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Papai Noel

Pedi ao bom velhinho uma política ambiental para o país. Pobre Papai Noel, sei que não dá para fazer mágica. Em 2005, continuamos na vanguarda do atraso.

16 de dezembro de 2005 · 18 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

O desgoverno é de quatro tipos, muitas vezes combinados: 1) tirania ou opressão, com tantos modelos históricos que se torna supérfluo comentarmos a respeito; 2) ambição desmedida, como a tentativa de conquista da Sicília por Atenas na guerra do Peloponeso, e da Inglaterra por Felipe II com sua Invencível Armada, as duas vezes em que a Alemanha buscou dominar a Europa se autoproclamando “raça de senhores”, os pruridos do Japão por um império na Ásia; 3) incompetência ou decadência, de que são parâmetros o Império Romano em seus últimos dias, os derradeiros Romanov e a também derradeira dinastia imperial da China.

Finalmente, a quarta característica do desgoverno: insensatez ou obstinação. Nosso livro diz respeito a esse ângulo em manifestação específica, ou seja, naquele da execução de política adversa aos próprios interesses da comunidade ou nação envolvidas. O interesse de um grupo nacional tende a atingir o bem-estar social e todas as demais vantagens comunitárias, insensatez é política que, nesse enfoque, conduz a resultados contraproducentes.

Barbara W. Tuchman

Papai Noel vem se aproximando com o seu trenó puxado por renas e, com isto, sabemos que o ano está chegando ao fim. O nascimento de Jesus Cristo, razão essencial do Natal, infelizmente vai sendo esquecido pela maioria, que só pensa em gastar o pouco que tem e acumular dívidas. Quanto ao Papai Noel, devo confessar que sou fã do bom velhinho e nele creio piamente. Botei meu sapatinho na janela do quintal, pedindo que ele traga uma política ambiental para o país. Na manhã do dia 25 vou correndo ver se o pedido foi atendido. Reconheço, contudo, que não cabe ao velho Noel fazer mágica.

Um dos standards do fim de ano é o inexorável balanço do que ocorreu ou do que não ocorreu. Na época em que existia a União Soviética era comum que se dissesse que as forças da Paz e do Progresso avançaram e que o capitalismo dava, mais uma vez, provas de sua incapacidade de resolver os problemas da humanidade. Na China dizia-se que o oriente era vermelho. Com o fim do muro de Berlim e com o desmoronamento da União Soviética, tal papo não cola mais. É preciso cairmos na real e tocar o barco para frente.

Como teria sido o nosso ano ambiental? Não diferente do ano normal: andou à meia bomba. Discutimos muito sobre produtos transgênicos, soja, multinacionais e, ao fim das contas, aprovamos uma lei de biossegurança, regulamentamo-la e podemos dizer que estamos no mesmo lugar. A lei é basicamente igual à anterior, com a notável exceção da criação de um Conselho de Ministros exclusivamente para dirimir as controvérsias oriundas da ameaça representada pelo milho Bt ou pelo algodão transgênico. Fato é que, como nação, damos mais atenção institucional ao milho do que ao Comando Vermelho. Há uma certa racionalidade oportunista: o milho não responde com AR-15. Pouco se avançou na biotecnologia, os registros de novos produtos caminham em ritmo amazônico.

E por falar em amazônico, comemoramos, no mês passado, “a diminuição do ritmo do desflorestamento”. Traduzindo a expressão para um português mais palatável: queimou-se um pouco menos de mata amazônica, mas continuamos queimando. Dirão alguns, “houve um avanço”. Sem dúvida, avançou-se sobre a floresta. É curioso como nesta Terra Brasilis estamos nos tornando mestres em produzir políticas contra os nossos próprios interesses nacionais. O “arco da sociedade ainda não consensuou” uma política capaz de promover desenvolvimento econômico e proteção ambiental. Diante dos impasses que nós mesmos criamos, ficamos em uma situação bastante curiosa, “nem desenvolvimento, nem proteção”. É a imobilidade típica da incompetência e da inapetência. A nível de avanço, continuamos vanguardeando o atraso. Mas tudo é muito politicamente correto.

O Brasil e o Rio

Projetos importantes que poderiam ter repercussões ambientais, positivas e negativas, simplesmente não se moveram. Transposição do Rio São Francisco, nem andou nem ficou. Concessão de Florestas, cuja aceleração se deu após a morte da irmã Dorothy Stang, transformou-se em moeda de troca para barganhas nas nossas Casas de Leis. No Mato Grosso do Sul, um ambientalista imolou-se contra a implantação de usinas de álcool no Pantanal; isto após tentativa de dar fim à própria vida feita por um bispo católico, por conta do Rio São Francisco. Como Habemus Papam, o enquadramento foi rápido e não se desperdiçou uma vida humana inutilmente.

O Protocolo de Kyoto entrou em vigor, com a adesão da Rússia aos seus termos. Vamos esperar que ele possa produzir efeitos palpáveis e que justifiquem toda a badalação que o acompanha. Sabemos, entretanto, que muitos países já começam a pensar em rever o documento, pois eles se sentem prejudicados em função de que países como a China, Brasil e Índia não têm obrigação de reduzir suas emissões de CO2. Tivéssemos capacidade de diminuir efetivamente as queimadas da Amazônia e nadaríamos de braçada nas águas do Protocolo. É a tal política contra os nossos próprios interesses. Ao mesmo tempo em que incendiamos a Amazônia, estamos tomando medidas enérgicas contra a biopirataria. Projeto de lei pretende punir o “estrangeiro” que for pego com espécimes de espécies nativas sem a necessária e competente autorização. Respiremos aliviados, pois agora a coisa vai. Era o que estava faltando: mais uma lei.

Ratificamos a Convenção sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), porém não avançamos na questão dos resíduos sólidos. A polêmica sobre licenciamento ambiental de usinas hidrelétricas continuou firme e forte. A matéria é uma aplicação prática do “paradoxo Tostines”: É fresquinho porque vende mais, ou vende mais porque é fresquinho? Agora, os potenciais de energia deverão vir acompanhados da licença ambiental. É uma questão complicada, pois como licenciar uma hidrelétrica sem os projetos claramente definidos? A vantagem é que as hidrelétricas estão emperradas há tanto tempo que os projetos já são mais do que conhecidos.

Aqui foi uma panorâmica do meio ambiente federal, aquele com gravata e capital, tal qual o personagem do samba.

E o ambiente municipal? Vai andando com as dificuldades inerentes a uma cidade que se assemelha àquela Miss Universo que, envaidecida com a própria beleza, não percebeu que a celulite e as rugas foram tomando conta de seu corpo e, vivendo no passado, se recusa a comprar um espelho para o banheiro. Entre um tiroteio e outro, nossas encostas vão sendo ocupadas e desmatadas implacavelmente. Os problemas de trânsito não são enfrentados de forma direta, o metrô se expande à base de linhas de ônibus!!! E tudo isto se passa diante de nossos olhos e narizes que, acostumados, sequer se abalam. O ser humano, como sabemos, é capaz de se adaptar a tudo. Vivemos no Pólo Sul e no Saara. Seguramente, conseguiremos viver em nossa cidade, afinal de contas, ainda não chegamos ao estágio de Bagdá.

O certo é que 2005 foi um ano com 365 dias, 12 meses e 52 semanas, o resto é pura especulação. Tenham todos um feliz natal e próspero ano novo.

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