Prezada Maria Tereza Pádua, estava fora do ar e só agora pude entrar na discussão sobre o Parque Grande Sertão-Veredas. Ainda bem que o Marcos Sá Corrêa atualizou a pauta, abrindo caminho, uma veredazinha, para eu entrar. Esse parque que, tenho certeza, a cúpula do ChiBio, vulgo Instituto Chico Mendes etc e tal, desconhece de cabo a rabo, é um patrimônio inestimável do capital natural e cultural do Brasil e do sertão, de Minas, Goiás e Bahia. Como diria o outro, dos sertões de Minas, Goiás, Bahia e do mundo.
Eu fui ao Grande Sertão Veredas e posso dizer, por conhecimento, que Guimarães ficaria honrado com a homenagem e indignado com o ataque ao parque. Sou de Curvelo, a boca desse grande sertão e daquelas veredas, vizinho da Cordisburgo de João Rosa. Foi meu bisavô, José Lourenço Vianna, o doutor Juca, ou o médico do Curvelo, quem deu a Guimarães seus primeiros óculos, episódio depois relatado por ele na estória fantasia bela-triste de Miguilim e que está registrado nos relembramentos de Vilma Guimarães Rosa.
Cheguei à Chapada Gaúcha, onde ficam os portões do parque, bem antes do aprazado com o resto da equipe e fiquei várias horas na frente da pousada, sendo abordado por muita gente curiosa de eu estar lá. Vários grandes proprietários, em terras desmatadas, sem água, que querem a água do parque. Disseram-me, sem pejo, que a água do parque precisava ser distribuída. Os peões, que também paravam, contavam sobre desmatamento, caça e a diferença entre a secura do entorno e as águas do parque. A estória das indenizações saía das bocas desses grandes, com aquele tom inconfundível de pretexto, que não engana bom ouvidor.
Um dos leitores que comentou sua coluna de justa e pertinente de crítica ao presidente do ChiBio, Rômulo Melo, que falou besteira grande, perguntou a quem interessa isso tudo? À gente humilde do sertão? Nonada, besteira de vulto. Quem quer arrombar as portas do parque é a gente grande. Alguma ligada aos assassinos dos fiscais do Trabalho, que pilharam trabalho escravo nas vizinhanças do parque, em Unaí (MG). Outra gente, talvez ligada aos assassinos do guarda do IEF, lá dos fundos, na Serra das Araras, ou aos que estavam ameaçando outro guarda, no Vão do Buraco. Os dois reprimiam desmatamento para fazer carvão ilegal para as guzeiras de Minas afora.
Contei aqui, n´O Eco, minhas conversas em Chapada Gaúcha e minha extraordinária experiência viajando pelo parque. O Grande Sertão está fechado, protegendo o cenário do maior romance da literatura brasileira e um dos maiores da literatura mundial. Uma nova tradução para o inglês está prestes a sair.
Outro comentário disse que aquilo é terra vazia. Bobagem, o Grande Sertão com suas veredas intactas, não está vazio. Por causa da proteção do parque, nesse cenário vive, no seu meão, gente fantástica, de emocionante rica-simplicidade, artesãos, costureiras, bordadeiras, violeiros, dançarinas, cantadores, declamadores, peões e velhos personagens das lidas boas do sertão, como seu Leôncio e seu Libânio.
Vivi momentos encantadores na Folia de Reis, conversando com aquela gente, tomando um cafezim ralo, mineiríssimo, com as broas e os bolinhos, que cada um trazia para depois da dançaria. Vendo avós e suas netas, algumas bisnetas, dançando juntas. Ou avós e netos, alguns bisnetos, tocando juntos. E uma menina atenta, esperando chegar sua vez. Ouvindo os violeiros, o tocador de rabeca, o declamador de Grande Sertão. Vazia nada. Terra cheia de gente boa, preservada dessa má fé toda que campeia no seu entorno.
Vi o trabalho de organização da extração de favela, que atende à demanda do laboratório Merk, para fazer um de seus principais medicamentos anticoagulantes. Só não vi inutilidades, algo que me fizesse dizer que haveria mais benefícios em não ter o parque, do que em tê-lo. Sem gente, três homens defendiam, do jeito que dava, aquele mundão de terra cobiçada por gente graúda, eu ficava imaginando quando se daria o ataque dos vândalos.
O que o Rômulo Mello, presidente do ChiBio, tem que esclarecer, é de que lado está. Dos bárbaros que estão concertando um ataque vil às frágeis fronteiras da conservação, aproveitando um momento de fraqueza histórica e o beneplácito do Rei e sua Grã-vizir? Quem ataca essas fronteiras últimas não está do lado bom da história.
O que o ministro Carlos Minc tem que explicar é se ele também quer arrombar as portas dos parques e fazer reforma agrária reversa no patrimônio natural e cultural do país, entregando-o aos sojeiros, pecuaristas extensivos e carvoeiros.
Ou se seu assessor errou e nos deve, aos brasileiros, no mínimo, um singelo, franco e honesto pedido de desculpas. O ministro, se está do lado do bem, lhe deve, pelo menos um puxão de orelhas, ou umas palmadas nas duas mãos, com uma palmatória feita com madeira apreendida lá nos cerrados das Gerais.
Saiba mais:
O pior dos pesadelos na conservação
Instituto Chico Mendes se perde nas Veredas
A Chapada da Soja
Grande Sertão: Veredas e suas ecologias
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