Colunas

Play it again, Sam

A indefinição das autoridades brasileiras sobre o Projeto de Lei de Biossegurança estimula a ilegalidade, o contrabando e o atraso tecnológico e científico.

3 de setembro de 2004 · 21 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Quando Rick reencontrou Ilse em Casablanca, algo mais forte falou ao seu coração e ele não pode resistir ao misto de emoção, frustração e angústia que, subitamente, invadiu-lhe a alma. Quebrando a promessa que fizera a si próprio, pediu ao velho amigo e pianista Sam que tocasse a música que servira de tema para a louca paixão ambientada em Paris entre ele e Ilse. Esta é uma clássica história de amor mal resolvida. Aqui no Brasil, estamos próximos de ver uma repetição, como farsa, do velho enredo. Refiro-me aos transgênicos e sua regulamentação jurídica no Brasil.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, recentemente, julgou improcedente a Ação Civil Pública movida pelas associações civis Instituto de Defesa do Consumidor – IDEC e Greenpeace contra a União Federal e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, com o conseqüente reconhecimento da competência legal da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNbio para decidir sobre os aspectos técnicos referentes à liberação de organismos geneticamente modificados no meio ambiente. Ainda que a decisão seja clara e inequívoca, persiste na administração ambiental brasileira um certo ar de constrangimento em relação ao tema. O mesmo constrangimento que Victor Laszlo – marido de Ilse – sentiu ao vê-la reencontrar Rick no cassino. É neste “clima” que o Projeto de Lei de Biossegurança aguarda deliberação do Senado Federal.

Assim como ocorreu na Casablanca submetida ao governo de Vichy, a indefinição das autoridades brasileiras quanto ao tema, não traz benefícios para nenhuma das partes envolvidas mas, ao contrário, serve como agente estimulador da ilegalidade, do contrabando, da falta de controle de qualidade das sementes e, principalmente, do atraso tecnológico e cientifico. Rick, ao ser perguntado sobre sua ideologia, definiu-se como um bêbado. Por ser uma auto-definição, ele não corria qualquer risco de ser deportado de Casablanca.

O Brasil, no caso dos transgênicos, poderá ficar duas doses atrasada, assim como era a humanidade para Rick. Enquanto isto, existe uma “bela amizade” entre os organismos geneticamente modificados e a agricultura brasileira. Ao que parece, a mesma música continuará tocando.

Leia também

Notícias
19 de dezembro de 2025

STF derruba Marco Temporal, mas abre nova disputa sobre o futuro das Terras Indígenas

Análise mostra que, apesar da maioria contra a tese, votos introduzem condicionantes que preocupam povos indígenas e especialistas

Análises
19 de dezembro de 2025

Setor madeireiro do Amazonas cresce à sombra do desmatamento ilegal 

Falhas na fiscalização, ausência de governança e brechas abrem caminho para que madeira de desmate entre na cadeia de produção

Reportagens
19 de dezembro de 2025

Um novo sapinho aquece debates para criação de parque nacional

Nomeado com referência ao presidente Lula, o anfíbio é a 45ª espécie de um gênero exclusivo da Mata Atlântica brasileira

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.