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Continuamos mal na foto

O buraco causado pelo desmatamento na Amazônia mostrou para o mundo inteiro muito mais do que o fracasso da política ambiental brasileira. Mostrou descaso.

3 de junho de 2005 · 20 anos atrás

Muito se tem falado – inclusive aqui em O Eco – sobre o choque que causou a divulgação, pelo Governo, dos últimos dados do desmatamento na região amazônica. Mas a notícia em si – que, oficializada, deixou praticamente o Brasil inteiro indignado e boquiaberto ao saber que no último ano perdemos mais uma Bélgica de floresta tropical – não deveria ser novidade para nenhum brasileiro. Alguém realmente acreditava que algum trabalho sério e efetivo vinha sendo feito pelo governo federal, para prevenir tamanha destruição? Alguém, no fundo de sua boa-fé, achava que a região não se encontrava entregue à própria sorte, nas mãos de madeireiros, agricultores e pecuaristas? Creio que não. Já deveríamos estar acostumados por aqui com os projetos que não saem do papel e com discursos demagógicos furados.

A política ambiental do governo Lula vem tropeçando nas próprias pernas e andando para trás desde que foi implementada. O que vimos recentemente foi apenas a confirmação, em rede nacional, do que todos já sabíamos – ou deveríamos saber. Não é estranho saber que a meta do Ministério do Meio Ambiente não era conseguir um decréscimo na já estratosférica taxa de desmatamento, mas conseguir que ela aumentasse para um patamar um pouco menor do que agora sabemos que aconteceu? “Nós esperávamos um aumento de apenas 2%, não de 6%” parece uma declaração estranha vinda da Ministra Marina Silva.

Para o resto do mundo, por outro lado, a situação é um tanto diferente. Este episódio pode ter sido a gota d’água para mostrar – ou lembrar – à comunidade internacional a situação calamitosa em que o Brasil se encontra em termos de meio ambiente. A repercussão lá fora foi grande. Não apenas o fato foi comentado por diversos dos palestrantes estrangeiros que estiveram no Rio de Janeiro participando do II Congresso Internacional de Direito do Ambiente da Procuradoria do Município do Rio de Janeiro, na semana passada, como a mídia internacional deitou e rolou nele. Em jornais de todo o mundo, a região amazônica ganhou o título de terra sem lei; o governo federal foi chamado de inoperante; o governador do Estado do Mato Grosso, de inescrupuloso e interesseiro; e o quadro como um todo foi qualificado como uma triste notícia para a humanidade. A imprensa brasileira não deu muita bola para o assunto, mas o Brasil ficou muito mal na foto.

O New York Times, por exemplo, publicou um editorial no último dia 31 de maio, intitulado The Amazon at Risk, no qual afirma que a Amazônia é uma região que mata aqueles que lutam para preservá-la – citando os casos de Chico Mendes e Dorothy Stang -, na qual o governo atua de forma intermitente e sempre correndo atrás de desastres pontuais e onde as leis não se aplicam, já que não há efetivo policial para tanto. O Brasil, segundo o editorial, é um lugar onde “o crescimento econômico parece estar acima de tudo e políticos locais têm mais influência do que o governo federal”.

O jornal italiano Corriere della Sera do dia 20 de maio traz também um editorial sobre o assunto, intitulado L’Amazzonia muore. Accuse a Lula (ou seja: “A Amazônia morre. Acusações a Lula”). Nada sutil, assim como o restante do texto. Nele, o jornalista Rocco Cotroneo salienta que, não obstante os esforços do governo brasileiro, “uma boa parte da região amazônica é um faroeste sem lei, como demonstra o recente assassinato da freira Dorothy”, onde “a floresta morre às margens de estradas de terra batida, construídas ilegalmente em terrenos públicos ou privatizados graças a documentos falsificados”.

Mas ainda pior do que ver estampada nas páginas do mundo inteiro a ineficiência da política ambiental brasileira é se dar conta de que não demorou nem seis meses para que as mazelas trazidas pela aprovação da nossa Lei de Biossegurança ganhassem notoriedade internacional. Associado à falta de escrúpulos ambientais e aos interesses privados do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, diversas vezes referido como “rei da soja” e “um dos maiores produtores de soja do mundo”, o plantio descontrolado do grão – muito fortalecido pela referida lei – é apontado como um dos maiores vilões neste episódio.

As notícias internacionais são unânimes em afirmar que uma das principais causas da devastação das florestas no Brasil é justamente a expansão da fronteira agrícola para o cultivo da soja, defendido com unhas e dentes pelo governo Lula – com trocadilho, por favor – como a salvação da lavoura para o país.

O New York Times diz que o crescimento explosivo do plantio de soja no Estado do Mato Grosso é a principal ameaça para a região. Mas Blairo Maggi, que o jornal chama de “rei da soja”, afirma que um crescimento de 40% no desmatamento do seu Estado não significa nada e que ele não sente a menor culpa por conta de o que está sendo feito por lá. Deveria sentir. A página da BBC também denuncia o envolvimento de Maggi nas estatísticas de destruição, citando um pronunciamento do Greenpeace onde ele é chamado de “rei do desmatamento”.

Segundo o Corriere della Sera, o governador vê um futuro para a Amazônia que é, no mínimo, assustador, sobretudo porque, até o momento, o poder de controle das autoridades federais tem se mostrado muito aquém da capacidade destrutiva de Maggi. Para ele, a Amazônia terá um dia – de preferência, o mais cedo possível – só a metade da cobertura florestal que tem hoje, protegida na forma de parques. O resto será uma imensa lavoura de grãos. O jornal italiano também afirma que só nos restam 82% da extensão original da floresta e que isso, para alguns, ainda é muito.

A aceleração da destruição de nossos remanescentes de floresta nada mais é do que o primeiro efeito sensível da edição da Lei de Biossegurança. Ela, no fundo, só veio legalizar e incentivar o que já era prática comum entre os agricultores brasileiros. Anos antes da sua edição, já se plantavam, na ilegalidade, grãos geneticamente modificados, confiando em que a bancada ruralista legitimasse, através de medidas provisórias para lá de inconstitucionais, essa conduta de má-fé. Dito e feito, foi exatamente o que aconteceu. Antes, as motosserras tinham seu apetite mais ou menos controlado pelo clima de incerteza causado pelas MPs. Com a edição da Lei de Biossegurança, tudo isso mudou e o plantio de OGMs – organismos geneticamente modificados – pode avançar sem medo sobre a floresta, amparado por um instrumento legal que, ao menos formalmente, é sólido.

Mas a Lei de Biossegurança, da maneira como foi editada, não resolve nenhum dos problemas potencialmente criados pelos OGMs, apontados pelos especialistas. Ao contrário. Especialmente no Brasil, em que todo tipo de norma padece de aplicabilidade justamente porque não se consegue fiscalizar o seu cumprimento, uma lei que se pretende tão-somente a criar órgãos de fiscalização de uma determinada atividade e punições para os infratores, soa ridiculamente vazia de conteúdo. O que fizeram, até agora, o CTNBio e o CNBS? Como eles, até o momento, aumentaram a nossa segurança com relação aos OGMs? Enquanto isso, a fronteira agrícola se expande velozmente Amazônia adentro.

Enquanto isso, o governador do Mato Grosso, Estado que enfrenta a maior devassa de corrupção ambiental dos últimos tempos – vide a excelente notícia da prisão de literalmente dezenas de funcionários do Ibama local -,amparado na Lei de Biossegurança, destrói milhares de quilômetros quadrados de floresta. Se continuarmos assim, até o Presidente Lula vai poder contar nos dedos o que nos resta de floresta amazônica.

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