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Precisa-se: um milagre

Na corrida para substituir o petróleo, cientistas defendem a energia nuclear como fonte ambientalmente correta. Mas ela gera mais desconfiança do que certezas.

20 de junho de 2005 · 19 anos atrás

O assunto causa arrepios em muito ambientalista, mas há quem diga que energia nuclear é a melhor maneira de combater aquele que é o maior problema ambiental da história: o aquecimento global. No site Grist, por exemplo, a conselheira ambiental Umbra Fisk provocou uma enorme celeuma ao defender a idéia.

O argumento não é absurdo, à primeira vista. Citando um especialista em análise ambiental de ciclo de vida, a colunista expõe o seguinte cenário: a produção global de petróleo está no limite, e deve começar a cair em poucos anos. É o famoso pico de Hubbert, que tem causado muita polêmica entre geólogos, economistas e outros observadores dos mercados de energia.

Ora, a queima de combustíveis fósseis é uma das principais fontes de gases do efeito estufa. Mas é mais do que isso. É a maior fonte de energia barata, e um dos pilares da civilização industrial. Se a teoria de Hubbert estiver correta, dentro de poucos anos a produção de petróleo deve começar a cair. Essa queda deve ser gradual, mas isso não reduz muito o seu impacto, pois faltam alternativas para substituir o ouro negro.

O substituto natural é, na visão de muitos especialistas, o carvão mineral. Há ainda reservas muito grandes pelo mundo, mas o carvão polui mais e gera mais gases do efeito estufa do que o petróleo, que também não é fonte de energia limpa. Seria preciso, portanto, desenvolver rapidamente fontes alternativas para evitar uma transição para uma matriz energética ainda mais danosa ao meio ambiente.

Para se ter uma idéia do tamanho do desafio, vale a pena conhecer o trabalho do físico Robert Socolow, da Universidade Princeton, nos Estados Unidos. O ponto de partida é o trabalho do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climática (IPCC, na sigla em inglês), um grupo internacional de cientistas que orienta a diplomacia do aquecimento global. Eles estabeleceram um objetivo de longo prazo de não permitir que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera ultrapasse 500 partes por milhão, que seria equivalente ao dobro da concentração anterior à revolução industrial.

O drama é que a humanidade continua colocando milhões de toneladas de carbono (e outros gases do efeito estufa) na atmosfera a cada ano. E os volumes de emissões são crescentes. Socolow calcula que para atingir o objetivo do IPCC seria necessário manter as emissões no patamar atual pelos próximos 50 anos. É mais difícil do que parece, pois a tendência dos últimos anos é fortemente crescente. Mas não é impossível.

Socolow demonstra que podemos estabilizar as emissões de carbono no nível atual usando tecnologias já existentes, sem apelar para idéias interessantes mas que talvez não sejam viáveis – como captar energia solar na lua, por exemplo. Mas para isso é preciso investir o mais rápido possível em várias tecnologias, para que cada uma delas traga a sua contribuição. Seria necessário dobrar a eficiência dos automóveis, reduzir pela metade o seu uso, aumentar a eficiência de edifícios e de plantas de geração termoelétrica, trocar carvão por gás natural na geração, capturar e armazenar o CO2 produzido, dobrar a capacidade de geração nuclear, investir em tecnologias renováveis – vento, células fotovoltaicas, hidrogênio, biomassa – e atacar o desmatamento e as emissões derivadas da agricultura.

O que se conclui daí é que, se quisermos começar a agir contra o aquecimento global agora, em vez de esperar que o futuro traga soluções milagrosas, não podemos abrir mão de nenhuma tecnologia que pode ajudar. Cada uma delas tem seus custos e riscos. A geração de energia eólica, por exemplo, requer cataventos gigantescos que enfeiam a paisagem e matam pássaros. Energia hidrelétrica implica na destruição de ecossistemas nas áreas cobertas por lagos artificiais, e na alteração profunda da vida nos rios.

O mesmo raciocínio vale para a energia nuclear. Mas os riscos são de outra ordem, a julgar pelos comentários da ativista australiana Helen Caldicott. Ela argumenta, em primeiro lugar, que a indústria nuclear recebe pesados subsídios, sem os quais seria totalmente inviável; que as reservas conhecidas de urânio não são suficientes para alimentar os geradores que seriam necessários para substituir uma parcela significativa da geração a óleo ou carvão dos Estados Unidos; e que a geração nuclear, quando analisada corretamente, implica em pesadas emissões de gases do efeito estufa, principalmente no enriquecimento do urânio. Sem esquecer do problema da destinação final dos resíduos radiativos.

Quem quiser soluções mágicas para o problema do aquecimento global vai ter que procurar em outro lugar. Como era mesmo aquela proposta de captar energia solar com painéis em órbita e transmiti-la para a terra através de feixes de microondas?

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