O clima global já mudou em muitos aspectos, que não tem precedentes nas últimas centenas ou milhares de anos, foi a conclusão de cientistas e governos do mundo no novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). Essas mudanças têm afetado todas as regiões do globo, na terra e no mar. Emissões de carbono contínuas irão produzir mais ondas de calor, aumento do nível do mar, o derretimento do gelo e condições climáticas extremas. As mudanças vão durar séculos e limitar seus efeitos exigiria cortes “substanciais e sustentados” das emissões de dióxido de carbono, dizem os cientistas.
Temperaturas
Os cientistas têm agora pelo menos 66 % de certeza que as últimas três décadas são as mais quentes em 1.400 anos, com um aumento da temperatura global de 0.9º C ocorrido no século passado. No entanto, mais de 90 % do calor gerado por gases do efeito estufa está armazenado nos oceanos. Até a metade deste século, os cientistas preveem um novo aumento de 1,4º a 2,6º C se as emissões de carbono continuarem a subir na tendência atual. Se as emissões forem interrompidas quase imediatamente e uma quantidade de carbono significativa saísse da atmosfera, o aumento até meados do século seria de 0,4º a 1,6º C.
Os cientistas preveem que a temperatura média entre 2080 e 2100 será de 2,6º a 4,8º C maior do que hoje se as emissões não forem controladas. Eles têm 90 % de certeza de que as ondas de calor serão mais frequentes e mais longas.
Nos oceanos, o forte aquecimento da superfície — de até 2º C em 2100 — é esperado nas regiões tropical e subtropical, uma grave ameaça para os recifes de coral que sustentam boa parte da vida marinha. Os cientistas concluíram que um colapso da Corrente do Golfo que aquece a Europa ocidental, dramatizada no filme “O Dia Depois de Amanhã”, é muito improvável neste século, mas não pode ser descartada mais à frente.
Oceanos
O nível global do mar já subiu 20 centímetros no século passado, e os cientistas estão agora 90 % certos de que essa taxa vai aumentar. A linha de maré está subindo com o derretimento das geleiras e as camadas de gelo perdidas despejam centenas de bilhões de toneladas de água nos oceanos a cada ano. Um fator igualmente importante é o aquecimento — e, portanto, a expansão — da própria água do mar.
As novas projeções para o nível médio do mar no período 2080-2100 são maiores do que as feitas no relatório de 2007, variando de 45-82 centímetros acima do nível atual, se nada for feito para reduzir as emissões, para 26-55 centímetros, caso as emissões de carbono sejam interrompidas e revertidas. No primeiro caso, o nível do mar poderá acumular um aumento de 98 centímetros até o final do século, ameaçando seriamente cidades que vão de Xangai a Nova York, além de significar danos maiores quando furacões e ciclones atingirem regiões costeiras.
Projeções sobre o nível do mar têm sido controversas, porque não é bem conhecida a velocidade exata em que as geleiras e camadas de gelo irão deslizar para o mar. Um colapso das camadas de gelo, por conseguinte, não está incluído nas estimativas e pode adicionar dezenas de centímetros ao aumento previsto. Como a Groenlândia e os lençóis de gelo da Antártida derretem lentamente, os cientistas preveem que o degelo e aumento do nível do mar continuarão durante séculos. Se um aumento de temperatura de entre 1º e 4º C for duradouro, a vasta camada de gelo da Groenlândia vai derreter completamente e acrescentará 7 metros ao nível do mar, projetam os cientistas, mas isso acontecerá ao longo de um milênio.
A acidez do mar também está aumentando devido à grande quantidade de dióxido de carbono que os oceanos estão absorvendo, e isso irá continuar. A consequência é prejudicar a vida marinha que produz conchas, mas os cientistas ainda não sabem em que medida.
Gelo
O impacto do aquecimento é evidente pelo aumento das taxas de derretimento em praticamente todas as geleiras do mundo e nas enormes camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida. As camadas estão derramando pelo menos cinco vezes mais água na década de 2000 do que na década de 1990, relatam os cientistas. A cobertura de neve do hemisfério norte caiu 11% por década desde 1967, e a temperatura do solo que congela sazonalmente, o permafrost , aumentou de 2º a 3º C na Rússia e no Alasca.
O gelo do Oceano Ártico está derretendo entre 9-14% por década desde 1979, enquanto o gelo ao redor da Antártida, ao contrário, está aumentando de 1-2%, provavelmente devido a mudanças nas correntes marítimas.
Os cientistas têm 90% de certeza que o gelo do mar Ártico, a cobertura de neve e as geleiras continuarão a encolher. Eles dizem que um oceano Ártico praticamente sem gelo nos meses de setembro tem probabilidade de pelo 66 % de ocorrer antes de 2050. Em 2100, entre 35 % e 85 % do volume das geleiras restantes no mundo terão desaparecido se as emissões não forem cortadas. A probabilidade do permafrost também encolher é maior do que 99%.
Extremos
É 90% certo que o número de dias e noites quentes aumentou globalmente e ondas de calor se tornaram mais frequentes e mais longas na Europa, Ásia e Austrália. As secas também se tornaram mais frequentes e intensas no oeste da África e no Mediterrâneo.
O número de chuvas intensas aumentou em mais regiões do que naquelas em diminuiu. É praticamente certo que a frequência e a intensidade dos mais fortes ciclones tropicais no Atlântico Norte aumentaram desde a década de 1970.
Os cientistas concluíram que é 99% certo que a frequência de dias quentes e noites quentes aumentará nas próximas décadas, enquanto a dos dias frios e noites frias deverá diminuir. É muito provável que a frequência e a intensidade das chuvas extremas aumentará em várias regiões populosas.
Pausa
A última década foi a mais quente já registrada, mas embora as concentrações de CO2 na atmosfera continuem a se acelerar, as temperaturas do ar próxima à superfície aumentaram apenas ligeiramente nos últimos 15 anos, levando alguns a sugerir que o aquecimento global parou. Os cientistas do IPCC rejeitam essa conclusão e afirmam que a tendência de aquecimento ao longo de um período de décadas é robusta, pois há uma variabilidade “substancial” entre cada década. Eles concluem: “Tendências extraídas de períodos curtos de registro … em geral, não refletem as tendências de longo prazo do clima.
Eles acrescentam que o calor preso na atmosfera pelo aquecimento global em 2011 foi 43% maior do que a estimativa para 2005, em seu último relatório, e que mais de 90% de todo o calor adicionado está sendo acumulado nos oceanos.
Orçamento de carbono
Os cientistas calculam que já foi emitida quase a metade de todo o dióxido de carbono possível sem elevar as temperaturas acima de perigosos 2º C, Segundo o IPCC, isso significa que os governos devem agir rapidamente para ter uma chance razoável de evitar o limiar de 2º C. É também muito provável que mais de 20% do CO2 emitido irá permanecer na atmosfera por mais de 1.000 anos após as emissões artificiais terem cessado. De acordo com o IPCC, uma grande fração das mudanças climáticas é, portanto, “irreversível em uma escala de tempo parecida com a da vida humana”, exceto se as emissões de CO2 produzidas pelo homem forem retiradas da atmosfera por um longo período.
Geoengenharia
Os cientistas relatam que a “geoengenharia” do clima é em teoria possível, reduzindo a quantidade de luz solar absorvida pela Terra ou pela retirada e armazenamento de dióxido de carbono e outras emissões da atmosfera. Mas, adverte o IPCC, não há conhecimento suficiente para avaliar a eficácia de tais métodos, como injetar químicos com capacidade de filtro solar na estratosfera, e adverte sobre os “efeitos colaterais e consequências de longo prazo em escala global”.
Mudança abrupta
É “muito provável” que a chamada Corrente do Golfo, que leva água quente para a Europa ocidental, irá enfraquecer ao longo do século 21. Mas é “muito improvável” que ela entre em colapso ou passe por uma grande transição neste século. Se ocorrer mais aquecimento, isso produzirá emissões de metano significativas advindas do permafrost no próximo século, o equivalente a uma faixa de 50-250 bilhões de toneladas de CO2. Mas os cientistas do IPCC não acham provável que ocorram vazamentos catastróficos neste século.
Incertezas
Em termos de dados, a informação ainda é limitada em alguns locais, especialmente dados anteriores a 1950. Há também dados limitados sobre os oceanos abaixo de 700 metros de profundidade.
São incertezas teóricas como a poluição afeta a formação de nuvens ou qual é sensibilidade do clima global, ou seja, o quanto ele responde a CO2 extra na atmosfera. O novo relatório reduz ligeiramente a sensibilidade mínima do clima, mas no lançamento do evento , Thomas Stocker, co-presidente do painel, disse que se a nova estimativa for verdadeira ela adiará os impactos das mudanças climáticas por apenas alguns anos.
Há incerteza sobre a contribuição da atividade humana às mudanças nos ciclones e secas tropicais.
Outras explicações do aquecimento
Os cientistas afirmam: “É extremamente provável que a influência humana tenha sido a causa dominante do aquecimento observado desde meados do século 20”. O relatório exclui qualquer contribuição significativa de mudanças nos ciclos solares, vulcões ou raios cósmicos.
*Esse artigo é publicado através da parceria de ((o))eco com a Guardian Environment Network (veja a versão original). Tradução de Eduardo Pegurier |
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