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Ativistas brasileiros ressaltam a importância de uma cobertura regionalizada sobre clima

O estudo reforça a necessidade de um jornalismo mais contextualizado, que valorize as especificidades regionais e as vozes locais

7 de março de 2025
  • Clara Aguiar

    Estudante de Jornalismo da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS

  • Eloisa Beling Loose

    Professora e pesquisadora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e coordenadora do Laboratório de Comunicação Climática (CNPq/UFRGS). Doutora em Comunicação pela UFRGS e doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR (Universidade Federal do Paraná).

O Brasil, com sua vastidão territorial e diversidade ambiental, apresenta múltiplas realidades que precisam ser consideradas na produção de notícias sobre as mudanças climáticas. A concentração da imprensa nos grandes centros urbanos, baseada no Rio de Janeiro e São Paulo, tem levado a uma cobertura que, muitas vezes, não reflete as especificidades regionais, tampouco as experiências locais. 

A maneira como o Jornalismo pauta a emergência climática no Brasil, um País de dimensões continentais e realidades diversificadas, suscita debates sobre a necessidade de uma abordagem mais descentralizada. O estudo “Especificidades regionais no debate sobre jornalismo e engajamento climático: Um estudo de recepção com ativistas brasileiros”, realizado por pesquisadoras do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS), se debruça sobre as percepções de jovens ativistas brasileiros de 19 a 35 anos acerca de como o Jornalismo é percebido por essas lideranças no que diz respeito à mobilização para o enfrentamento das mudanças climáticas. 

Os participantes da pesquisa defendem uma abordagem mais plural, que vá além do foco predominante no eixo Rio-São Paulo e na Amazônia – que acaba ofuscando a destruição de outros biomas brasileiros. Os ativistas sugerem que o jornalismo apresente histórias por meio de relatos pessoais, mostrando como pessoas comuns enfrentam os desafios ambientais em suas próprias regiões. Isso, segundo eles, criaria um senso de identificação e pertencimento, incentivando o engajamento da sociedade na luta climática.  Esse enfoque descentralizado colabora na compreensão das conexões entre as cinco regiões do País, especialmente em relação às mudanças nos regimes de chuvas.

O estudo evidencia as diferentes percepções regionais sobre a cobertura jornalística da crise climática no Brasil, destacando como fatores sociais, econômicos e ambientais moldam a maneira como cada grupo compreende e se comporta diante das mudanças no clima. 

Os ativistas da Região Sul, que engloba estados fortemente dependentes do agronegócio, associaram a escassez de chuvas, que afeta a produção agrícola, às mudanças climáticas e ao desmatamento da Amazônia, estabelecendo uma conexão relevante entre as regiões. Essa conexão reflete a compreensão de que os impactos ambientais ultrapassam fronteiras regionais. Uma das participantes l  destacou a importância de pautar temas locais para engajar a população: “Não adianta nada eu dar exemplos da Amazônia para Santa Catarina. Eu preciso falar sobre enchente, que afeta anualmente as cidades e o campo, ou sobre a escassez hídrica, que impacta diretamente a vida das pessoas aqui”. 

No Norte, comunidades amazônidas criticaram a cobertura jornalística por reforçar uma visão estereotipada da região, restrita à biodiversidade e ao desmatamento da Amazônia, sem abordar as realidades enfrentadas pelos povos tradicionais. As soluções locais, baseadas em saberes ancestrais, são frequentemente ignoradas em prol de uma narrativa globalizada e distante. Essa abordagem fragmentada dificulta a compreensão das complexidades enfrentadas pelas comunidades atingidas.

A percepção no Nordeste aponta para a escassez de reportagens sobre problemas específicos da região, como a desertificação, dificultando o entendimento das causas de fenômenos locais. Além disso, os participantes destacaram a falsa ideia de que o desmatamento ocorre exclusivamente na Amazônia, ignorando atividades destrutivas, como a mineração e a grilagem, em outras regiões. As desigualdades socioeconômicas, que acentuam a vulnerabilidade frente aos riscos climáticos, também foram mencionadas, assim como a necessidade de uma imprensa mais incisiva na cobrança de governantes.

No Sudeste, os participantes enfatizaram as consequências das chuvas intensas e a importância de reportagens que responsabilizem o poder público pelas causas e desdobramentos das mudanças climáticas. Já no Centro-Oeste, a discussão dos ativistas foi centrada no bioma Pantanal, destacando a relação entre o desmatamento da Amazônia, as alterações nos regimes de chuva e o aumento das queimadas, associadas à estiagem prolongada. Segundo os ativistas, é fundamental que o jornalismo valorize as questões regionais e dê voz às populações afetadas, conectando as comunidades a partir de suas experiências territoriais.

O estudo reforça a necessidade de um jornalismo mais contextualizado, que valorize as especificidades regionais e as vozes locais. Essa abordagem, segundo os participantes, é essencial para promover a conscientização e engajar a população na compreensão e no enfrentamento das mudanças climáticas. Os ativistas também defenderam a valorização de soluções emergentes e práticas sustentáveis desenvolvidas por populações tradicionais, como indígenas, quilombolas e ribeirinhos.

Embora reconheçam o papel-chave do jornalismo hegemônico em alcançar grandes audiências, os ativistas alertaram para seus limites. Tal padronização necessária  para o alcance massivo, reduz significativamente a possibilidade de uma produção  mais regionalizada. Essa contradição pode ser minimizada em telejornais e sites locais dos grandes grupos”, apontaram.

Outro desafio destacado foi a desigualdade no acesso à informação, especialmente no Norte e no Nordeste, onde a precariedade da infraestrutura de comunicação aumenta a vulnerabilidade à desinformação. A falta de cobertura regionalizada e contextualizada agrava essa desigualdade, tornando as comunidades mais suscetíveis a informações enganosas e negacionistas.

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