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Código Florestal nas cidades

Na falta de instrumentos apropriados, o Código Florestal de 1965 continua a ser usado para o ambiente urbano. Uma saída polêmica está na mesa do presidente.

5 de novembro de 2004 · 20 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Uma importante matéria será submetida ao Chefe do Poder Executivo Federal para que a vete, ou não, de acordo com seus critérios exclusivos de conveniência e oportunidade. Refiro-me ao Projeto de Lei (PL) 2109 de 1999, que dispõe sobre “o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, letra de crédito imobiliário, cédula de crédito imobiliário, cédula de crédito bancário e dá outras providências”, do qual o artigo 64 dispõe: “Na produção imobiliária, seja por incorporação ou parcelamento do solo, em áreas urbanas e de expansão urbana, não se aplicam os dispositivos da Lei 4771, de 15 de setembro de 1965 [Código Florestal]”.

O Ministério do Meio Ambiente, no mesmo compasso das chamadas ONGs voltadas à causa da defesa ambiental, por meio da Ministra Marina Silva, já se pronunciou favoravelmente ao veto do referido artigo, sob o argumento de que a sua transformação em lei implicaria em autorizações para que fossem ocupadas áreas de preservação permanente existentes em áreas urbanas, tais como manguezais, margens de rios, encostas, etc.

A matéria é relevante, muito menos pelo artigo em si mesmo mas, principalmente, pelo necessário debate sobre o Parágrafo único do artigo 2º do Código Florestal que determina: “Art. 2°- Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.“ A redação do parágrafo, não é necessário ressaltar, é contraditória e de pouca utilidade prática pois, ao mesmo tempo em que determina que nos perímetros urbanos, regiões metropolitanas e aglomerações urbanas é admissível que os planos diretores determinem quais são as áreas de preservação permanentes a serem observadas; por outro lado, afirma que a liberdade do legislador municipal está restrita aos princípios e limites definidos pelo próprio artigo.

Para a correta compreensão da problemática, se faz necessário entender a finalidade do Código Florestal. Elaborado em 1965, ele tem por finalidade definir instrumentos para o desenvolvimento florestal e a produção industrial de madeira. A proteção do solo, na ótica do Código Florestal, está dentro do contexto do desenvolvimento florestal. Não por acaso, o Código está vinculado à criação do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, extinto com a criação do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. O Código, portanto, é um instrumento de promoção do desenvolvimento. À falta de outros instrumentos, a sua utilização em áreas urbanas foi se tornando cada vez mais freqüente e rotineira.

Fato é, contudo, que o Código Florestal não é o instrumento jurídico mais apropriado para a proteção do ambiente urbano, pois dada a sua generalidade e vocação industrial, não é capaz de intervir adequadamente na vida urbana em questões tais como arborização, ocupação de encostas e outras.

Conforme está disposto no Código Florestal, qualquer construção em cidades da região serrana do Rio, por exemplo, que venha a ser feita nas proximidades de rios, deverá observar uma distância – mínima – de 30 metros do curso d`água. (Código Florestal Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: 1 – de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura. Ora, em um terreno de 70 metros que seja cortado por um rio com 8 metros de largura, sobrarão, apenas, 31 metros para cada lado, restando para o proprietário 1 metro para construir, em cada lado. O mesmo se diga para a construção em encostas que, se aplicados os critérios do Código Florestal, são praticamente impossíveis de serem efetivadas legalmente. Vale observar que, em Petrópolis, a legislação local fala em 15 metros como terreno reservado à proteção dos mananciais quando em área urbana.

É importante observar, ademais, que os artigos 30 e 182 da Constituição Federal determinam competir aos municípios legislar sobre os assuntos de interesse local e fixar, em lei, as diretrizes de desenvolvimento urbano. Tal legislação, consubstanciada nos Planos Diretores, deve ser considerada como o principal conjunto de normas a serem aplicados à gestão do solo urbano. Infelizmente, muitos municípios não editaram os seus Planos Diretores e, portanto, não possuem legislação apta a direcionar corretamente a ocupação de seu território.
O Estatuto das Cidades e a legislação que o complementa, indiscutivelmente, são os instrumentos aptos a darem o adequado ordenamento à ocupação do solo urbano, considerando-se a realidade de cada uma das cidades, tal como tutelada pelo Plano Diretor. O veto ao artigo 64 do PL, certamente, se impõe. Da mesma forma, é impositivo que o solo urbano seja regulado apenas por normas vocacionadas para tal, isto é, pelos Planos Diretores e lei de ocupação do solo às quais compete definir os critérios de tutela a serem aplicados, considerando-se o interesse local.

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