Tudo começou com um objeto estranho, enorme, parado na margem da floresta. Os primeiros a avistarem-no foram os macacos. Espalharam a notícia. Logo outros bichos, em especial aves e insetos, foram ao local para ver com seus próprios olhos (compostos ou não) o que era aquilo.
O objeto era estranho. Amarelo; meio alaranjado. Com grandes suportes redondos e uma espécie de tromba com uma garra na ponta. Curiosos, alguns animais chegaram mais perto e sentiram seu cheiro forte, viram como era robusto e imóvel. Sabiam que não era um animal, certamente não era nada vivo, mas nunca haviam visto algo parecido.
Algumas horas depois, um barulho ensurdecedor tomou conta de uma parte da floresta. A esse ruído, somavam-se estrondos de árvores que caíam. Os animais gritavam. Falavam uns com os outros, emitindo sinais para que todos soubessem o que acontecia. Aquele objeto agora se movia. Ia e vinha, derrubando lentamente as árvores e avançando rumo à floresta. Alguns animais já estavam machucados. Ora por fragmentos de árvores e pedras que voavam pelos ares, atingindo tudo ao redor; ora pela correria que se instalou, causando um frenesi faunístico.
Em seguida, outras máquinas juntaram-se àquela. O barulho aumentava, assim como a destruição da floresta e o caminho e as clareiras que faziam. Tudo durou alguns dias, sem que os animais se dessem conta do que de fato acontecia.
Em seguida, veio o fogo. Começou pequeno, mas logo circundava a mata. Labaredas enormes destruíam tudo ao redor. O fogo corria por baixo da mata, queimando baixinho, incendiando as raízes. O chão em cinzas, alimentava, ardendo, novas labaredas que subiam até a copa das árvores.
Centenas de animais não resistiram e morreram. Alguns estavam enterrados, outros tentaram se enterrar. Boa parte deles foi cercada por chamas e não tinha por onde escapar; acuados pelo fogo, estes morreram desorientados. Alguns fugiram, chamuscados e com queimaduras e morreram mais tarde. Outros, em retirada sem rumo pela noite caíram na água e se afogaram ou acharam lugares abertos. Estes logo foram surpreendidos por luzes que se aproximavam tão rapidamente que chegavam até a paralisá-los. Em seguida, um baque rápido e forte os lançava metros à frente, onde já caiam mortos.
Um casal de araras decidiu ficar na árvore onde tinham um ninho com seus filhotes. O chão tremia e o medo dos pequenos comoveu os pais que não tinham mais o que fazer senão proteger o ninho. A árvore finalmente caiu e aquele casal voou para longe, sem os filhotes.
Dentro das máquinas, uma forma bípede, com um casco duro na cabeça, parecia controlar a situação. Mais alguns dias adiante, os animais perceberam que não havia o que fazer diante do poderio daquela espécie e da dominação que ela impunha. Vinham para destruir o mundo animal e expulsar todos os bichos da floresta.
A essa altura, mais da metade da mata estava destruída e muitos animais haviam fugido. As máquinas avançavam, marchando sem piedade sobre a terra. Por isso, alguns animais chamaram os seres bípedes de marchianos. Eram seres de outro mundo que vinham para acabar com tudo que os animais tinham, ocupando e transformando toda a paisagem.
Aos poucos, animais de outras matas souberam do acontecido. Tentaram se organizar, mas não sabiam quando seriam atacados. O pânico se espalhou e muito da natureza se perdeu nesse tempo. Reza a lenda que, ainda hoje, quando veem um objeto amarelo daqueles, os animais sabem que os marchianos chegaram e que a maior guerra que poderiam travar está prestes a começar. Mas eles não podem se livrar daquele ataque ao seu mundo.
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Em 30 de outubro de 1938, a rede americana CBS (Columbia Broadcasting System) transmitiu por rádio uma adaptação – feita pelo ator e diretor Orson Welles – do romance A Guerra dos Mundos, publicado em 1898 pelo escritor inglês Herbert George Wells.
Tratava-se de um programa que relatava a chegada de centenas de marcianos a bordo de naves extraterrestres à cidade de Grover’s Mill, no estado de Nova Jersey. A adaptação de Welles trouxe credibilidade à simulação de uma invasão extraterrestre ao planeta e acabou por desencadear pânico na costa leste dos Estados Unidos. Essa é uma das histórias mais pitorescas e interessantes do Rádio.
É curioso notar que a emissora avisou que se tratava de uma novela fictícia, com uma introdução bem clara no início do programa. Mesmo assim, muitos ouvintes perderam essa parte ou sintonizaram o rádio minutos depois, de forma que as notícias de uma invasão se tornaram “reais” e espalharam rapidamente.
Duas lições me vêm a mente de forma rápida sobre esse episódio.
Primeiro, o poder das “fake news” (o que nem era o fato, nesse caso) em causar uma histeria coletiva na população que, por sua vez, se confunde com informações conflitantes e fontes mal informadas. Qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência. Segundo, que a guerra dos mundos é real. Mas não somos nós os invadidos. Essa guerra se reflete na história humana de colonizações, escravidão e disputa territorial… ela se reflete mais ainda na história da natureza, dos animais, dos ecossistemas.
Aqui não há notícias falsas. A diferença, é que os animais não escrevem suas histórias para que as possamos ler. Como diz o provérbio africano: “Até que os leões inventem as suas próprias histórias, os caçadores serão sempre os heróis das narrativas de caça”.
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Se os animais tivessem religião, o homem seria o demônio.
Com toda a certeza.
Até
Maravilha de texto