Em 2010, o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (CEPTA/ICMBio), do Instituto Chico Mendes, fez uma série de expedições para inventariar a ictiofauna do alto, médio e baixo rio São Francisco (alguns de seus principais afluentes). Confira abaixo uma entrevista com Leonardo Milano, analista ambiental do órgão e fotógrafo, sobre a experiência do trabalho que ainda analisa os resultados.
O Eco: Quais foram os principais resultados da expedição? A diversidade de espécies da ictiofauna é alta no Velho Chico?
Leonardo Milano: Inventários de espécies não são novidade no São Francisco. Estão descritas cerca de 158 espécies (excluindo as diádromas, aquelas espécies que migram do mar para o o rio). Existe um punhado de publicações sobre esse tema. O diferencial do nosso trabalho é que estamos fazendo esse inventário com uma estrutura melhor, mais recursos, com parceiros de diversas universidades. O foco maior está no alto São Francisco, onde há menos estudos. Os dados ainda estão em análise, mas o que posso adiantar é que descobrimos novas espécies na região da Serra da Canastra. Importante falar também do trabalho de inventário da fauna parasitária de peixes que estamos fazendo. Os parasitas de peixes são importantes indicadores de qualidade ambiental. Estamos trabalhando na elaboração de um livro sobre as expedições ao São Francisco.
O Eco: E o que dizer das paisagens, qual relato você pode fazer delas?
Leonardo Milano: O Rio S. Francisco nasce na Serra da Canastra, onde está a parte mais conservada, principalmente devido à presença do Parque Nacional da Serra da Canastra; o turismo é a principal atividade econômica. Essa região é uma área de transição entre Mata Atlântica e o Cerrado, com predominância de Campos de Altitude que abrigam inúmeras espécies da flora e da fauna, como o lobo guará, o tamanduá-bandeira, o veado-campeiro, diversos gaviões e espécies ameaçadas de extinção como o pato mergulhão e o tatu-canastra. Como é comum em cabeceiras de rios, a diversidade e quantidade de peixes costumam ser menores que nas partes mais baixas. Já o endemismo costuma ser alto. É interessante constatar que um rio tão grande e importante como o S.Francisco surge de diversas pequenas nascentes de água cristalina, no alto de uma enorme chapada, em meio ao capim-gordura e um clima seco.
No médio S.Francisco está a parte mais degradada do rio. A mata ciliar está bastante fragmentada, há erosão visível das margens, uso indiscriminado de agrotóxicos, pivôs centrais para irrigação agrícola, são presença frequente, garimpo, esgoto etc. Nessa parte do rio, o agronegócio é a atividade econômica dominante. Ouvimos muitos relatos de pescadores de que a disponibilidade de peixes vem diminuindo bastante nos últimos anos. A paisagem, nessa parte do rio, já é mais árida e a água já é bem marrom, carregada de sedimentos.
No baixo S.Francisco está a parte mais árida – embora seja a porção mais larga e abundante em água do rio – da paisagem; foi onde tivemos mais contato com a população. O nordestino que habita a região do S.Francisco é pobre do ponto de vista material, mas a riqueza cultural, a simpatia e a hospitalidade são enormes. Embora seja uma região seca, com predominância da Caatinga, quem vive nessa parte do S.Francisco dificilmente passa fome. A disponibilidade de peixes é grande (embora tenha diminuído ao longo dos anos) e a água do rio permite a agricultura de subsistência farta. Há grande quantidade de acampamentos de “sem terra” nas margens do baixo S.Francisco. Me chamou a atenção que o rio, na sua parte baixa, volta a ter a água transparente. Acredito que isso ocorra por causa da baixa pluviosidade da região. Em época de chuva, a água volta a ficar turva.
O Eco: Um dos temas mais recorrentes nas discussões ambientais é a transposição do rio São Francisco. Vocês levaram em conta esse aspecto durante o trabalho?
Leonardo Milano: Sim, temos que levar em conta os impactos da transposição do S.Francisco na ictiofauna; acredito que os maiores impactos ocorrerão no baixo S.Francisco, mas ainda não temos como quantificar esse impacto na diversidade e na abundância de peixes na região.
O Eco: Você tem paixão por fotografia? O que mais lhe chamou a atenção nessas andanças, e o que acha da fotografia em uma expedição?
Leonardo Milano: Sou completamente apaixonado por fotografia. Quando estou fotografando, me sinto uma pessoa realizada. Sinto paz interior. Me interessei por fotografia há 12 anos, no início da faculdade de Biologia, durante uma palestra do biólogo e fotógrafo José Sabino. Depois disso resolvi me matricular, como matéria optativa, na disciplina ‘fotografia” do curso de Arquitetura; isso durou um ano e meio. Mas a experiência mais importante que tive na fotografia, e que me ensinou muito, foi trabalhar como assistente do fotógrafo Araquém Alcântara. Com o Araquém, tive a oportunidade de participar de alguns workshops, de fotografar macacos monocarvoeiros e de participar do livro comemorativo dos 450 anos da cidade de São Paulo. Depois disso, a fotografia nunca mais saiu da minha vida, embora eu não ganhe dinheiro com isso. Leio muito sobre fotografia, e meus fotógrafos preferidos são o Henri Cartier-Bresson, o Alex Webb e o Miguel Rio Branco. Gosto muito do Pedro Martinelli também. No meu trabalho, entre diversas atividades, sou responsável pelo banco de imagens institucionais. Tenho fotografado as expedições científicas do CEPTA. Além dos trabalhos de campo, estou montando um acervo de fotos das espécies de peixes encontradas durante as expedições. Esses registros são fundamentais para publicações científicas, matérias jornalísticas e divulgação institucional.
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