Um tremendo bate-boca em Créole, idioma local do Haiti, já mostrava que o dia seria intenso naquela manhã. Estava no chamado IDP Jean-Marie Vincent, um dos maiores assentamentos de Porto Príncipe, responsável por abrigar, após o terremoto que assolou o país em Fevereiro de 2010, cerca de 300 mil pessoas. A sigla IDP significa em inglês « Pessoas Deslocadas Internamente ». Todas viviam em barracas de acampamento. Assim como acontece no Brasil, o que era para ser um improviso acabou se tornando permanente : as barracas doadas pela ONU na época da tragédia viraram moradia.
A discussão que presenciei era agressiva e fazia jus ao bom estilo africano, exaltado ao falar. Cerca de 80% população haitiana é de origem Africana. Hoje, esse mesmo percentual não tem acesso a água encanada e rede de esgoto. Homens e mulheres se aglomeravam com seus baldes em torno da fonte de água mais abundante do assentamento. Mulheres, na grande maioria, lavavam suas roupas e enchiam seus baldes com a água que mais tarde seria utilizada para preparar o almoço. A disputa pelo líquido era acirrada e ocorria sob temperaturas na casa dos 38 graus.
Caminhando pelas ruas de Porto Príncipe, o que se vê são montanhas de lixos se acumulando nas esquinas, porcos transitando livremente e rios sendo tomados por enxurradas de dejetos.
O governo não tem condições financeiras para recuperar o país. Desta forma, não existem serviços básicos como acesso a energia elétrica, água potável e encanada, rede de esgoto, coleta de lixo e correios, para citar exemplos mais óbvios. Escuto de um sargento brasileiro que nos acompanha no trajeto : « acho que eles estão há uns 300 anos de distância da gente ». De fato, ele tem razão. Falta tudo no Haiti.
O papel do Brasil na ajuda humantiária é fundamental, pois ele tem o maior contingente de tropas instalado no país e comanda a MINUSTAH (missão de paz da Onu no Haiti). Há 3 bases de soldados brasileiras, uma delas dedicada exclusivamente voltada à engenharia e à reconstrução do país.
Discute-se a construção de uma hidrelétrica, mas ainda faltam recursos financeiros externos. Dentro da base brasileira, existe uma estação de tratamento da água e o que não é consumido pelas tropas é distribuído nos bairros de Porto Príncipe.
A água distribuída pelo governo nos IDPs não é potável, segundo análises feitas pela ONU. Dessa maneira, correm boatos de que os haitianos desenvolveram uma série de anticorpos em relação a várias doenças transmitidas pela água. São boatos sem comprovação científica.
É marcante a imensa capacidade de adaptação deste povo tão sofrido. Nos últimos anos, estima-se que o cólera atingiu meio milhão de pessoas, das quais matou cerca de 650, segundo dados da ONU. A possibilidade do país se reerguer com as próprias pernas é inexistente. Na contramão deste conjunto complexo de adversidades o haitiano ainda esbanja uma alegria pura e distribui sorrisos lindos a cada esquina.
Apesar de fechado, Gramacho é uma história inacabada
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