Fotografia

O Brasil de Marcel Gautherot

Na Amazônia ou no Sertão, Marcel Gautherot documentou como poucos o Brasil. Suas fotos em preto e branco tem como pano de fundo a atemporalidade dos problemas ambientais.

Adriano Gambarini ·
10 de novembro de 2007 · 17 anos atrás

Marcel Gautherot é um dos fotógrafos cuja obra mais me fascina. Seu livro “Bahia: Rio São Francisco, Recôncavo e Salvador” chegou às minhas mãos em 1996, às vésperas de minha segunda empreitada pelo Velho Chico.

Tal fascínio talvez se deva ao fato das primeiras fotografias que vi terem sido do interior sertanejo da Bahia, lugar por onde viajei quando ainda era mochileiro. Fiquei encantado com aquele olhar viajante, sua incondicional busca do documental regado de uma estética simples estimulando o imaginário do leitor. E um gosto inexplicável por viajar; a tríade de razões que eu sempre busquei no meu trabalho.

Nascido em Paris em 1910, Gautherot tornou-se arquiteto-decorador aos 18 anos. Com criações refinadas e de extremo bom gosto, viaja ao México para fotografar objetos de arte pré-colombiana, mas por conta própria visita a fazenda Tertlapayac, palco do filme ‘Viva México’. Seu olhar apurado e artístico na fotografia atrai interessados como Christian Zervos e Picasso, que pede uma série de cópias.

A curiosidade pelos trópicos e o gosto por viajar o faz percorrer vários caminhos, mas foi através da obra Jubiabá, de Jorge Amado, que Marcel se encanta com o Brasil. Em 1939, chega em Belém do Pará, com pouco dinheiro, sem nenhum roteiro a seguir, apenas a busca pelo inesperado. Ao preço de um relógio vendido, parte num barco a vapor pelas entranhas da Amazônia e se fascina pela população ribeirinha, igapós, castanhais. Mas a Amazônia também deixa marcas em suas entranhas, com uma malária que felizmente não faz muitos estragos.

Retorna para Segunda Guerra na Europa, mas em 1940 volta para o Rio de Janeiro, e passa a conviver com Pierre Verger, Carybé, Mario de Andrade e Carlos Drummond, que chegou a defini-lo como ‘um dos mais notáveis documentadores da vida nacional’. A sua fotografia é sem preconceito, permeada de humanismo em quase todas as grandes regiões geoculturais do Brasil. Ao longo de sua vida como “Francês do Brasil”, documenta tudo que vê: seringais, rios e embarcações, a construção de Brasília, obras petrolíferas no interior do país, o Pelourinho baiano, feições, vestimentas, tradições.

Apesar de seu foco apontar toda esta estética documental das diversas manifestações culturais, rostos marcados pelo sol cultuando a fé em festas religiosas, ou mesmo os traços arquitetônicos barrocos e modernistas, encontramos muitas imagens onde o meio ambiente é pano de fundo, que embora ainda razoalvemente intacto, já prenuncia a natureza como uma fonte esgotável.

O Instituto Moreira Sales agrupa um dos maiores acervos do trabalho de Gautherot. Ao editar algumas fotos mais condizentes com esta seção, principalmente da Amazônia e do Rio São Francisco, encontrei novamente a atemporalidade dos problemas ambientais. Não fosse a monocromia das fotos em preto&branco, ou o formato quadrado resultante da boa e velha câmera Rolleyflex, as fotos de toras de madeira boiando num lago próximo a Manaus poderiam passar como uma fotografia recente. Provavelmente o olhar de Gautherot estava ainda imune aos preceitos catastróficos que hoje obrigatoriamente nos acompanha ao documentar o meio ambiente. Pois não há uma só região no Brasil em que possamos seguir em busca da beleza incondicional da natureza, sem nos deparar com a conclusão – o homem esteve aqui – no conceito pejorativo da expressão. Isto é triste, preocupante e passível de emergência.

  • Adriano Gambarini

    É geólogo de formação, com especialização em Espeleologia. É fotografo profissional desde 92 e autor de 14 livros fotográfico...

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