Enquanto o Brasil ostenta internacionalmente uma visão muito limitada do que entende por defesa do meio ambiente, afirmando que não aceitará nenhuma pressão externa para impedir as queimadas na região amazônica, como se o mundo não tivesse mesmo nada a ver com isso, um grupo de membros do Ministério Público do Centro-Oeste dá, em silêncio, uma lição de conservacionismo e cooperação.
Há cerca de seis meses, promotores e procuradores de comarcas da região da Bacia Hidrográfica do Alto Uruguai, que abrange os Estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, inspirados por uma experiência semelhante em Minas Gerais, decidiram se unir para proteger o meio ambiente local. Nascia o NPJDP ou o Núcleo de Promotorias de Justiça de Defesa do Pantanal.
“Foi uma necessidade”, afirma o Promotor Luciano Luobet, um dos idealizadores do Projeto. “Precisávamos criar uma política do Ministério Público para o Pantanal e, ao mesmo tempo, acabar com o ‘comarquismo’, ou seja, com o hábito de alguns promotores de apenas se preocupar com o que acontece dentro de sua própria comarca. O meio ambiente não obedece a fronteiras artificiais ou políticas, e os seus problemas também não”.
Uma idéia semelhante já havia sido implementada em Minas Gerais, onde o Ministério Público local articulou-se em defesa da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, com resultados notáveis. Lá, o trabalho já rendeu uma sensível melhora na rede de esgotos da região metropolitana de Belo Horizonte, uma das grandes fontes de poluição do rio. A cidade pode vir a ser, por causa disso, a primeira capital brasileira a ter 100% de seu esgoto tratados.
Recentemente, o NPJDP assinou a Carta de Rio Negro, na qual identificam os principais problemas ambientais da região e comprometem-se a buscar soluções. Alguns dos pontos identificados são o desmatamento de áreas de preservação permanente, como as matas ciliares, o assoreamento dos rios, a poluição das águas, a perda do solo, o uso inadequado de agrotóxicos, a inadequada destinação do lixo, a falta de tratamento adequado do esgoto e a precária implementação de Unidades de Conservação.
Para chegar a essa conclusão, os membros do NPJDP organizaram duas reuniões. Na primeira delas, alguns de seus membros, em conjunto com 15 técnicos de entidades e organizações não governamentais e técnicos do Ministério Público, para identificar as áreas que necessitam de cuidados e traçar uma linha de atuação. Feito isso, um segundo encontro foi organizado, para que todos os promotores da região passassem por um curso de capacitação ambiental. Frise-se que não se tratou de um curso de direito ambiental, mas do meio ambiente em si, ministrado por biólogos e outros técnicos. “O promotor de uma comarca localizada na nascente do Rio Uruguai aprendeu como a poluição gerada em sua jurisdição segue o curso do rio, afetando outras comarcas”, lembra Luciano.
De fato, outra constatação feita na Carta de Rio Negro é que a maioria dos problemas ambientais enfrentados pelo Pantanal decorrem de causas externas – ou seja, da região ao seu redor, também conhecida como peripantaneira ou do Planalto. O projeto tem tudo para dar certo. “Nossa chefia vem nos apoiando muito”, diz Loubet. “E estamos buscando um convênio com o Ministério do Meio Ambiente, para que ele pague a estadia de técnicos que venham a ser necessários nesse trabalho”. Se depender de boa vontade e disposição, ao que tudo indica, a batalha está ganha.
Também importante é que, pela primeira vez, existe um plano articulado pelo Ministério Público para a região, com metas determinadas e indicadores de resultado, capazes de demonstrar se o trabalho está realmente surtindo o efeito desejado ou não. O objetivo é que todos os lixões da região e todas as propriedades localizadas nas margens dos rios locais, que se encontram em situação ambiental irregular, estejam com Termos de Ajustamento de Conduta assinados até o final do triênio 2005/2007. Este é também o prazo que o MP se deu para ajuizar ações civis públicas contra aqueles que se negarem a regularizar sua situação.
Mas os próprios membros do NPJDP reconhecem que o trabalho por eles desenvolvido é apenas um começo. A Carta de Rio Negro afirma, em seu final, que o Poder Público ainda precisa implementar políticas eficientes de educação ambiental para a conscientização da população e para tornar efetivas as Unidades de Conservação do Pantanal.
Atitudes como esta demonstram como, com um pouco de criatividade, o Ministério Público pode utilizar a independência que lhe dá a Constituição Federal para aprimorar sua atuação, tornando-a mais e mais adequada a cada localidade. Esse tipo de flexibilidade e interesse é essencial em um País com problemas ambientais e sociais tão variados. Aprender a olhar para o lado é o tipo de atitude que o Brasil deveria mostrar lá fora, para evitar pagar mico.
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