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Pela carioca Avenida Rio Branco

Aberta há 103 anos para dar um banho de civilização no Rio de Janeiro, a avenida é um retrato perfeito da indiferença humana e da degradação ambiental urbana.

12 de novembro de 2008 · 15 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

A Avenida Rio Branco, para aqueles que não se lembram, é a antiga Avenida Central, inaugurada aos 15 de novembro de 1905 como parte de um projeto de modernização da cidade do Rio de Janeiro e como prova definitiva de que éramos “civilizados”.  Foi uma obra concebida pelo engenheiro Paulo de Frontin que depois virou elevado e foi a pique vitimado pela “stress corrosion”, como se disse à época. “João do Rio a definiu como “esse grande Sabá arquitetônico de dois quilômetros”, por onde passa “o Rio inteiro, o Rio anônimo e o Rio conhecido“. 1

O seu atual nome foi homenagem ao Barão de Rio Branco, falecido no ano de 1912. Com cerca de 2 (dois) quilômetros, a Avenida Rio Branco tem sido historicamente palco de manifestações políticas, – a famosa passeata dos cem mil aconteceu em suas entranhas, tendo desembocado na Cinelândia: “No dia 26 de junho de 1968, cerca de cem mil pessoas ocuparam as ruas do centro do Rio de Janeiro e realizaram o mais importante protesto contra a ditadura militar até então. A manifestação, iniciada a partir de um ato político na Cinelândia, pretendia cobrar uma postura do governo frente aos problemas estudantis e, ao mesmo tempo, refletia o descontentamento crescente com o governo; dela participaram também intelectuais, artistas, padres e grande número de mães.2– culturais, artísticas e tantas outras.  

Por falar em ditadura, uma das maiores boçalidades que ela cometeu foi a destruição do Palácio Monroe, antiga sede do Senado Federal, situada ao final da Avenida,  que foi demolida por simples capricho da ignorância então reinante, mas que resiste em ceder passo.  “Por volta de 1970 tem, junto com outros edifícios da Avenida Rio Branco, o pedido de tombamento federal negado pelo IPHAN, conseguindo-o apenas no âmbito estadual.  A falta do aval federal para sua preservação levaria a uma verdadeira batalha em 1976.  Com as obras do metrô, é pedida sua demolição, apoiada por baluartes da arquitetura moderna como Lúcio Costa, e pelo Jornal “O GLOBO”, que o atacava veementemente através de editoriais.  Por outro lado, o IAB e o Clube de Engenharia, através do Jornal do Brasil, tentavam de todas as maneiras preservar o edifício. Contudo, nem mesmo alterações no traçado do metrô foram suficientes para salvar o Palácio, que viria a ser demolido no mesmo ano.3 No fundo, uma desculpa conveniente.

É também pela Avenida Rio Branco que o Cordão do Bola Preta dá o primeiro grito do abre alas momesco, alojando-se na Cinelândia. Espaçhando-se por todo o Centro.  

A Avenida Central, quando inaugurada, era fruto de uma evidente intenção de reproduzir os ares parisienses nos trópicos – “prova de civilização” – e os seus edifícios como o Teatro Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes, a Biblioteca Nacional, o antigo prédio do Supremo Tribunal Federal eram claramente francófilos, talvez uma demonstração do “complexo de vira-latas” rodrigueano.   Desde a sua inauguração em 1905 houve muita mudança na artéria, as antigas construções foram sendo demolidas impiedosamente e delas pouco resta: a Cinelândia e os trechos anteriores à Avenida Marechal Floriano (Rua Larga), onde o Leão reinava soberano no comércio varejista, são as últimas testemunhas.  Desde 1905 várias avenidas Rio Branco foram construídas e demolidas.  

O primeiro “arranha céu” do Rio de Janeiro foi inaugurado na Avenida Rio Branco, refiro-me ao Edifício Avenida Central, construído sobre os escombros da Galeria Cruzeiro e próximo ao antigo “tabuleiro da baiana”, estação de bondes extremamente ecológicos “avant la lettre” os quais  foram substituídos pelos “chifrudos”, ônibus elétricos que não vingaram e permitiram que no Rio de Janeiro exista um dos “sistemas de transporte” coletivos mais poluentes, ineficientes e retrógrados que se tem notícia.   Mas isto é outro assunto.    

Apesar de passado tão glorioso, a Avenida Rio Branco, hoje, encontra-se largada à própria sorte, vítima do abandono das autoridades municipais. Aquele que se dispuser a um pequeno “footing” pelas calçadas da Avenida Rio Branco poderá constatar o que digo. Em primeiro lugar, chova ou faça sol, o nosso pedestre chegará ao destino inteiramente molhado pelos respingos de aparelhos de ar–condicionado instalados fora das normas da prefeitura, as quais exigem uma calha para que a água saída dos aparelhos não molhe os transeuntes. Sem querer bater em cachorro morto: “É ilegal é daí?” Este, contudo, dos males é o menor.

A circulação de triciclos e motocicletas pelas calçadas da Avenida Rio Branco, notadamente entre a Almirante Barroso e a Presidente Vargas é algo que não assusta mais ninguém. Muito menos a valorosa Guarda Municipal que, sempre aos bandos, nada vê, nada sabe, nada escuta. Apesar dos esforços da Comlurb que, reconhecidamente, é uma empresa que trabalha, as calçadas vivem cheias de papéis que são distribuídos por pessoas que se aglomeram em frente das casas comerciais, impedindo a passagem do transeunte mortal. Por que não multar os beneficiários da distribuição, por sujar a cidade?

Nos fins de semana, o estacionamento sobre as calçadas é figurinha fácil. Quem pensa que aos sábados é mais tranqüilo caminhar nas calçadas do Centro está redondamente enganado. Se nos dias de semana a ordem é quase que inexistente, nos fins de semana, a situação é aquela descrita pelo nosso síndico Tim Maia: “Vale tudo, liberou geral”.

Os jornaleiros que, sem dúvida prestam um relevante serviço à nossa cidade, estão com bancas cada vez maiores e ocupando os espaços destinados aos pedestres. Quanto à camelotagem, desnecessário qualquer comentário. Enfim, esperemos que as coisas mudem na nova Administração.

***

Os carros sobre a calçada da Rua Jardim Botânico voltaram.

1 – http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php?itemid=5906, capturado aos 10.11.2008
2 – http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=314, capturado aos 10.11.2008
3 – http://www.almacarioca.com.br/monroe.htm capturado aos 10.11.2008.

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