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Diretor do INPE é exonerado após Bolsonaro criticar dados do desmatamento

Demissão ocorreu após 2 semanas de crise iniciada pelo presidente, que disse a jornalistas estrangeiros que Ricardo Galvão estava “a serviço de ONGs”

Daniele Bragança ·
2 de agosto de 2019 · 5 anos atrás
Apesar da contestação, governo admite que desmatamento está aumentando. Foto: Daniel Beltrá/Greenpeace.

Após duas semanas de crise com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o governo decidiu exonerar nesta sexta-feira (02) o diretor Ricardo Galvão. A demissão ocorre após o presidente Jair Bolsonaro dizer que não acreditava no aumento do desmatamento e que suspeitava que o diretor do INPE, órgão responsável pelo monitoramento da Amazônia desde 1988, estava “a serviço de alguma ONG”. Galvão respondeu à acusação dizendo que o presidente “tomou uma atitude pusilânime e covarde”.

A publicação no Diário Oficial da União deve ser feita ainda hoje.

Galvão se reuniu na manhã desta sexta-feira com o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, e declarou na saída, para a imprensa, que sua saída se deve à maneira como respondeu à acusação de Bolsonaro de que os dados do INPE eram falsos.

“Diante da maneira como eu me manifestei com relação ao presidente, criou um constrangimento, ficou insustentável e eu serei exonerado”, disse.

O ex-presidente disse que discutiu detalhes da continuação da administração com o ministro Marcos Pontes, que garantiu que manterá a independência e a linha de trabalho do Instituto. 

Ainda não se sabe quem assumirá o comando do INPE.

Mensagem do ministro Marcos Pontes sobre a exoneração do diretor do INPE. Imagem: Reprodução/Twitter.

“Agradeço pela dedicação e empenho do Ricardo Galvão à frente do INPE. Tenho certeza que sua dedicação deixa um grande legado para a instituição e para o país. Abraços espaciais”, disse Marcos Pontes, em publicação em sua conta no Twitter, sem entrar na polêmica. 

Notícias sobre desmatamento preocupam governo

O governo está incomodado com as notícias que afirmam que o desmatamento saiu de controle a partir de maio. Os dados do INPE mostram um aumento de 40% no número de alertas de desmatamento, de agosto de 2018 a julho de 2019, em relação ao mesmo período do ano anterior. 

Na quarta-feira (31), ocorreu uma reunião de representantes do INPE – o diretor substituto, Petrônio Souza; o coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia e Demais Biomas (PAMZ+), Cláudio Almeida; e a coordenadora de Observação da Terra do INPE, Lubia Vinhas, – com membros do Ministério de Ciência, Tecnologia, Informações e Comunicações (MCTIC), dentre eles o ministro Marcos Pontes, seu Secretário Executivo, o ex-deputado federal pelo PSDB de SP, Julio Semeghini, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Após o encontro, Salles falou sozinho com a imprensa sobre inconsistências encontradas nos dados do DETER. Depois de muita insistência dos jornalistas, o ministro confirmou, pela primeira vez, que o desmatamento está aumentando na Amazônia.

Em nota divulgada após a coletiva, o INPE afirmou que não teve acesso prévio ao estudo do governo com críticas ao sistema e reafirmou “sua confiança na qualidade dos dados produzidos pelo DETER”. 

“Para uma análise completa, o INPE solicitou ao MMA acesso ao referido estudo. De antemão, o INPE avalia que o estudo apresentado corrobora a metodologia do DETER, pois os alertas de desmatamento mostrados se tratavam de fato de áreas desmatadas. Qualquer comparação dos resultados do DETER com resultados de metodologias ou imagens distintas deve ser aprofundada, e requer uma avaliação mais completa”, afirmou, em nota.

Em coletiva realizada na quinta-feira, no Palácio do Planalto, governo sustentou que os dados do DETER estão incorretos. Foto: Marcos Corrêa/PR.

Ontem o governo voltou a rebater os dados do INPE. Em coletiva no Palácio do Planalto, os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Ernesto Araújo (das Relações Exteriores) apresentaram o estudo feito pelo MMA, que não foi mostrado previamente ao INPE, para a imprensa. 

“O que preocupa mais aqueles que têm sentimento de brasilidade, que têm um amor pelo país, como todos deveriam ter, é que esses dados prejudicam muito a imagem do Brasil. Se fossem dados corretos, era preocupante e seria conveniente que nós não alardeássemos isso e que nós cuidássemos do problema internamente, procurássemos corrigir o que está errado”, afirmou o general Heleno durante a coletiva.

“Não quero afirmar, mas uma notícia como essa, que não condiz com a verdade, tem um estrago muito grande na imagem do Brasil. Parece que tem gente interessada nisso, que não é a imprensa, porque o dado saiu lá de dentro, dos órgãos nossos”, voltou a acusar Bolsonaro. 

Comunidade científica sai em defesa do trabalho do INPE

Cientistas da Coalizão Ciência e Sociedade, que integra 65 pesquisadores de instituições de todas as regiões brasileiras, publicou nota onde endossa dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e condena a exoneração de Ricardo Galvão. 

“O insistente descrédito dos dados públicos pelo presidente Jair Bolsonaro e parte de seus ministros não é fundamentado em argumentos técnicos sólidos e transparentes” escreveram os cientistas. “Após as declarações recentes do ministro Augusto Heleno sobre os dados do desmatamento, perguntamo-nos se agentes da Polícia Federal ou oficiais das Forças Armadas brasileiras prefeririam, em situações de campo, basear-se em informações fornecidas pelo Inpe ou nas “reinterpretadas”, por conveniência política, pelo atual ministro do Meio Ambiente” afirmou a Coalizão Ciência e Sociedade, em manifesto.

“A exoneração de Ricardo Galvão é lamentável, mas era esperada. Ele selou seu destino ao não se calar diante das acusações atrozes de Jair Bolsonaro ao INPE. Ao reagir, Galvão também preservou a transparência dos dados de desmatamento, ao chamar a atenção da sociedade brasileira e da comunidade internacional para os ataques sórdidos, autoritários e mentirosos de Bolsonaro e Ricardo Salles à ciência do INPE”, declarou em nota Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.

 

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  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

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Comentários 3

  1. Carlos Magalhães diz:

    O diretor Ricardo Galvão é que deveria ter solicitado demissão do cargo, quando o PR duvidou da precisão de seus dados.

    Por que esperar ser exonerado? Por que esse aferramento ao cargo?

    Ele não se sentiu ofendido, desmerecido? Então que pedisse demissão.


    1. Paulo diz:

      Quem mentiu, o Galvão ou o Salles.


  2. George diz:

    Alô, Ministro da C&T!

    Certamente você conhece o relatório da comissão que investigou a explosão do Challenger. Em particular, o famoso aparte do físico Richard Feyman, que lembra que a realidade é imune as relações públicas.

    Lembra dos técnicos que recomendaram abortar o lançamento naquela manhã por causa da temperatura baixa?

    Lembra como acabou?

    Hoje, a temperatura está alta. Muito alta. Olha o que está acontecendo agora na Groenlandia. A propaganda não vai evitar a explosão, e desta vez estamos todos a bordo da nave.