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Imposto vestido de verde

No Brasil, o respeito à norma constitucional é uma avis rara que mereceria ser integrada à lista das espécies em extinção.

4 de agosto de 2004 · 20 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

O IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) está promovendo debates sobre o tema “compensação ambiental”, como forma de regulamentar o artigo 36 da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC. A iniciativa é extremamente salutar. Mediante tal artigo, nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental o empreendedor é obrigado, com base em Estudo de Impacto Ambiental , “a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.” Isto é, caso determinado empreendedor tenha por objetivo implantar um projeto industrial em uma zona estritamente industrial, em tese, está “obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade do grupo de proteção integral.” . A mencionada lei determina, ainda, que ele deverá destinar não menos do que meio por cento “dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento” , conforme percentual a ser fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento, para a tal unidade de conservação de proteção integral. Logo, a destinação dos recursos nada tem a ver com o impacto gerado pelo empreendimento. É uma cobrança que tem origem no simples fato de haver uma atividade com significativo impacto ambiental. O § 3º do artigo 36 confirma o que foi afirmado acima, pois “quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação”.

Não se pode dizer que seja um tributo, pois os tributos têm base constitucional e legal. Mas, é uma tentativa de instituí-lo. O que se depreende do texto legal é que, toda e qualquer atividade que venha a ser precedida de Estudo de Impacto Ambiental, segundo a lei, deverá pagar, no mínimo, o correspondente a meio por cento de seus investimentos a título de compensação ambiental.

A lei, no particular, é inconstitucional e ontologicamente equivocada. Em primeiro lugar, há que se examinar o conceito de compensação ambiental. A Constituição Federal determina em seu artigo 225, § 3º que: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” Ou seja, aquele que causa danos ao meio ambiente tem, prioritariamente, a obrigação de repará-los e não a obrigação de compensá-los. A Constituição é sábia, pois se a obrigação primária fosse a de compensar os danos causados, estaria sendo concedido um alvará para que fossem causados danos ao meio ambiente de forma irresponsável e que toda a questão da proteção ambiental ficasse resumida ao preço a ser pago pelos danos causados. Por isso o constituinte determinou, em primeiro lugar, a obrigação de que o causador do dano recomponha o meio ambiente lesado. Aqui não há uma preocupação econômica, mas puramente ambiental. Tal obrigação, inclusive, não se confunde com as sanções administrativas, civis ou criminais decorrentes da prática de ato ilícito. Veja-se que a obrigação de reparar danos não tem como fundamento a prática de um ato ilícito, pois muitos danos ambientais decorrem da prática de atos lícitos. Veja-se o caso de uma empresa de mineração que, após o esgotamento da jazida, deve recompor o meio ambiente, segundo a solução técnica determinada pelo órgão ambiental (CF art 225, § 2º). Em tais casos, inexistem as sanções civis, administrativas e criminais porém, remanesce a obrigação de repristinação.

A compensação ambiental só é devida nas hipóteses em que, ao analisar os impactos de um determinado empreendimento, o órgão ambiental verifique que dele decorrerão danos ao meio ambiente que não poderão ser reparados de forma adequada. Entretanto, na análise de custo e benefício da implantação do projeto, a administração entende que o balanço é favorável e que o empreendimento deve ser licenciado. Imagine-se a hipótese na qual seja necessária a supressão de uma área de preservação permanente (APP) para a implantação de um gasoduto. Como não há possibilidade de restabelecimento da APP, o órgão ambiental determina medidas compensatórias tais como, por exemplo, plantar uma área de manguezal, ou recuperar matas ciliares. A compensação se justifica, pois poderá representar um ganho ambiental em uma área não impactada pelo projeto que permaneceria sem atenção.

 

A inconstitucionalidade do artigo 36 da lei nº 9.985/2000 decorre do fato de que ele afronta diretamente o § 3º do artigo 225 da Constituição Federal ao abandonar o conceito de recuperação de danos ambientais e substituí-lo por uma compensação aleatória que não guarda relação de causa e efeito entre a atividade a ser desenvolvida e a compensação pretendida. Parece, data vênia, que a lei tentou instituir um imposto devido sempre que haja o licenciamento de uma atividade precedido de Estudo de Impacto Ambiental, Não há qualquer atividade estatal, no entanto, é devido um valor. A taxa já é cobrada quando do próprio requerimento do licenciamento ambiental e é devida em função do exercício do poder de polícia. Assim, viola-se também o artigo 145 da Constituição Federal.
Por qualquer ângulo que se olhe, o respeito à norma constitucional é uma avis rara que mereceria ser integrada à lista das espécies em extinção. O que se pode perceber é que, mais uma vez, o governo federal busca fazer caixa para o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis por meios pouco ortodoxos. É importante consignar que, no ano de 2003, foram autorizados R$ 43.477.711,00 para o setor de qualidade ambiental do Ministério do Meio Ambiente e liquidados R$ 11.188.319,00 ou seja, 25,73%, segundo dados do INESC, configurando-se um desempenho medíocre. Os dados do Ministério do Meio Ambiente, como um todo, são ainda mais deploráveis. Foram autorizados R$ 745.779.997,00 e liquidados R$ 123.089.571,00 isto é 16,50%. Se formos examinar o orçamento do Programa Parques do Brasil que, em tese, seria o grande beneficiário da compensação, pois ela se destina a unidades de conservação do grupo proteção integral, verificaremos que a execução orçamentária não ultrapassou os 20,94%, pois de R$ 70.021.344,00 autorizados somente foram liquidados R$ 14.665.031,00. O que se constata é uma compulsão para arrecadar e uma total incapacidade de executar o orçamento autorizado.

É possível se afirmar que, nos termos em que as coisas estão colocadas, há um total desvirtuamento do instituto da compensação ambiental que está se transformando em uma fonte de arrecadação e de políticas estranhas às questões ambientais, pois não é raro que se veja a determinação de medidas compensatórias tais como a construção de escolas, pontes, hospitais e coisas semelhantes. Todas, por sinal, necessárias mas totalmente estranhas ao contexto do licenciamento ambiental.

Paulo Bessa é advogado (Dannemann Siemsen Meio Ambiente Consultores), Mestre e Doutor em Direito.

 

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