Gretchen C. Daily (1997), por exemplo, descreve as conseqüências causadas pela perda da natureza, muitas sutis, mas sempre graves. A redução das áreas naturais, segundo a autora, afeta a própria sustentabilidade dos processos ecológicos naturais, nos quais os serviços que a natureza presta são inestimáveis e imprescindíveis. Na longa lista dos serviços ‘invisíveis’, continuamente disponibilizados ao planeta, a autora inclui: a purificação da água e do ar; o controle das enchentes e das secas; a decomposição e limpeza dos dejetos; a produção e renovação de solo fértil; a polinização da vegetação; o controle de pestes comuns à agricultura; a dispersão de sementes e transferência de nutrientes; a manutenção da biodiversidade, da qual a humanidade vem retirando elementos essenciais para agricultura, medicamentos e indústria; a proteção dos raios ultravioletas do sol; a estabilidade, mesmo que parcial, do clima; a moderação de temperaturas e das forças do vento e das marés; a sustentação da diversidade cultural humana e o propiciar de um senso estético de beleza e estímulo intelectual que eleva o espírito humano. O objetivo de Daily e de outros autores no livro Nature’s services: societal dependence on natural ecosystems, é mostrar que esses serviços dependem de uma infinidade de espécies que operam naturalmente, sem ônus financeiro para a humanidade. Com a ruptura dos processos naturais essa ‘generosidade’ fica comprometida e o valor para torná-los novamente efetivos é incalculável e sem chances de voltarem a ser eficientes como em sua situação de origem.
No que tange aos serviços prestados por populações tradicionais, Diegues (2000) chama a atenção para o fato que entre muitas sociedades “sobretudo as indígenas, existe uma interligação orgânica entre o mundo natural, o sobrenatural e a organização social” (p. 14). A não separação do humano e do natural faz com que não haja distinção entre os seres vivos e os processos ecológicos onde estão inseridos. O autor cita diversos pensadores que valorizam os conhecimentos tradicionais adquiridos através dos tempos, aponta diferenças de visões entre estas sociedades e aquelas desenvolvidas pela ciência moderna e defende que a diversidade biológica em muitas ocasiões é enriquecida pela própria população humana. Denomina o processo de ‘etno bio-diversidade’ e afirma que “a biodiversidade pertence tanto ao domínio do natural quanto do cultural” e que “é a cultura enquanto conhecimento que permite que as populações tradicionais possam entendê-la, representá-la mentalmente, manuseá-la e, freqüentemente, enriquecê-la” (Diegues, 2000: 16). Diegues defende que o ‘modus vivendis’ das populações tradicionais pode ser considerado inerente aos processos ecológicos do ambiente onde estavam inseridas, contribuindo também para o circuito ecológico como um todo.
No entanto, a sedução do modelo capitalista acaba corrompendo as culturas tradicionais, e a conexão e o cuidado desses povos para com o ambiente natural nem sempre resistem ao convívio com a sociedade moderna. Kent Redford em seu trabalho “The ecologically nobel savage”, publicado na Cultural survival quarterly de 1991, mostra alguns princípios pelos quais as culturas tradicionais perdem rapidamente sua integridade quando afetadas por três aspectos: (1) aumenta a densidade populacional; (2) a terra não é mais abundante o suficiente para permitir o deslocamento de grupos inteiros; e (3) quando o contato com a civilização moderna é intensificado. As tecnologias atuais muitas vezes são repassadas às comunidades tradicionais por interesses econômicos, causando devastações rápidas e de impacto irreversível. Segundo o autor, em diversas comunidades indígenas dados coletados indicam a relevância dessas afirmações.
A preocupação de Redford para com a conservação das áreas naturais vai ainda mais longe ao analisar o que chama de ‘floresta vazia’, no capítulo introdutório do livro Manejo e conservação de vida silvestre no Brasil de 1997. Os efeitos da caça, mesmo entre populações que vivem tradicionalmente em florestas, vêm causando sérios riscos à sustentabilidade desses ecossistemas no longo prazo. Fato observado quando as populações tradicionais travam contato e são ‘contaminadas’ pelos valores do materialismo capitalista, que visam posse e poder. O autor conclui que tem sido difícil manter populações viáveis da fauna, em regiões onde o ser humano está presente, principalmente após a proliferação de armas de fogo, que representam o poder máximo do mundo industrializado e predatório.
O fato é que a degradação ambiental e as perdas das riquezas sociais e naturais encontradas no planeta são visíveis e essa preocupação tende a crescer na medida em que os índices de poluição do ar, da água e do solo aumentam e os dejetos se acumulam em decorrência dos processos produtivos insustentáveis e cujos planejamentos são inexistentes ou ineficientes.
Um estudo feito por Wackernagel e Rees de 1996, Our ecological footprint – reducing human impact on the Earth, analisa o impacto do modelo de desenvolvimento no planeta com base na produção natural de diversos elementos como fotossíntese, energia e o território disponível para atividades humanas, e concluem que o modelo dominante é insustentável. Se toda população do mundo atual, sem levar em conta o crescimento demográfico que normalmente ocorre, atingisse os padrões de consumo equivalentes aos dos norte-americanos de nível médio, já seriam necessários mais de três planetas. Os autores avaliam as ‘pegadas ecológicas’, como chamam a esse tipo de impacto, comparando o tamanho do território, os recursos disponíveis e o que é consumido. A Holanda, por exemplo, um país de dimensões territoriais pequenas, consome recursos naturais, principalmente energia, muito além do que seria possível em suas fronteiras. Segundo as estimativas desse estudo, o padrão de vida holandês exige mais de 3.3 hectares per capita, o que representa um impacto de 15 vezes o tamanho do país.
O livre comércio e as tecnologias modernas vêm acentuando as diferenças entre países ricos e pobres. Os recursos naturais encontrados em todas as regiões do globo são livremente transportados para as localidades onde o poder econômico é mais forte, o que significa que 20% da população mundial é beneficiada, enquanto o restante é obrigada a lidar com as perdas e as degradações causadas por esse modelo de desenvolvimento. A conclusão dos autores é que somente uma postura radicalmente diferente daquela assumida até agora, que privilegie um uso mais ético dos recursos naturais e que incorpore preocupações como eqüidade social e proteção do planeta como um todo, poderá dar ao mundo as chances necessárias de torná-lo efetivamente sustentável.
Naturalmente outros fatores influenciam a ocupação da terra e a transferência de mercadorias de país a país. Por exemplo, os subsídios aplicados por nações ricas para assegurar a soberania econômica afetam diretamente os países pobres, que poderiam estar exportando seus produtos em condições mais justas e competitivas. Outro fator de influência é a utilização de tecnologias que aumentam a produtividade, reduzindo as pressões sobre os ambientes naturais. Há meios tecnológicos disponibilizados para a recuperação de áreas degradadas, ou para melhorar a qualidade de determinados recursos naturais como solo, água ou ar. Infelizmente, essas tecnologias ainda estão limitadas àqueles com maior poder aquisitivo e acabam beneficiando principalmente os países desenvolvidos, apesar desses impactarem indiscriminadamente países economicamente menos favorecidos, sem as devidas preocupações de sustentabilidade, como chamaram a atenção.
Enquanto os países do norte vêm conseguindo contornar e recuperar os efeitos da degradação ambiental em solo próprio, as devastações causadas pelo processo industrial muitas vezes têm se agravado nos países em desenvolvimento, sendo que, em sua maioria, esses efeitos são causados pelo próprio modelo de desenvolvimento predominante, que explora os recursos naturais onde quer que estes se encontrem.
De acordo com Eduardo H. Ditt, pesquisador do IPÊ, os seres humanos, dependendo da maneira como se relacionam com o planeta, podem contribuir para o aumento ou a redução na quantidade de serviços ambientais. Por exemplo, um sitiante que protege sua mata ciliar garante mais benefícios de conservação de água e de regulação climática do que aquele que decide por remover a mata. Para estimular decisões que levem à manutenção de serviços ambientais, hoje em dia estão surgindo mecanismos de compensação, denominados “pagamentos por serviços ambientais” (PSA). O mercado de carbono é um deles e pode compensar financeiramente o serviço de redução de CO2 da atmosfera exercido pelas florestas. Esses mecanismos, além de estimularem a conservação ambiental, tornam mais justa a relação entre beneficiários e provedores de serviços ambientais.
O mercado de carbono é um assunto atual que merece ser analisado com cuidado, pois, se conduzido eticamente, pode levar a um novo posicionamento de soberania dos países ou regiões que ainda contam com riquezas naturais significativas. Esta tentativa parece válida, em um momento em que tem tantas questões vitais estão em jogo.
Leia também
As trilhas que irão conectar as Américas
Primeiro Congresso Pan-americano de Trilhas acontecerá em 2025, em Foz do Iguaçu (PR). Anúncio foi feito no 3° Congresso Brasileiro de Trilhas →
Entrando no Clima#39 – Lobistas da carne marcam presença na COP29
Diplomatas brasileiros se empenham em destravar as negociações e a presença de lobistas da indústria da carne nos últimos dias da COP 29. →
Pelo 2º ano, Brasil é o país com maior número de lobistas da carne na COP
Dados obtidos por ((o))eco sobre levantamento da DesMog mostram que 17,5% dos lobistas do agro presentes na COP29 são brasileiros →