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A questão é implementar

Uma conversa com Claudio Langone, o vice de Marina Silva. Em pauta, o Plano Nacional de Áreas Protegidas e os problemas na gestão de unidades de conservação.

17 de março de 2006 · 18 anos atrás

Claudio Langone não é aquele gaúcho típico que fala alto, veste bombachas e vive atracado com uma cuia de chimarrão fervendo. Pelo contrário. Não fosse a paixão desenfreada pelo Grêmio porto-alegrense, esse engenheiro químico de fala mansa, modos educados e predileção por jazz de boa qualidade poderia facilmente ser identificado com qualquer estado da federação. Bom para o Brasil. Pensar não apenas o extremo Sul do país, mas toda a federação, do Oiapoque ao Chuí, é o trabalho dele. Langone é hoje o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), cargo que equivale ao de vice-ministro. Não chegou ali por acaso. Apesar dos seus 38 anos de idade, tem longa carreira na causa ambiental, que conhece a fundo, pois já ocupou posições nas três esferas de governo.

Langone foi secretário municipal de Meio Ambiente de Porto Alegre em 1996, assessor especial para o saneamento de Porto Alegre entre 1997 e 1998 e, em 1999, foi a primeira pessoa a ocupar o cargo de secretário estadual de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul. Em 2001, Claudio Langone foi escolhido presidente da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema). Com a eleição do PT para a Presidência da República, em 2002, chegou o convite para ser o vice de Marina Silva. Sobre essa experiência, e sobretudo no que toca à agenda verde, conversamos longamente.

O Ministério do Meio Ambiente acaba de lançar o novo Plano Nacional de Áreas Protegidas. Quando ele vai sair do papel?

Langone – O plano é uma iniciativa importante. O Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) aprovou o Plano e ele vai ser lançado na COP-8, em Curitiba. Se não for para sair do papel, não vale a pena fazer. Aliás, temos feito muito na área de unidades de conservação, principalmente nas regiões onde há conflito. O Arpa (Programa Áreas Protegidas da Amazônia) já está em fase de implementação. Com efeito, estamos com seu organograma adiantado e já cumprimos as metas de proteção integral. Mas nossas iniciativas não têm se restringido à Amazônia. Durante este governo nos esforçamos para proteger os ecossistemas mais ameaçados como as Florestas de Araucárias, no Sul, onde criamos novas áreas de proteção. É preciso reconhecer, contudo, que ainda precisamos avançar muito no modelo de gestão. Para isso, é imperioso resolver as compensações ambientais. Essa é uma questão crucial, pois vai aportar recursos importantes. Para tanto, estamos revendo a metodologia de cálculo e procurando abordar a questão sob uma lógica abrangente do Snuc (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) como um todo. Não dá para deixar que as compensações fiquem atreladas a esse ou aquele parque, pois isso criaria um sistema desbalanceado com unidades ricas e pobres.

O Plano é ambicioso em metas temporais. Estabelece objetivos até 2015. Isso é certeza da reeleição ou é credulidade em um Brasil mais amadurecido politicamente e capaz de dar continuidade a políticas de Estado iniciadas por governos anteriores?

Langone – O problema da descontinuidade reflete a fraqueza das instituições. Precisamos fazer blindagens institucionais, fortalecendo os órgãos permanentes da administração pública. O PT iniciou uma institucionalização do MMA com novos concursos públicos. Isso não é política de governo, mas de Estado.

O Brasil cuida bem de suas áreas protegidas?

Langone – Temos um enorme déficit de implantação das áreas protegidas. É um passivo de décadas. Lutamos muito contra isso, e conseguimos avanços importantes. Precisamos entender que o foco tem que ser a implementação. Há um grande fosso entre os parques criados e os parques de papel. Precisamos fugir do “burocratismo” que tem imperado na gestão de parques e nos programas de regularização fundiária. É fundamental darmos agilidade a quem está na ponta. Precisamos priorizar. Escolher um parque representativo em cada bioma para aplicar e testar modelos de gestão modernos e eficientes, onde as áreas de manejo, lazer, pesquisa, fiscalização e regularização fundiária, entre outras, estejam efetivamente implantadas e funcionando.

O Ibama não é grande demais? Não cuida de coisas demais? Não nos falta uma agência dedicada a administração e manejo de unidades de conservação (UC), com pessoal especializado e carreira estruturada?

Langone – Essa é uma discussão profunda. Tivemos avanços de coordenação entre o Ibama e o MMA, com definição mais clara de atribuições. Admitimos mais mil analistas por meio de concurso público. A regionalização do concurso nos permitiu preencher cargos em unidades mais remotas. Melhoramos de forma significativa os salários, mas ainda faltam algumas gratificações correspondentes ao cargo de chefe de unidade de conservação. É uma função de responsabilidade que precisa ser remunerada de forma condizente. Estamos nos batendo para resolver isso. Precisamos também pensar em parcerias com outros órgãos para lotar melhor as unidades de conservação. Há muito a explorar nesse campo. Não falta gente especializada, que está hoje fora dos parques e poderia estar dentro. A Polícia Ambiental é um claro exemplo do que estou falando.

Pois é, o Plano fala em treinar a Polícia Federal e os batalhões ambientais das PMs estaduais. Não faria mais sentido ter um serviço de fiscalização do Ibama, robusto, com contingente suficiente, uniformizado e com poder de polícia?

Langone – Não são idéias contraditórias. A Polícia Federal criou delegacias ambientais em todos os estados, sempre com agentes devidamente capacitados na prevenção de crimes ambientais. Esse é um caminho a ser seguido. Precisamos definir claramente as competências e capacitar as PMs ambientais e as Guardas Municipais. Aliás, é fundamental envolver os municípios nesse processo. Hoje já existem no Brasil cerca de 1.500 áreas protegidas municipais, das quais 800 dentro do marco legal do Snuc.

O Plano cita diversas vezes as terras indígenas e quilombolas e as classifica como Áreas Protegidas. Quando se fala em conservação, os índios são problema ou solução?

Langone – São mais solução do que problema. No mapa do Brasil de hoje está claro que as terras indígenas têm exercido um papel eficaz na contenção do desmatamento. O MMA tem agido muito próximo às comunidades indígenas para fortalecer sua capacidade de gestão. Nesse sentido, estamos implantando o Programa Demonstrativo dos Povos Indígenas, que objetiva capacitar essa parcela da população brasileira a gerir suas próprias terras. No geral, os índios são grandes aliados da preservação. Infelizmente, contudo, há exceções que precisam ser resolvidas.

No Brasil, mais de 80% da população está nos centros urbanos. Nesse sentido, as UCs nas cidades ganham relevância especial como o único contato com a natureza possível à grande maioria dos brasileiros. Há alguma intenção do MMA de dar maior atenção a elas?

Langone – É fundamental fortalecermos as unidades de conservação urbanas. Mas não é fácil. Elas são um desafio maior por estarem submetidas a pressões muito grandes. Por outro lado, elas podem gerar renda que ajude a evitar os conflitos que têm o potencial de inviabilizá-las. De novo, aqui temos um desafio de gestão. Mesmo quando as UCs não são municipais, precisamos aprender a dialogar mais com as prefeituras para montar parcerias e melhorar a gestão. Também é necessário interagir mais com a população do entorno e discutir a importância das UCs para a qualidade de vida das cidades.

As UCs urbanas também servem como vitrines do sistema, para o bem e para o mal. Nesse sentido, a morte do ambientalista Dionísio Júlo Ribeiro, na Reserva Biológica do Tinguá, no Rio, chamou a atenção para o flagelo da caça nas áreas protegidas brasileiras. Estamos caminhando para ter florestas sem alma?

Langone – O controle da caça tem que ser feito através do fortalecimento das PMs e da Polícia Federal, pois é um trabalho que tem que ser feito no local, dentro do mato, e sem apoio armado é impossível controlar a caça. O Plano Nacional de Áreas Protegidas aborda essa questão. Vamos intensificar a cooperação com as unidades policiais especializadas no combate aos ilícitos ambientais.

O Plano reconhece a importância do manejo integrado de UCs que formam mosaicos. Em 2000, um seminário envolvendo as principais autoridades dos três níveis de governo recomendou a imediata gestão integrada do Parque Estadual da Pedra Branca, o Nacional da Tijuca e UCs municipais adjacentes. Até hoje, seis anos depois, nada aconteceu. Por quê? É possível sonhar com a administração integrada de UCs subordinadas a governos de partidos diferentes?

Langone – É possível, mas a partir da institucionalização e profissionalização do setor ambiental dos três níveis de governo. Vejamos o projeto Corredores Ecológicos, que tem sido implantado com sucesso no sul da Bahia. Lá, União, estado e municípios estão trabalhando em harmonia, inclusive em áreas que não fazem parte de nenhuma UC. É essa direção que temos que trilhar.

Em entrevista ao site O Eco, José Roberto Marinho reclamou que o movimento ambientalista tem ojeriza a empresários. Ainda assim, ele próprio é dono de uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) modelar no Cerrado. A Fundação Boticário mantém a Reserva de Salto Morato (PR) e a Vale do Rio Doce está envolvida em excelentes programas de conservação. É verdade que o empresário é o vilão do meio ambiente?

Langone – Não concordo com a visão simplista de que os empresários são os vilões do meio ambiente. Também não acho que o movimento ambientalista tenha ojeriza a empresários. O que temos hoje é um movimento de maior debate entre os diversos segmentos da sociedade, com a queda de preconceitos de uns contra os outros e um maior amadurecimento das partes. Todos os segmentos da sociedade têm seu papel na resolução dos problemas ambientais do Brasil.

A aposta na agricultura de exportação é um risco para nossas florestas?

Langone – Não são atividades incompatíveis. Naturalmente que o interesse econômico dificulta a criação de novos parques. O que está em jogo nos parques onde há florestas de araucárias? Uma visão econômica de curto prazo contra a necessidade imperiosa de preservar áreas de relevância significativa. Mas para isso existem governo e tomadores de decisão. No Grande Sertão Veredas, a área que transformamos em parque era cobiçada pelos plantadores de soja. Uma aspiração legítima, diga-se de passagem, já que a terra ali tem grande potencial agriculturável. Mas isso não impediu que tomássemos a decisão de ampliar o parque. Analisamos a área, verificamos que incorpora importantes rios da bacia do São Francisco e isso bastou para que batêssemos o martelo.

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