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Como tirar os sonhos do plano das idéias para o plano da realidade

Um novo plano de manejo está sendo elaborado para um importante parque nacional brasileiro. No papel, é fantástico. Mas seria muito mais útil se fosse sucinto e pragmático.

15 de agosto de 2007 · 17 anos atrás

Por meio de uma Ong, chegou às minhas mãos para que opinasse a proposta de novo plano de manejo de um dos parques nacionais brasileiros. O simples fato do documento ter sido disponibilizado para a consulta pública e sugestões é um grande avanço. Demonstra abertura da administração do Parque e permite aos usuários, pesquisadores e moradores do entorno opinarem sobre os destinos da Unidade de Conservação, conforme seus interesses específicos. Estão de parabéns por essa iniciativa o IBAMA e seu sucedâneo, o Instituto Chico Mendes.

O conceito de plano de manejo foi desenvolvido para permitir entender os processos antrópicos e naturais que atuam sobre uma área protegida e, por meio de sua análise, sugerir ações de manejo e administrativas em um espaço temporal pré-determinado, visando a atingir os objetivos de uma determinada UC sem comprometer seus recursos naturais. Entre suas determinações podem estar atividades de reflorestamento, educação ambiental, implantação de trilhas, eliminação de espécies exóticas, compra de veículos para patrulhamento entre outras.

Segundo George Fogg e William Shiner, autores do Manual de Manejo publicado pela Associação de Parques Nacionais Americanos “um plano de manejo deve ser produzido para prover os técnicos do parque com um documento de trabalho que possa ser consultado e utilizado em uma base diária. Deve ser sucinto, curto e direto ao ponto”. No Brasil, onde a maioria dos Parques sofre de grande carência de recursos humanos e financeiros, objetiva-se que o Plano sirva para ajudar o administrador a priorizar suas ações durante um período de cinco anos, após o que o Plano deve ser atualizado. Dessa forma evita-se que o Parque perca tempo e energia com ações menos urgentes e se concentre em primeiro resolver problemas mais prementes e em desenvolver ações que provejam uma base para trabalhos futuros.

O princípio básico do planejamento é que cada ação gera um custo. Ao planejar é importante prever de onde virão os recursos e o tempo, medido em homens/hora, que viabilizarão a concretização do item planejado. Atualizar um Plano de Manejo não é escrever um documento novo, mas analisar o antigo, avançando nos pontos em que ações propostas já foram implantadas e analisando as razões que impediram outras atividades de serem concretizadas. Nesse caso é importante reavaliar se as ações não implantadas devem continuar a merecer uma prioridade no Plano e Manejo, ou se já não são mais importantes.

Nesse sentido, um Plano enorme não prioriza nada e deixa de ter valor como ferramenta de trabalho. Muitos “elaboradores” de planos de manejo sucumbem à tentação de dispor e normatizar cada ação singela prevista em um Parque. Ao fim, não fazem um Plano de Manejo- ferramenta de trabalho- mas criam um instrumento legal que baliza as ações do Chefe do Parque e de suas equipes, determinando em dado momento histórico o que pode e o que não pode ser feito em uma unidade de conservação específica. Esse tipo de Plano infelizmente é comum no Brasil. Tem viés legiferante e centralizador. Amarra as mãos do Administrador do Parque. Não precisamos de mais Leis. Precisamos sim, que as que existem sejam cumpridas.

O Plano de Manejo proposto que me chegou às mãos tem idéias e propostas muito boas que merecem ser elogiadas e aplaudidas. Clama por ações que há muitos anos já deveriam ter sido implementadas. Ordena por exemplo que seja feita a demarcação física dos limites do Parque no terreno. Também são dignas de elogios diversas outras proposições como a que pede a restauração dos prédios administrativos, a que propõe um estudo sobre a valoração econômica dos serviços ambientais proporcionados pelo Parque, a que determina o manejo ativo das espécies exóticas e a que sugere a articulação junto a instituições de pesquisa para que incluam temas relacionados ao Parque. Esses são apenas alguns dos pontos positivos do Plano. Com efeito há muito mais deles. Poderia escrever trinta páginas de elogios. Precisamente, contudo, essa profusão de boas idéias é também uma das maiores fraquezas do Plano de Manejo ora proposto.

Tive em mão apenas um dos cinco encartes propostos para o Plano. Suas quase duzentas páginas tomaram-me três dias de leitura. Não sei quanto tempo teria gasto se tivesse lido também os outros quatro encartes, cujos conteúdos e tamanhos não me foram disponibilizados. Tive a sensação de estar lendo um Plano Diretor contendo os desejos de quem ama aquele Parque quer vê-lo funcionando como uma Unidade de Conservação modelo. Bonito e inspirador, mas irrealista e praticamente impossível de tirar do papel. Quem tudo quer, nada prioriza. Pobre do Chefe de Parque que tiver a tarefa de implementá-lo. Há de ler, ler, ler e deparar com tarefas mil. Só não encontrará ali os meios de concretizá-las nem terá uma ordem de prioridades a seguir. O Plano, por demasiado idealista e ambicioso, corre sério risco de virar peça de ficção.

Mas assim é o Brasil. Machado de Assis já dizia que somos o país dos bacharéis onde o papel e a burocracia é que são importantes. Ações e trabalho no campo, isso são tarefas menores para serem realizadas por gente de estatura social inferior.

Talvez levados pela frustração de não dispor dos meios para manejar o Parque como ele merece, os elaboradores do encarte que li cairam na tentação de criar um Plano que tudo normatiza, regula e enquadra. Criaram assim um Plano centralizador, que parece ter a ambição de administrar o Parque a partir do papel e emascula o Chefe da UC, quando deveria servir para orientá-lo e não tolhê-lo.

Nesse sentido chama a atenção uma fúria legiferante que faz o possível para micro gerir o Parque a partir do papel, ignorando as necessidades variáveis do dia-a-dia e retirando do Chefe do Parque a atribuição de tomar decisões de manejo. Para citar um exemplo o Plano determina que “a portaria e a bilheteria deverão operar durante o horário de funcionamento do parque, de 8:00 às 17:00 horas e no horário de verão até às 18:00 horas.” Ora, Essa não deveria ser uma decisão do Plano de Manejo, que não pode prever as pecualiridades de cada momento da vida futura de um Parque e da dinâmica turística da região que o encerra. Deveria ser deixada a cargo da administração do Parque de acordo com os interesses da Unidade, as demandas dos usuários e com os recursos disponíveis para o monitoramento da visitação nos diferentes horários.

Por outro lado, chamam atenção lacunas sérias, que espero estejam contempladas nos outros encartes. Comecemos pela falta de referência a ações planejadas anteriormente e jamais executadas. Há sete anos já era dado como objetivo “demarcar fisicamente o Parque”. Porque é preciso planejar isso de novo? Por que é preciso gastar mais recursos e papel para repetir o que já sabemos desde 2000? Se há necessidade de repetir o tema, um bom plano de manejo deveria refletir o porquê da não realização desse objetivo estratégico nos últimos sete anos e, sobretudo, deveria apontar os caminhos para sua concretização. Só botar no papel não adianta. Desse jeito, o plano nunca vai virar manejo.

Também data do ano 2000 recomendação de o Parque buscasse sua autonomia administrativa e financeira. Nesse mesmo ano, o Parque transformou-se em Unidade Gestora, passo inicial para a autonomia. Mesmo assim, nada do que li fala sobre orçamento e gestão financeira. Por quê não se prioriza as ações planejadas de acordo com seus custos e com a realidade oçamentária do Parque? Não é a isso que se denomina planejar (o manejo)?

Ainda por volta do ano 2000, o Parque realizou um estudo sobre sua gestão. Tratou-se de trabalho amplo cujos resultados foram publicados em papel bem acabado e teve distribuição para todos os atores envolvidos com o Parque. Seu fulcro era discutir a governança da UC. Apontava caminhos a serem seguidos para uma melhor administração. Assim é de estranhar que o encarte não tenha uma palavra sequer sobre Governança. Porque não historiciza e contextualiza o problema? Porque não analisa as razões que impediram o Parque de implementar as solução apontadas pelo Estudo e sugere soluções alternativas?

Propositalmente não cito o nome da UC a que me refiro. Afinal os problemas aqui discutidos não se resumem a este plano de manejo específico. São endêmicos ao Brasil. Em nosso país, no lugar de se analisar e aperfeiçoar o que foi já feito, prefere-se reinventar a roda a cada nova feitura de Plano de Manejo. Parte-se do princípio bacharelista de que o papel e a lei resolverão os problemas do Parque. É pena! Ao invés de se produzir documentos que auxiliem na administração das UCs, cria-se uma camisa de força que enfraquece e desistimula os seus funcionários. Oxalá o nascimento do Instituto de Conservação da Biodiversidade propicie uma mudança dessa mentalidade. Espera-se que os planos de manejo das Unidades de Conservação brasileiras deixem de ser volumosas compilações de boas e bem intencionadas idéias mais parecidas com uma lista de desejos e se transformem em um guia de ações passíveis de serem realizadas à luz do tempo e dos recursos disponíveis. Uma ferramenta desse tipo, sucinta e pragmática, permitirá a avaliação profissional (e apolítica) dos Chefes de Parque de acordo com a quantidade de ações que tirou do papel. A isso países sérios na atividade de conservar chamam de planejar –e manejar-, o resto é apenas uma coleção de belos e etéreos sonhos.

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