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JBS ainda compra gado de fazendas ligadas ao desmatamento, revela Global Witness

Ligação da empresa com o desmatamento na Amazônia é facilitada por bancos, importadores e supermercados da Europa e EUA. Frigorífico nega irregularidades

Cristiane Prizibisczki ·
24 de junho de 2022 · 2 anos atrás

Mesmo tendo assumido compromissos internacionais de controle de sua cadeia de fornecedores, a gigante da carne JBS continua comprando gado de fazendas envolvidas com desmatamento ilegal, trabalho escravo, grilagem de terras e lavagem de gado. Isto é o que revela um relatório publicado nesta quinta-feira (23) pela Global Witness.

Segundo o documento, o frigorífico comprou gado de fazendas associadas ao desmatamento de 10 mil hectares, área equivalente a 10 mil hectares, somente no Pará, o que contraria seus acordos de não desmatamento com o Ministério Público Federal.

Em 2020, a Global Witness já havia identificado que a JBS comercializou cabeças de boi de 327 fazendas irregulares em solo paraense. O relatório recém-divulgado revela que 144 destas fazendas expostas no trabalho anterior ainda figuram em sua lista de fornecedores.

Além disso, o relatório diz que a empresa não monitorou outras 470 fazendas de sua cadeia de abastecimento, chamadas de fornecedores indiretos, que são responsáveis pelo desmatamento ilegal de cerca de 40 mil hectares de floresta.

Em resposta ao relatório, a JBS admitiu ter comprado gado de 143 desses 144 fornecedores, mas negou que eles estivessem envolvidos em irregularidades, pois teriam feito o pedido de regularização ambiental na Secretaria de Meio Ambiente do Pará.

Para Chris Moye, Chefe Interino de Investigações Florestais da Global Witness e principal autor do relatório, somente o registro da intenção de regularizar a área não é suficiente para garantir a sua legalidade.

“Ao nosso ver não é bem assim, porque o pedido de regularização ambiental só perdoa o desmatamento ilegal encontrado dentro da propriedade uma vez que o proprietário pagou a multa devida, entrou com termo de comprimisso e começou a restaurar o polígono desmatado. […] Para nós, a defesa da JBS em relação a isso não foi correta”, disse Moye, em entrevista a ((o))eco.

Em relação ao rastreamento dos fornecedores indiretos, a JBS disse que implementou um novo sistema de monitoramento desses fornecedores e montou 15 escritórios de sustentabilidade em todo o Brasil para ajudar pecuaristas a cumprirem com a legislação ambiental.

Esta já havia sido a resposta da empresa quando o Ministério Público revelou, em outubro passado, que mais de um terço da carne comercializada pela JBS nos últimos anos no Pará continha irregularidades.

Financiadores do desmatamento

O relatório da Global Witness também revelou que bancos globais e gestores de ativos continuam a financiar a JBS, apesar das falhas da empresa na questão do controle do desmatamento em sua cadeia produtiva.

Segundo o documento, instituições financeiras como Deutsche Bank, HSBC, Barclay, JP Morgan, Santander e BlackRock já destinaram cerca de US$ 1 bilhão, o equivalente a R$ 5 bilhões, à JBS, mesmo que seus portfólios e campanhas de mídia anunciem compromissos antidesmatamento .

Ao serem questionados pela Global Witness se as descobertas do relatório haviam afetado sua relação com a JBS, algumas dessas instituições financeiras alegaram que estavam trabalhando com a empresa para melhorar o desempenho ou exigindo que ela removesse o desmatamento de suas cadeias de abastecimento com mais rapidez. 

“O setor financeiro global é, portanto, o combustível que move o agronegócio. Uma maior regulação desse setor é essencial para reduzir sua contribuição ao desmatamento, sobretudo considerando as repetidas falhas de suas iniciativas voluntárias de não desmatamento”, diz trecho do relatório.

Para Chris Moye, as informações sobre instituições financeiras são particularmente preocupantes. Isso porque, atualmente, tanto EUA quanto Reino Unido e União Europeia estão revendo suas leis para impedir a importação e comercialização de produtos oriundos de áreas com desmatamento ilegal. Os bancos, no entanto, não são alvo de nenhuma norma.

“O fato de o setor financeiro não estar contemplado nessas leis, para nós, é o mais problemático, porque ele vai continuar sendo exposto aos problemas na JBS […] Atualmente, na Inglaterra, EUA e Europa não existe a intenção de obrigar esse setor a retirar os problemas ambientais de seu portfólio e serviços financeiros”, diz.

Revestido em desmatamento

Em sua investigação, a Global Witness também descobriu que uma das mais prestigiadas fabricantes de couro do mundo, a empresa italiana Gruppo Mastrotto, continua importando o produto dos problemáticos abatedouros da JBS no Pará. O grupo atende grandes montadoras de veículos, como a Toyota e a Volkswagen, proprietária da Audi, Porshe, Bentley e Lamborghini, famosas por seus bancos de couro.

Questionada pela Global Witness, a Mastrotto disse que não compra mais da JBS, mas não respondeu quando questionada se poderia identificar a fazenda de origem do couro comprado por suas subsidiárias brasileiras. Enquanto isso, Volkswagen e Toyota disseram que suas políticas internas garantem que o couro comprado não esteja ligado a crimes ambientais, mas não responderam se consideraram aceitável que um de seus fornecedores seja incapaz de rastrear seu couro. 

Dinastia Seronni

A investigação da Global Witness também revelou que a JBS ainda  compra gado da família Seronni, acusada de comandar, há pelo menos uma década, supostas violações de direitos humanos, uso de trabalho escravo, desmatamento ilegal, grilagem de terras e lavagem de gado.

Quando as denúncias de trabalho escravo foram apresentadas à JBS no ano passado, ela alegou que iria bloquear esses pecuaristas. No entanto, a Global Witness descobriu que a empresa segue comprando gado dessas fazendas por meio de terceiros, mesmo após os avisos da organização.

Em sua defesa, a JBS disse que tais pecuaristas agiram de má fé e burlaram deliberadamente seu sistema de monitoramento. A empresa também disse que bloqueou os terceiros assim que avaliou as informações apresentadas pela organização. 

Segundo Chris Moye, houve negligência por parte da JBS neste caso. Isso porque o método usado pelos Seronni para burlar o sistema, diz ele, foi a mudança do nome do fornecedor. A família usou nomes de outros familiares, explica, mas a fazenda fornecedora continuou a mesma.

“Em teoria, eles teriam que bloquear a fazenda em si. A JBS tinha o Cadastro Ambiental Rural da propriedade e poderiam verificar de onde o gado estava vindo, qual o CPF registrado e que esse CPF era do senhor que estava colocado na lista de trabalho escravo. Então, honestamente, nesse caso, foi um pouco de negligência. E a questão é: o quanto que essa negligência afeta o monitoramento dos outros fornecedores?”, questiona Moye.

Os Seronni não atenderam aos pedidos de resposta da Global Witness. A família foi responsável pela comercialização de mais de 30 mil cabeças de gado para a JBS entre 2014 e 2021.

Cadeia de supermercados

Ao longo dos últimos anos, várias cadeias de supermercados e varejistas europeus  anunciaram o boicote à carne brasileira devido ao aumento do desmatamento na Amazônia. O relatório da Global Witness mostra, no entanto, que produtos de origem bovina continuam chegando às prateleiras dos supermercados naquele continente.

O trabalho da organização mostrou que redes de supermercados britânicas como Morrisons, Sainsbury´s e Asda ainda trabalham com carne enlatada da JBS comprada no Brasil por um fornecedor do Reino Unido.

A Morrisons informou que pretendia retirar o produto com carne da JBS de suas prateleiras devido às informações compartilhadas pela Global Witness. A Sainsbury´s alegou que trabalha com seus fornecedores para garantir a compra de carne responsável, enquanto a Asda não respondeu, apesar dos vários pedidos feitos pela organização.

Chris Moye acredita que esse trabalho traz algumas mensagens importantes. A primeira delas é que o setor financeiro precisa ser incluído nas propostas de embargo à carne brasileira que estão sendo discutidas no âmbito legal de países europeus e nos EUA. Ele também defende que as legislações precisam incluir couro e carne como commodities alvo.

“Finalmente, defendemos que as auditorias feitas para verificar o cumprimento da JBS com suas obrigações legais analisem toda sua cadeia produtiva com critérios mais fortes do que os atualmente empregados”, finaliza.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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