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A guerra e a inércia climática das sociedades

Globalmente ficou mais fácil justificar a inação climática. Para a alegria dos interesses do petróleo, essa cadeia produtiva que se vê fortalecida com as ameaças de guerra

23 de junho de 2025
  • Carlos Bocuhy

    Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

O bombardeio das instalações nucleares do Irã pelos Estados Unidos altera ainda mais a instabilidade da segurança global. Quanto mais cenários e presságios de guerra, menor tendem a ser os compromissos reais com o clima.        

Na COP30, mais uma vez, as grandes potências que são as maiores emissoras de Gases Efeito Estufa (GEE) se sentarão à mesa de negociação climática preocupados com seus interesses geopolíticos.

Por outro lado, a insegurança climática se abate sobre o planeta. O Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), ou Météo-France, acaba de publicar na revista Earth System Science Data um estudo sobre a criticidade do aquecimento global, assinado por 61 cientistas de 17 países diferentes.

Não será possível limitar o aquecimento global a 1,5ºC. “Não é uma questão de física, mas de inércia das sociedades”, alerta Sophie Szopa, diretora de pesquisa do Laboratório de Ciências Climáticas e Ambientais (CEA).

O estudo propõe avançar com relação às comunicações do painel científico oficial mantido pelas Nações Unidas: “Nosso trabalho permite preencher uma lacuna relacionada aos atrasos na publicação dos relatórios do IPCC, enquanto o próximo é esperado para o final da década”, explica Aurélien Ribes, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas Meteorológicas e coautor do estudo.

É preocupante a constatação de inércia das sociedades como fator determinante para a impossibilidade de manter o equilíbrio climático. “É um princípio da realidade, enquanto as emissões de gases de efeito estufa não estão diminuindo e a transição ecológica está sob ataque em muitos países”, afirma o climatologista Christophe Cassou, diretor de pesquisa da École Normale Supérieure (CNRS).

Podemos considerar que a transição ecológica está sob ataque também no Brasil?

Quando avaliamos a atuação do Congresso Nacional não resta dúvida quanto a isso. Basta observar o desastre regulatório representado pelo Projeto de Lei 2.159/2021, que desmantela o licenciamento ambiental, instrumento legal de vital importância em um país onde o ordenamento territorial, com fortes lacunas no planejamento, é muitas vezes compensado com ações mais pontuais, no varejo protagonizado pelo licenciamento, que também é a única instância que garante participação e controle social.       

É preciso avaliar o atual estágio da transição ecológica no Brasil, que está se preparando para sediar em novembro a CPO30, a cúpula global do clima.  Não basta encenar o repertório usual de promessas nos discursos governamentais, é preciso demonstrar avanços na prática.

O governo federal dá sinais de outra direção: tutela uma economia recheada de petróleo e interesses dos setores agropecuário extensivo, ambos ambientalmente impactantes.

A leitura do Produto Interno Bruto (PIB) não é mais suficiente como indicador de riqueza, uma vez que a medida de todas as coisas, diante da emergência climática, passou a ser sustentabilidade, mais especificamente indicadores que possam demonstrar o índice de transição ecológica.

É evidente que, sem bom e qualificado modelo de desenvolvimento, continuamos a destruir biomas vitais como a Amazônia, que possui capacidade de regular as chuvas em grande parte do continente sul-americano – e, portanto, é responsável por manter a segurança hídrica e alimentar do País.

Hoje o PIB brasileiro expressa também o crescimento da degradação. As medidas econômicas do País buscam fortalecer iniciativas de negócios sustentáveis, ainda que com critérios pouco confiáveis. Por outro lado, não desestimulam como deveriam as práticas predatórias, como a agricultura e a pecuária extensiva que destrói áreas florestadas, vitais para o equilíbrio ecossistêmico.  As diretrizes econômicas ministram vitaminas sem aplicar o necessário antibiótico, que seria a fórmula eficaz para promover a transição ecológica.

Globalmente ficou mais fácil justificar a inação climática. Para a alegria dos interesses do petróleo, essa cadeia produtiva que se vê fortalecida com as ameaças de guerra. A inércia climática acaba abafada pelos rumores de guerra. Os conflitos absorvem a mídia e a falta de estabilidade e paz tira o foco das questões essenciais para as quais deveria se voltar a humanidade.

A perda do multilateralismo colaborativo no cenário global exige do Brasil uma postura muito mais arrojada do que o atual protagonismo morno em sua transição ecológica, notado especialmente nas áreas de energia e do agronegócio. Sem ações internas mais transformadoras, o Brasil não conseguirá preencher a enorme brecha que se abriu para novas lideranças globais que pratiquem e liderem em sustentabilidade, compondo novos blocos que possam liderar na ausência dos Estados Unidos.

A perda de protagonismo climático global atingiu as raias do absurdo. Nos Estados Unidos, Donald Trump está eliminando gradualmente a Administração Federal de Gerenciamento de Emergências (FEMA) após a atual temporada de furacões. Argumenta que os Estados devem liderar sua própria resposta a desastres, ignorando as dimensões e custos dos impactos climáticos.

O tempo não para e o clima tem se demonstrado implacável. No último ano, os incêndios em Los Angeles demonstraram isso. Foram em janeiro. Findado o verão e outono, os EUA entram agora na temporada de furacões.

No intervalo entre incêndios e furacões, Trump livrou-se do problema dos desastres transferindo a responsabilidade para os Estados. Sob o governo Trump, a FEMA perdeu cerca de um quarto de sua equipe principal. A ausência da federação irá gerar um desequilíbrio enorme, especialmente para os Estados não preparados para atuar no cenário climático. Essa é uma questão importante, uma vez que as vulnerabilidades estão crescendo e surgindo em regiões que eram consideradas “seguras” e, portanto, inexperientes para lidar com situações extremas assim como, por exemplo, as ondas de calor extremo.

A perspectiva de falta de assistência preocupa. Segundo Carlos Martín, da Resources for the Future, “muitos Estados não preparados e muitas pessoas podem não ser totalmente capazes de se recuperar se houver um evento”. 

O desastre que representa desguarnecer os Estados pode ser bem exemplificado no Brasil. O cenário pós-desastre no Rio Grande do Sul já consumiu, até o momento, a cifra de R$ 89 bilhões em recursos federais. As inundações impactaram 478 das 497 cidades gaúchas, afetando diretamente cerca de 2,4 milhões de habitantes.

A retomada de condições de normalidade é lenta e demonstra como os impactos climáticos alteram a vida e a qualidade de vida das populações. No RS, milhares de pessoas perderam suas casas e ainda aguardam solução definitiva. Os impactos sobre a infraestrutura viária foram extremamente duros, afetando 13,7 mil km de estradas e outras estruturas.

O caso do RS exemplifica também a necessidade de recursos para que países em desenvolvimento possam superar impactos climáticos e recuperar as condições de trabalho e subsistência.   

Na preparatória para a COP30 que ocorre em Bonn, o Brasil propôs de forma acertada a reforma dos agentes multilaterais de desenvolvimento, como FMI e Banco Mundial, além de retomar o pleito das COPs anteriores sobre recursos da ordem de US$ 1,3 trilhão anuais até 2030, direcionados para reparação de danos climáticos e financiamento, com condições especiais, para países em desenvolvimento.      

O Brasil presidira em Belém do Pará, em novembro, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre mudança do Clima – COP30.  Segue com discurso progressista e propõe o estabelecimento de meta climática global (GDC), nova métrica para inovar o acordo de Paris, que completa 10 anos em 2025. Mas não pode deixar que seu otimismo de país-sede venha a subestimar os entraves que estão surgindo em Bonn.

É fato inegável que a experiente diplomacia climática do Brasil está fazendo seu papel, de forma propositiva e com inovações conceituais importantes e necessárias. O Itamaraty possui longa experiência de diplomacia ambiental desde a Conferência Rio 92, e atuou fortemente quando o Brasil sediou e protagonizou as discussões sobre Economia Verde por ocasião da Rio+20.

O discurso diplomático funciona como megafone voltado ao mundo exterior. Mas não será eficiente para mudar as estruturas econômicas arcaicas e insustentáveis internalizadas nas ameias do poder político brasileiro, sem que ocorram novas abordagem em nível estratégico e operacional, especialmente na área econômica. 

As mudanças necessárias necessitam de novos esforços, da construção de amplo pacto social objetivando resiliência diante de uma real ameaça climática. Essa iniciativa que não se concretizará sem a explicitação dos conflitos existentes na governança ambiental brasileira, que são causa e consequência da inercia climática em nossa sociedade.  

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