Manaus, AM — O monitoramento ao longo de quase 18 anos, em Humaitá, cidade amazonense nas margens do Rio Madeira, a 675 quilômetros de Manaus, demonstra uma queda de 39% no volume de pescado desembarcado na cidade, a partir do fechamento das barragens das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, que ficam dezenas de quilômetros rio acima, em Rondônia.
Os resultados, que trazem informações da pesca de 17 áreas na região de Humaitá, foram publicados na revista científica Fisheries Management and Ecology, nesta segunda-feira, 20 de agosto. O artigo demonstra que, até 2011, quando o reservatório de Santo Antônio começou a encher, 22,87 toneladas de peixe desembarcavam em média todos os meses em Humaitá. A partir daquele ano, o volume médio passou a ser de 15,05 toneladas.
Santo Antônio, a 175 quilômetros de Humaitá e a 7 quilômetros de Porto Velho (RO), foi inaugurada em 2012 e gera pouco mais de 3,5 mil MW. Jirau começou a encher em 2012 e começou a operar no ano seguinte. Está a 263 quilômetros de Humaitá (100 quilômetros de Rondônia) e gera 3,75 mil MW. O estudo destaca o alto preço pago pelas populações locais devido aos danos ambientais que as usinas provocaram.
Apesar de ter sido analisado apenas um local de desembarque, os pesquisadores acreditam que possam representar a situação ao longo de todo o Rio Madeira. “Existem espécies que migram grandes distâncias, às vezes, mais de mil quilômetros, então os dados devem refletir o que acontece em outros locais”, afirma o biólogo Rangel Eduardo dos Santos, autor principal do artigo e aluno de doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais.
Os prejuízos de hidrelétricas à migração de espécies, principalmente siluriformes (bagres), que se reproduzem nas cabeceiras das bacias hidrográficas, já são estudados desde a década de 1970, conforme destaca Rangel Santos. Mas essa não é a única ou mesmo a principal causa para o declínio da pesca na região.
O pesquisador afirma que mudanças provocadas pelas usinas na fluviometria, ou seja, nas variações de nível do Rio Madeira afetam diretamente a atividade pesqueira, comprometendo o conhecimento tradicional que os ribeirinhos têm sobre o comportamento dos rios.
As barragens têm provocados repiquetes, cheias inesperadas. Com isso, pescadores que aproveitam o momento em que as águas estão baixando, e os peixes estão saindo dos lagos para se concentrarem nos canais dos rios, perdem a referência sobre o melhor momento para a atividade.
“Quando o rio está numa cota de um metro, mas no final da tarde chega a um metro e meio, significa que o pescador que comprou combustível, pagou gente para ir pescar com ele, não vai fazer a captura”, afirma o biólogo Rogério Fonseca, professor da Universidade Federal do Amazonas e coautor do artigo.
Fonseca destaca também que esses pulsos de inundação agora imprevisíveis, levando por exemplo a extensão do período em que a várzea permanece inundada. Com isso, ribeirinhos perdem o tempo de fazer roças na várzea, indo buscar novas áreas, aumentando conflitos e até mesmo deslocamentos de populações para as cidades.
Os autores fazem ainda uma série de recomendações, como o monitoramento contínuo e a criação de bancos de dados sobre a pesca no Rio Madeira, com informações coletadas junto às colônias de pescadores; desenvolvimento de programa de reprodução de espécies afetadas pelas barragens; investimentos das hidrelétricas e do governo para diversificação e fortalecimento de atividades tradicionais e reparar danos provocados às populações locais; e que o manejo de recursos pesqueiros seja considerado nos processos de licenciamento, para reduzir impactos socioambientais causados por novas hidrelétricas na região.
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