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Gilmar Mendes derruba lei do Marco Temporal

Relator apresentou seu voto pela derrubada da lei que instituiu o mecanismo como critério para demarcação de terras indígenas; Flávio Dino acompanhou o voto

Karina Pinheiro ·
15 de dezembro de 2025

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta segunda-feira (15) pela inconstitucionalidade de trechos da Lei 14.701/2023, que instituiu o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. O posicionamento foi apresentado no plenário virtual da Corte, onde o julgamento segue até quinta-feira (18).

Com 228 páginas, o voto integra o julgamento conjunto de ações que questionam a constitucionalidade da lei, além de outras ações diretas e uma ação declaratória de constitucionalidade. O ministro classifica o tema como de “extrema urgência e importância”, ao destacar que a indefinição jurídica em torno das demarcações tem alimentado conflitos no campo, com impactos sociais, econômicos e até mortes 

No voto, Gilmar Mendes sustenta que a União incorre em omissão inconstitucional ao não cumprir o artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que determinou a conclusão das demarcações indígenas em até cinco anos após a promulgação da Constituição de 1988. Segundo o ministro, passadas mais de três décadas, a demora administrativa, atribuída principalmente à Funai, aprofunda a insegurança jurídica tanto para povos indígenas quanto para proprietários não indígenas afetados pelos processos demarcatórios. 

O ministro também critica a atuação do Congresso Nacional ao aprovar a Lei 14.701/2023, afirmando que o Legislativo adotou medidas de “backlash” ao contrariar entendimentos já firmados pelo STF no Tema 1031 da repercussão geral, que rejeitou o marco temporal como critério constitucional para o reconhecimento de terras indígenas 

Outro eixo central do voto é o diálogo com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Gilmar Mendes incorpora decisões internacionais que reconhecem o direito à propriedade coletiva dos povos indígenas e impõem aos Estados o dever de delimitar, demarcar e titular os territórios tradicionais, além de assegurar consulta prévia às comunidades afetadas. O ministro defende que esses parâmetros internacionais devem orientar a atuação do Estado brasileiro.

Ao final, Gilmar Mendes indica que o STF deve não apenas julgar a constitucionalidade da lei, mas também impor medidas estruturais à União para enfrentar a mora administrativa nas demarcações. Para ele, sem a efetivação concreta dos direitos previstos no artigo 231 da Constituição, o país seguirá reproduzindo um cenário de conflito permanente no campo e violação sistemática dos direitos dos povos indígenas.

Até o momento, o voto de Gilmar Mendes foi acompanhado pelo ministro Flávio Dino, que foi o segundo a se manifestar no plenário virtual. Dino afirmou que os direitos territoriais indígenas são originários e independem da comprovação de ocupação das terras em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

Segundo o ministro, são inconstitucionais não apenas leis ordinárias, mas também eventuais Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que tentem impor a tese do marco temporal. Para Dino, esse tipo de iniciativa viola cláusulas pétreas e o núcleo essencial dos direitos fundamentais assegurados aos povos indígenas, além de contrariar frontalmente a jurisprudência consolidada do próprio STF.

Movimento Indígena acompanha julgamento

A leitura feita pelo movimento indígena é de que os votos reforçam entendimentos já consolidados pelo STF. Em nota, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) destacou que os posicionamentos de Gilmar Mendes e Flávio Dino reconhecem que a Lei 14.701/2023 representa uma ameaça direta aos direitos originários dos povos indígenas. Para a assessoria jurídica da entidade, os votos reafirmam que a tese do marco temporal não encontra respaldo constitucional e contraria tanto a jurisprudência do Supremo quanto compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

O CIR também enfatiza que a tentativa de fixar um marco temporal desconsidera os processos históricos de expulsão, violência e esbulho sofridos pelos povos indígenas, além de aprofundar a insegurança jurídica nos territórios. Segundo a entidade, o julgamento em curso é decisivo não apenas para a política indigenista, mas para a garantia da vida, da integridade territorial e da autodeterminação dos povos indígenas no país.

  • Karina Pinheiro

    Jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), possui interesse na área científica e ambiental, com experiência na área há mais de 2 anos.

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