáveis que as savelhas? Todos os dias, centenas de pessoas passeiam seus narizes e olhos pela orla da Lagoa Rodrigo de Freitas, uma das mais nobres áreas do Rio. Ninguém parece se importar com a imundice, desde que o cheiro não incomode muito e a sujeira não esteja na cara das nossas córneas. Quando morrem aos montes, os peixes, formando aquele tapete prateado e podre na superfície, denunciam essa nossa estranhíssima atitude.
Por alguns dias, as pessoas comentam o assunto, sentem pena dos peixinhos e param de andar em volta da Lagoa. Não por respeito aos mortos mas sim pelo mal estar causado pelo lixo à tona. Depois, passa. Afinal, o que o olho não vê e o olfato não capta nosso coração raramente sente. Meio ambiente, para boa parte dos humanos, não passa de uma noção estética (paisagem). Já escrevi isso antes – quando falei que ir à praia no Rio era coisa para quem gostava de rolar na merda.
No verão, os cariocas levam esse hábito de se transformarem em rola-bostas – aquele besourinho que precisa das fezes alheias para viver – ao seu auge. As praias do Rio recebem aproximadamente 900 mil pessoas. É uma multidão superior a toda a população da cidade em 1900, quando Copacabana era uma distante vila de pescadores e ir à praia era um passeio exótico. Acontece que praias não se reproduzem de acordo com a demanda. E pressão. A quantidade de lixo gerada por essa massa põe em risco o tempo de vida útil da orla carioca.
Os problemas causados pelo acúmulo de resíduos sólidos, em especial plásticos, são preocupantes. A diversão mais barata do país, custa caro. Fora o que se gasta para limpar as praias num final de domingo, o lixo traz riscos para a fauna marinha. Garrafas e outros recipientes podem aprisionar pequenos animais marinhos. Plástico e isopor podem ser confundidos com alimento e ingeridos por peixes, aves ou mamíferos, que quase sempre morrem, em geral por obstrução do aparelho digestivo.
A fauna humana também é vítima de sua própria displicência. De acordo com a Comlurb, o que mais ameaça a saúde dos banhistas, além das línguas negras, que são aqueles extravasamentos de águas poluídas que se acumulam na areia, é a presença de animais nas praias. Os cachorros, levados por seus donos, usam a areia da praia como toalete. As pombas, que chegam até lá sozinhas, buscam restos de alimentos deixados por quem freqüenta o local. As conseqüências da areia poluída são doenças de pele, como micoses, a conjuntivite e verminoses.
No entanto, para a maioria dos freqüentadores da praia, o que importa é a estética. Se toda a sujeira estiver enterrada debaixo da areia e os animais marinhos (já mortos) não estiverem boiando, tá tudo certo. Se não der para esconder a sujeira debaixo do tapete, o bando migra para as praias mais selvagens. Tem sido assim há anos. Vamos estragando e deixando as praias piores para trás. Baía de Guanabara já foi praia bem freqüentada. Hoje, o carioca está prestes a abandonar as praias da Zona Sul.
Um dia a sujeira que a gente larga na água e na areia vai chegar a Grumari e aí, sem querer fazer verso, não teremos para onde ir. Como maus rola-bostas, teremos acabado com as fezes.
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