Algo soou estranho na proposta da Opep das Florestas anunciada pela insípida e desprestigiada representação governamental do Brasil, sem detalhamento ou transparência, durante a COP27.
A ideia é que os três países com as maiores florestas tropicais do Mundo – Brasil, Indonésia e RDC (República Democrática do Congo) – formem uma aliança estratégica no combate ao desmatamento.
A Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) funciona como um cartel que controla os preços do petróleo no mercado internacional, visando sua valorização e a manutenção de um consumo constante, em vez de deixá-lo embaixo do solo para que não detone, ainda mais, a possibilidade de sobrevivência da humanidade e das espécies vivas. Palavras do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) ou, na visão de Antonio Guterres, secretário geral da ONU, “a caminho do inferno e pisando fundo no acelerador”.
A Opep representa o que se combate para solucionar a crise climática global. A sugestão seria fazer algo semelhante com as florestas, um “cartel do bem”, potencializando o mercado de carbono? Cobrar por serviços ambientais?
É preciso refletir sobre a superficialidade da proposta. Quando se comparam florestas com a organização que comercializa o petróleo, o termo produtores é incoerente, já que os países proponentes – Indonésia, República Democrática do Congo e Brasil – têm sido, de forma sistemática, os maiores destruidores das florestas tropicais.
A Indonésia perdeu, só neste século, mais de 25 milhões de hectares de florestas. A região da África subsaariana perdeu 18 milhões de hectares para agricultura. Só o Brasil destrói, todo mês, uma massa florestal próxima ao tamanho da cidade de São Paulo. Em 2021, as três nações somaram uma perda de 11,1 milhões de hectares de cobertura florestal.
Então, como pensar em focar na comercialização de créditos de carbono tendo por base as atuais condições de degradação dessas massas florestais, em intenso desmatamento que ocorre dia após dia, contribuindo para saturar o planeta com gases de efeito estufa (GEE)?
A proposta é também profundamente excludente. Na tentativa de protagonizar no mercado de carbono, atraindo recursos para os que detêm 52% das florestas tropicais, exclui os demais 48% que representam ecossistemas riquíssimos em biodiversidade. A ideia replica a característica ecocêntrica da atual geopolítica excludente, da luta pela hegemonia econômica no cenário global, abandonando a cooperação, o multilateralismo colaborativo entre as nações para que se possa, de fato, proteger o conjunto da biodiversidade planetária.
Faltou diálogo e costura política para a propositura. Os países detentores de florestas tropicais precisam retomar a essência do problema e propor, em coalizão global, a consecução da Convenção sobre Diversidade Biológica, sacralizada a partir das discussões e resoluções da Conferência Rio 92. Essa agenda, assim como a COP27, está em sua 15ª edição.
Recentemente, dados das Nações Unidas apontam perdas de biodiversidade e nos ecossistemas que prejudicarão o progresso de pelo menos 80% das metas de oito dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Guterres reforçou a necessidade urgente de uma estrutura de biodiversidade global, com metas claras e mensuráveis e meios robustos de implantação.
A proposta mostra ainda uma falta de coerência reveladora. Ao se arvorarem de produtores de florestas enquanto fazem o contrário, trazem à luz, na contradição, o caminho a ser seguido. A reparação dos danos ambientais causados pelos desmatamentos precisa de atenção especial. O grande foco da COP27 tem sido perdas e danos, onde países que sofrem a injustiça climática, em função de sua vulnerabilidade, cobram insistentemente a reparação de seus prejuízos e recursos dos países que mais emitem gases efeito estufa – para que possam se defender com programas não só de mitigação, mas também de adaptação em função dos intensos impactos do clima, que prometem ser mais e mais intensos.
É preciso que os países se tornem de fato produtores de florestas. Que saída haverá para a Amazônia, próxima do ponto de não retorno, a não ser empreender um vasto programa de revitalização e fortalecimento das condições que possam mantê-la viva, para exercer suas funções ecossistêmicas, impedindo seu fenecimento em função da fragilização diante de um sistemático processo de desmatamento?
O Brasil precisa mudar sua postura. Não se trata apenas de conter o desmatamento até 2030. Isso será decretar a morte da floresta ao longo do arco de desmatamento que se alastra do Acre ao Pará. É preciso conter a degradação e estrategicamente dar suporte à floresta, promovendo sua reconstituição e provendo sua sobrevida.
Só assim o Brasil poderá encarar a comunidade internacional como produtor de florestas.
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